Um conselho a Passos Coelho: não volte (tão cedo)

O PSD está órfão de Passos, com pouca fé em Rio e sem miragem de um sucessor. Mas basta pensar no que seria o seu regresso para lhe deixar um conselho: o segredo está em resistir à tentação.

O diagnóstico

Passos Coelho escreveu uma carta aberta à PGR, agradecendo-lhe o serviço e deixando um recado a Costa e Marcelo. Passos Coelho recusou a Marcelo uma condecoração por serviços prestados ao país, alegando que é “cedo” para medalhas. Um comentador lançou a dica: “Passos está a preparar o regresso e já está a fazer contactos no PSD”. E de repente fica tudo doido: olha, o Passos está a voltar.

A intriga dá-nos uma imagem tremida de como está o PSD: sem fé em Rui Rio; e sem uma miragem de quem lhe possa suceder com sucesso.

Para Passos, será motivo para um sorriso (como diz o ditado, “atrás de mim virá quem bom de mim fará”). Mas será que um sorriso de satisfação e uma imagem tremida do PSD valem um regresso ao passado?

Problema 1 (Passos)

Passos é um homem detestado pelo Portugal à esquerda, mas muito respeitado pelo Portugal à direita. A sua saída de cena, de resto tardia, começou a restituir-lhe um capital de crédito que a permanência no palco político desde 2015 nunca lhe poderia dar. No PSD, isso traduz-se numa certa orfandade, um sentimento de perda que resulta destes fatores:

  • Responsável pelo único Governo que esteve sob assistência financeira sem poder desvalorizar a moeda (e no meio de uma profunda crise económica europeia), Passos tornou-se no único político que o PSD reconhece como amplamente preparado para chefiar um Governo. A experiência política de Rui Rio, por motivos que já aqui expliquei, não tem comparação. E no partido o mais perto que se encontra de Passos é Carlos Moedas, que tem experiência de coordenação dentro de um Governo, experiência europeia e conhecimentos técnicos importantes, mas não tem disponibilidade (para já), nem aparelho;
  • O aparelho gosta de Passos e divide-se face a Rui Rio. Gosta de Passos por gratidão, mas também por resultados: vê nele o líder que venceu as últimas legislativas, mesmo que isso não lhe tenha dado direito a governar. E à luz do que vemos hoje, para o aparelho e para Rui Rio, essa vai ser uma fasquia difícil de superar em 2019;
  • Mas não é só no PSD que o “passismo” sobrevive. No Portugal à direita, Passos tornou-se o intérprete de uma nova geração de eleitores que já não quer um emprego para a vida, que tem fé na meritocracia, que acredita na igualdade de oportunidade mais do que na procura da igualdade. Chamam-lhe “liberais”, mas o azar de Passos é que os liberais neste país raramente se mostraram à altura dos princípios que defendem (e só com muito tempo, e se a história ajudar, poderão ser suficientes para garantir uma eleição). Essa é, claro, a sorte de Rui Rio, que liberal não é.

Numa decisão sobre um regresso, admitindo que pense nisso, Passos terá que pesar também os contras.

  • Apesar da vitória, ele foi o líder a quem faltaram votos para governar (a direita perdeu 720 mil votos face a 2011). Mais importante: foi o líder a quem faltaram os votos para ser ele a devolver os rendimentos que cortou durante o período de assistência;
  • Ele foi também o político que falhou na perceção do jogo político. No impasse pós-eleitoral, Passos chegou a enviar uma carta a António Costa propondo-lhe um Bloco Central (que antes sempre criticara), com a certeza de que uma “geringonça” traria “ingovernabilidade” ao ser construída com forças políticas anti-euro;
  • … Assim como falhou a leitura de que o novo ciclo económico e a mudança política na Europa poderiam ser suficientes para o diabo não aparecer durante toda esta legislatura;
  • Last, but not the least, o Passos que durante quatro anos mostrou a dura frieza de fazer tudo por um objetivo, acabou por ser, nos dois anos seguintes, o líder a quem se colou uma imagem de ressentimento – presa à imagem de uma bandeira na lapela.

Nove meses não foram, claro, tempo suficiente para apagar as piores memórias. Até porque o ciclo político que o levou a sair não acabou aqui – e não é previsível que acabe depois das legislativas.

Problema 2 (o PSD)

Estes nove meses pós-Passos provam que o maior problema do partido não está num nome próprio: não é Pedro, como não é Rui. É a surpreendente estabilidade desta geringonça.

Mas, se o maior problema não se chama Rui, a verdade é que ele também não ajuda.

  • Rui Rio é um líder desconfiado até dos membros da sua direção (um retrato aterrador que nos foi contado pelo Expresso no último fim de semana); é um líder distante dos militantes (só agora começou a correr as distritais), é um líder que não corre o país, para o ver e sentir.
  • Rui Rio é um líder orgulhosamente sem programa: as suas escassas linhas programáticas chegam devagarinho, são mostradas apenas como um ponto de partida – e nem são discutidas com a direção; há ideias que tem, mas que só discute com os outros partidos, escondendo-as dos portugueses; e junta a isto a convicção de que as ideias não ganham eleições (como já disse à TSF).
  • Rui Rio, porém, é um líder com uma estratégia: a da aproximação ao PS. Só que ela é divisiva no PSD. Se não é por acaso que não o ouvimos criticar António Costa, Rio também não pode estranhar que, dentro do partido, o critiquem a ele.

A conclusão?

É que, se há boas razões para o PSD tremer com a condução da liderança, parece cedo, demasiado cedo, para os críticos abrirem uma crise (alguém quer entrar por uma porta aberta por André Ventura?). E cedo demais, sobretudo, para abrir a porta a Passos Coelho, tendo em conta que o ciclo político que se abriu em 2015 está longe de ser fechado.

Imagine o que seria.

O regresso de Passos podia ser a sorte grande para Costa, que tem em Rui Rio um parceiro disponível para governar em minoria. Sem Rio e com Passos de volta, Costa ficaria melhor do que em Dezembro de 2015: com resultados na manga; com um trunfo para encostar as esquerdas a uma repetição da geringonça; ou com um adversário apetecível para se deixar levar eleições antecipadas – e, vitimizando-se, ficar mais perto de uma maioria.

Nesse cenário, de um novo duelo Passos/Costa, continuaria a faltar a Passos (e ao PSD) aquilo que é mais importante e que há muito tempo não se vê à direita: um projeto que não passe apenas por manter as contas apertadas e tirar o diabo do caminho. Convenhamos que é mais fácil construir isso fora do palco do que dentro dele; e mais fácil encontrar um projeto mobilizador sem o aperto de cinto do que na conjuntura que (ainda) vamos ter.

Até este ciclo político se fechar, um regresso de Passos seria inevitavelmente visto como “mais do mesmo”. Ou, na versão musical, “vira o disco e toca o mesmo”. A menos que o diabo entretanto bata à porta, parece difícil perceber como é que a música poderia tocar diferente.

Por tudo isto, era melhor o PSD dar um tempo a Rui Rio. E melhor Passos dar um tempo ao PSD – e a si próprio. A direita pode ainda precisar dele, mas com a cabeça mais arrumada e sem a bandeira na lapela.

Daí o meu conselho a Passos: não volte (tão cedo). Por estas razões pragmáticas, mas também porque não lhe quero mal: quem passa o que ele passou, se voltar, merece melhor do que aquilo que já teve. O diabo não tem que ser o seu único destino.

P.S. Tanto quanto sei, Passos está a dar aulas e contente com o seu novo desafio.

P.S.2 Tanto quanto percebo, Cavaco Silva vai dar-lhe mais um empurrão, com o seu novo livro de memórias, dedicado aos tempos da troika. Para Passos será tentador. Para os líderes, muitas vezes o segredo está em resistir à tentação (como ele sabe).

Notas soltas da semana

  • Tancos será um julgamento sobre o regime. Porque levará o ministro da Defesa a tribunal, porque deixa uma dúvida que não pode ficar sobre ele, sobre o primeiro-ministro e até sobre Marcelo. Neste caso não pode ficar dúvida alguma em aberto, como escrevi aqui.
  • Sr PM, podemos voltar à 1ª opção? Em maio, numa entrevista ao DN, o primeiro-ministro disse ser mais importante contratar funcionários públicos do que aumentar os vencimentos dos atuais funcionários. Agora lançou negociações sobre um aumento de salários. Pena que estejamos no último orçamento antes das legislativas, porque um dos maiores problemas do país depois da crise desta década é a falta de qualificações no Estado.
  • O novo aeroporto está a arrancar mal. Não conhecemos o estudo de impacto ambiental e parece que já há acordo. Não sabemos do paradeiro do prometido Conselho Superior de Obras Públicas, que devia dar luz verde aos maiores investimentos. E não há lei para exigir os dois terços de votos que Costa tanto prometeu. Não quero acreditar que tudo isso só chegue depois de haver pista.
  • Dois deputados deixam o alerta: Paula Teixeira da Cruz confessou que os seus anos no Parlamento foram os piores da sua vida; Paulo Trigo Pereira anotou que se “trabalha pouco” no Parlamento. Se visto de dentro é assim…
  • Uma vez mais, concordo com o Paulo Ferreira: como é que um Estado que nos cobra impostos se prepara para fazer uma amnistia de seis anos aos partidos, por falta de meios atribuídos à Entidade das Contas? No Orçamento, o mínimo é estarem lá os milhões devidos (que são tão poucos, comparando com tudo o resto). Não estarem será indesculpável.
  • Por uma vez concordo com o João Miguel Tavares. Que, pelo seu lado, por uma vez concorda com José Sócrates: ainda bem que vai ser Ivo Rosa a decidir sobre o caso Sócrates. Como em qualquer caso judicial, ou o MP convence todos ou não há justiça numa condenação.
  • O #metoo foi-nos atirado à cara. A acusação a Ronaldo é gravíssima, a mera existência de um acordo extra-judicial cobre-nos de vergonha. Nos princípios não pode haver um “mas”.
  • Mas há um português que nos orgulha: Carlos Tavares, líder do grupo que controla a Peugeot, Citroen e Opel, avisou Theresa May e Michel Barnier que “um não acordo não é aceitável” e terá enormes consequências. Faltam só seis meses para o deadline.
  • A Amazon fez o inimaginável: aumentou o salário mínimo. A pressão política (de Bernie Sanders) deu um empurrão, mas a taxa de desemprego baixíssima e a necessidade de contratar 100 mil trabalhadores temporários para o Natal falaram muito mais alto. Viva o mercado livre.

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