Editorial

Uma reforma do Estado que não deve ser anunciada como tal

A relevância da mudança dos ministérios para o Campus XXI não está na poupança de 20 milhões de euros. Está em melhores políticas públicas.

Alguém ainda se lembra da famosa reforma do Estado anunciada por Paulo Portas, um guião com 112 páginas, uma letra com fonte generosa, muitas proclamações, com quatro grandes prioridades e, acima destas, uma resposta às exigências da Troika. Foi em outubro de 2013, num dos períodos mais difíceis do Governo de Passos Coelho, uma coligação em permanente tensão e que deixou marcas (que o próprio já expôs publicamente em entrevista a Maria João Avillez).

Daquele tempo, daquele guião, desequilibrado, com medidas de curto prazo ao lado de mudanças a exigirem duas legislaturas, anunciado como reforma e que nunca saiu do papel, sobraram boas propostas e uma ideia que, implicitamente, é recuperada agora por António Leitão Amaro, o ministro da Presidência que se afirma, cada vez mais, como o número dois, de facto, de Luís Montenegro. As reformas não são, não devem ser, uma espécie de ‘big-bang’, de rutura. São medidas que têm de mudar o universo a que se destinam, claro, mas devem ser sobretudo medidas coerentes, estruturadas, efetivamente exequíveis, e que produzam resultados.

Quem reler o guião da reforma do Estado de Paulo Portas, encontra referências a medidas que são agora, finalmente, tomadas. A fusão de secretarias gerais, por exemplo. “Há poucos argumentos que possam justificar a existência obrigatória de 12 secretarias-gerais dos ministérios, quando algumas das suas atribuições são absolutamente comuns”, dizia o vice-primeiro-ministro. E também por lá aparecia a reorganização da hierarquia judicial. Portas apelava a consensos para reformar num contexto “elevadíssimo de crispação política que existe em Portugal”… e mal sabia o que estava para vir, aqui e no contexto global.

Leitão Amaro anunciou, também, uma reforma do Estado. As medidas apresentadas são mais importantes do que o ‘slogan’ e o país está cansado de ver anunciadas reformas, por isso talvez fosse útil mudar a narrativa. Isso não diminuiria a importância das mudanças que começam precisamente hoje com a transferência de seis ministérios e de duas secretarias de Estado para o Campus XXI, a sede da CGD, notícia em primeira mão do ECO.

Entre as medidas que receberam “luz verde”, está o reforço da capacidade de planeamento e avaliação das políticas públicas, e a fusão de serviços comuns. Outro dos pilares desta reforma é a concentração dos serviços comuns do topo do Estado. “Das 11 secretarias-gerais, fundimos oito numa única, a secretaria-geral do Governo. Três substituem”, sinalizou o ministro. Por outro lado, o PlanApp passa a assumir o “chapéu coordenador de toda a competência”. “Os gabinetes de estudo serão preservados na sua capacidade de trabalho, mas serão coordenados numa rede sob a orientação do PlanApp”, explicou Leitão Amaro.

Este plano – que pode ler na íntegra aqui – permitirá uma poupança de cerca de 20 milhões de euros por ano, sendo essencial para que o país possa pedir a Bruxelas o quinto cheque do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). No total, reduz-se em 25% os cargos de dirigentes, passando de 315 para 236, o que implica uma quebra de quatro milhões de euros nos gastos com vencimento. Além disso, são libertados 27 edifícios, que serão colocados ao serviço de outras finalidades.

Portanto, a importância destas medidas não se mede por estes números, só o imposto de selo que vai pagar o feliz contemplado com o Euromilhões rende mais ao Estado. O que é relevante é mesmo a eficiência, competência e capacidade de governação que passa a haver, condição necessária mas não suficiente para melhores políticas públicas. Isto é uma reforma, não precisa de ser anunciada como tal.

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