Editorial

Uma mini-remodelação e o desgoverno

Ao fim de oito meses de Governo, António Costa faz mais mudanças, uma evidência de puro desgoverno. São muitas mudanças para tão pouco tempo.

Assim, de uma assentada, dias depois da aprovação do orçamento do Estado e no dia seguinte a um jogo de Portugal no mundial que garantiu a passagem aos oitavos-de-final, o primeiro-ministro faz uma mini-remodelação governamental, poucas mudanças, mas em lugares-chave, isto é, no seu próprio ‘gabinete’ e nos ministérios das Finanças e da Economia, mudanças com razões próprias, mas que demonstram a incapacidade política do Governo nestes oito meses de legislatura. Em oito meses, sete saídas ou a história do desgoverno.

Em pleno discussão orçamental, ressaltou uma crise por causa da proposta do ministro da Economia, António Costa Silva para a descida do IRC. Fernando Medina respondeu de forma severa, e crítica, mas as reações mais surpreendentes vieram mesmo de dentro do seu ministério. Rita Marques veio fazer um comentário público, no Facebook, de apoio a um outro comentário do ex-ministro Siza Vieira contra esta proposta, e João Neves afirmou em entrevista ao ECO que a descida do IRC não serviria para resolver um problema de curto prazo. Os dois governantes estavam necessariamente a prazo, ou seria o ministro a ter de sair. O ministro da Economia é um dos elos fracos deste Governo, mas desta vez impôs a sua vontade, até porque tem uma condição que lhe permite falar mais alto: É independente, e não é apenas do ponto de vista político, é mesmo financeiramente independente, não precisa deste cargo para nada a não ser a sua própria vontade em estar na gestão da coisa pública.

As mudanças no Ministério das Finanças têm outro enquadramento, mas também não deixam de ser relevantes, pelos erros que demonstram da parte do titular da pasta, Fernando Medina. No anterior Governo, as pastas do Tesouro e das Finanças estavam divididas por dois secretários de Estado, e bem, tendo em conta a dimensão da empreitada. Medina — dando seguimento à narrativa de um governo mais pequeno — fundiu as duas pastas, João Nuno Mendes passou a acumular as Finanças ao Tesouro e o mínimo que se pode dizer é que não correu bem. Ao fim de oito meses, o ministro das Finanças volta a dividir o que ele próprio uniu há poucos meses.

Curiosa, e inédita, foi a fórmula encontrada para comunicar oficialmente as mudanças, a dois tempos no espaço de cerca de uma hora, com direito a dois comunicados no sie da Presidência da República. E lança a suspeita de que houve convites à ultima da hora, provavelmente à nova secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis (o novo responsável do Fisco já está dentro do ministério), que veio da NAV. E antes tinha estado na administração da TAP, indicada pelo grupo Barraqueiro de Humberto Pedrosa quando era acionista, e nesse momento, por coincidência (ou talvez não), trabalhou com Stéphani Sá Silva, então diretora jurídica da companhia aérea e mulher de Fernando Medina.

No meio destas mudanças, a politicamente mais relevante fica para o fim. António Costa falhou de forma quase irresponsável na escolha de Miguel Alves — a história ainda não está toda contada — para secretário de Estado-Adjunto. O antigo presidente de Caminha saiu acusado pelo Ministério Público na operação Teia e ainda não é claro o que aconteceu com o financiamento camarário de 300 mil euros a um pseudo-empresário que lida muito mal com a verdade, por isso António Costa tinha agora apenas um tiro para dar e não poderia arriscar nem falhar. Escolheu António Mendonça Mendes para fazer a coordenação política do Governo, coisa que manifestamente está a falhar neste Governo (admitindo que há estratégia para coordenar, o que também é coisa que não se vê).

Mendonça Mendes é uma carta segura, está há mais de quatro anos no Governo, é discreto, tem capacidade de diálogo e de gerar consensos, foi um competente secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, reconhecido por adversários políticos, e é além disso um homem do aparelho socialista. É presidente da Federação do PS em Setúbal, portanto, acumula competência, experiência e autoridade política, tudo critérios necessários na função.

Tudo certo? Nem por isso. António Mendonça Mendes é irmão de Ana Catarina Mendes, a ministra dos Assuntos Parlamentares, ou seja, serão os dois irmãos a conduzir a coordenação política do Governo, e isto, pode dizer-se, é mesmo um caso de ‘family gate’. Aliás, será interessante ver as explicações do primeiro-ministro sobre esta escolha quando ainda não há muito tempo mudou Vieira da Silva e Ana Paula Vitorino com o argumento de que o Governo não poderia ter ministros com relações familiares sentados à mesa do conselho de ministros. Agora, voltará a ter Mendonça Mendes e Ana Catarina Mendes, porque a relevância do secretário de Estado é tal que também tem lugar nas reuniões semanais dos ministros. É só mais uma contradição do primeiro-ministro, mas quem é que estará a contar? E quando for necessário fazer uma avaliação política entre irmãos, o que será levado em conta, a família ou o país?

O Governo estará politicamente mais forte? Vai ser necessário tempo para avliar. Desta mini-remodelação, determinada no calendário pela escolha do novo secretário de Estado-adjunto, que se soma por exemplo à forma intempestiva como saiu Marta Temido, fica a evidência do desgaste deste Governo e da dificuldade de António Costa em recuperar a iniciativa política. Cada novo membro do Governo é aliás mais uma evidência do circuito fechado em que Costa está metido. Foi Manuel Pizarro na Saúde, tinha sido Miguel Alves e é agora Mendonça Mendes, o partido dentro do Governo e a incapacidade de atrair novos rostos, mesmo com maioria absoluta e quatro anos de governação pela frente. Diz-nos alguma coisa sobre o que nos espera.

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