Verdes apocalípticos

Ninguém é inocente. Sobram acusações onde faltam respostas. O aquecimento global não se resolve com indignações e superioridade moral.

Ovos verdes. Vidros vermelhos. Megafone místico. Para os activistas a política ambiental é uma causa pessoal e global. Qualquer coisa entre a “minha rua “e a “nossa Lua”. A ideia lírica de que basta encontrar culpados. A convicção ingénua de que o futuro verde ideal exige a decapitação dos magnatas do petróleo e dos barões do carvão. O verde puro apoia-se na matéria negra. O verde puro é a lápide da era industrial. O verde puro é o fim da economia moderna.

Os activistas que colam as mãos à Mona Lisa com resinas derivadas do petróleo estão a contribuir para o aquecimento global. Os activistas que usam smartphones estão a contribuir para o aquecimento global. Os activistas que usam transportes públicos estão a contribuir para o aquecimento global. Os activistas não vivem no país vegetal que liberta oxigénio em “quantidades megalíticas naturais”. Os activistas respiram, estão integrados na sociedade de consumo e gritam no centro do colapso como se tivessem nascido de geração espontânea e vivido no paraíso perdido com vista para os dinossauros. Não. Ninguém é inocente. Sobram acusações onde faltam respostas. O aquecimento global não se resolve com indignações e superioridade moral.

O Secretário-Geral das Nações Unidas fala em “colapso climático”. Mas o colapso é uma responsabilidade global de uma Humanidade Comum. Uma responsabilidade colectiva acumulada no tempo, associada a um modo de vida, suportada pelo modelo de desenvolvimento da sociedade comercial. O que se exige é uma reinvenção das fontes energéticas e da tecnologia que suporta a fábrica do progresso e do bem-estar. Entretanto, reduzir as emissões de carbono para a atmosfera é uma dose de fentanil ao serviço da Humanidade.

Os activistas da causa ambiental são os hobbits do pensamento mágico. Os activistas pretendem condenar o período Carbonífero? No período Carbonífero a atmosfera da Terra tinha cerca de 35% de oxigénio em comparação com os 21% da época contemporânea. A Terra era o palco de animais ciclópicos e de florestas gigantescas como Torres de Babel em direcção ao céu. Imaginem o Carbonífero como um período em que as plantas fixaram durante 60 milhões de anos uma quantidade incomensurável de carbono. A morte das plantas levou o carbono para as profundezas do planeta. Nas profundezas do planeta, com o tempo, com a pressão, o carbono transformou-se em carvão e petróleo. Afinal a matéria negra é um produto da decomposição da matéria verde. O mundo é infinitamente mais complexo do que um slogan político.

Os activistas respiram, estão integrados na sociedade de consumo e gritam no centro do colapso como se tivessem nascido de geração espontânea e vivido no paraíso perdido com vista para os dinossauros. Não. Ninguém é inocente. Sobram acusações onde faltam respostas. O aquecimento global não se resolve com indignações e superioridade moral.

A Revolução Industrial inverte o processo natural. Nos últimos 200 anos a engenharia humana mudou o mundo. E mudou o mundo ao devolver o carbono à atmosfera na forma de dióxido de carbono produzido pela máquina da engenharia humana e pelos mecanismos da combustão. A resultante é um efeito de estufa que ameaça cada movimento da Humanidade – no presente e ainda mais no futuro. A existirem culpados, somos todos nós sem excepção, inocente leitor, hipócrita leitor, meu irmão, meu semelhante.

Recordo uma leitura ao acaso em que se interpretava a frase de Marx e Engels no Manifesto Comunista – “Tudo o que é sólido se derrete no ar” – como uma referência, não apenas à transformação social e tecnológica associada ao capitalismo, mas sobretudo como uma referência ao “mecanismo burguês” de produção de riqueza baseado na devolução do carbono à atmosfera comum em nome do lucro de uma minoria. Nesta lógica política, o efeito tóxico do capitalismo chama-se aquecimento global.

Recordo ainda um livro absolutamente “brutal”, publicado em 1931 e com título em inglês New Russia’s Primer: The Story of the Five-Year Plan. Numa ode à industrialização soviética existe uma secção intitulada “We Will Force the Dead to Work”, na qual se destaca a seguinte passagem: “The remains of the swamp grass, the ferns, the horsetails rotted under layers of sand and clay, became black, and turned into coal. And to this cemetery we intend to go, drag the dead from their tombs, and force them to work for us”.

Há qualquer coisa de “ficção zombie” nesta exaltação da industrialização soviética. A máquina do capitalismo e a máquina do socialismo unidas na competição pelo carbono, fonte de energia, origem da riqueza, modo de transformação do mundo. Esta passagem remete-nos para o inferno ambiental herdado da experiência socialista real. Aqui está a fundamentação ideológica e tecnológica da voragem pelos recursos naturais. A mesma voragem que se observa actualmente na China – o carbono é a base natural que está origem da dominação política e económica. O efeito secundário liberta-se para a atmosfera e ameaça toda a Humanidade. Imagine-se um mundo rico e poderoso. Imagine-se o apocalipse climático com zonas inabitáveis. O deserto humano no meio da abundância desumana.

Os activistas ambientais são a face ignorante da inocência ingénua. O mundo não muda com “Três anos de Escorpião em Touro” nem com o “Magalhães, o menino que tinha duas mães” nem com a “Beatriz, a activista feliz”.

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