Um primeiro passo para a Reforma do Estado

  • Pedro Duarte
  • 30 Julho 2019

Um Ministério horizontal, gerindo competências comuns da administração pública central, poderia ser a ignição para uma mudança cultural ou para uma melhor gestão de dinheiros públicos.

Numa iniciativa meritória, o líder da oposição apresentou recentemente o cenário macroeconómico em que baseia o seu plano de redução da carga fiscal e de aumento do investimento e da despesa pública. Esta fórmula aparentemente mágica assenta, segundo o próprio, num determinado e desejado crescimento económico. Passou, contudo, relativamente despercebida, uma outra afirmação de Rui Rio sobre a necessidade de uma “boa gestão” dos recursos públicos, que permita ao Estado atingir ganhos de eficiência. Ou seja, conseguir-se melhores serviços públicos, gastando menos recursos.

Esta medida assenta em pressupostos mais estruturais e mais controláveis, ao contrário de medidas baseadas quase exclusivamente em previsões otimistas de crescimento económico, algo que depende de tantos fatores exógenos e de um contexto que é reconhecidamente incerto. De resto, se olharmos para a tendência de estagnação desde que aderimos à moeda única ou para as mais recentes previsões de entidades externas e internas, percebemos que apostar apenas em medidas que operem em cenários de crescimento económico, ignorando (os mais prováveis) contextos inversos, não passará de um exercício de “wishfull thinking” que conduzirá inevitavelmente a mais uns quantos anos de políticas públicas fracassadas.

Já uma verdadeira mudança no modelo de gestão e de governance do setor público poderá ter um efeito de alavanca na resposta que o Estado dá na sua missão de servir os cidadãos. E poderá trazer ganhos de eficiência evidentes, quer seja para uma mais adequada alocação de recursos, quer seja para libertar ativos que deveriam ser direcionados para a economia real e para aliviar a carga fiscal de cidadãos e empresas.

A este respeito, no âmbito da plataforma cívica Manifesto X, apresentámos uma medida que visa ter este efeito positivamente disruptivo, potenciando um conjunto de outras medidas necessárias.

Referimo-nos a uma alteração da orgânica governamental e de todo o conceito organizacional que acriticamente tem vigorado no setor público. O Estado deveria adotar, seguindo práticas de gestão que comprovadamente têm conduzido a melhores resultados em outras organizações, um novo modelo. Desde logo, criando-se uma orgânica fixa e mais simples, que atravesse mandatos, e que faça conviver Ministérios “verticais” (organizados com base em critérios setoriais, como a saúde, educação, etc.) com um ou mais ministérios de cariz horizontal, aos quais caberia a governação das áreas transversais a todo o Governo, tais como os Recursos Humanos, o IT, a Contratação Pública, o Património ou as Finanças.

Mas vamos concretizar. Atualmente, um Ministro da Educação passa a esmagadora maioria do seu tempo e recursos a tratar da carreira dos professores ao invés de se dedicar a melhorar a qualidade do ensino nacional e a pensar nos alunos. Já um Ministro da Saúde dedica a maioria do seu mandato a lidar com os problemas laborais dos profissionais desta área e não tanto com o Serviço Nacional de Saúde ou o aumento da qualidade da prestação de cuidados de saúde aos respetivos utentes. E este raciocínio pode ser aplicado à gestão de património, à contratação de serviços de informática e à gestão de múltiplas tarefas que pouco ou nada têm que ver com aquele que deve ser o centro das atenções de cada um destes ministérios temáticos. Ora, a medida visa não só permitir que os Ministérios verticais se foquem novamente na sua missão, como aproveitar as sinergias e escalas do Estado para potenciar e melhorar as suas necessidades comuns.

Um Ministério horizontal, gerindo competências comuns da administração pública central, poderia ser a ignição para uma mudança cultural (ou, no mínimo, governamental) para uma melhor gestão de dinheiros públicos e de serviço público. O Estado não deve servir para se alimentar a si próprio, engordando até rebentar, mas antes ser forte e interventivo, na medida em que tal serve os cidadãos e gastando, para tal, somente os recursos que lhe são concedidos pelos contribuintes da forma mais responsável e eficiente possível.

Mais do que a qualquer entidade privada, deve exigir-se ao Estado as melhores e mais eficientes práticas de gestão. Precisamente porque está a gerir o nosso dinheiro. O dinheiro que é de todos!

  • Pedro Duarte

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