Vistos “Gold” e residentes não habituais: Matar a galinha dos ovos de ouro

Os vistos “Gold” e a baixa tributação de residentes não habituais estiveram entre as melhores decisões de política pública na área económica tomadas nos últimos 25 anos.

A proibição de vistos “Gold” em Lisboa e Porto depois da imposição de IRS aos rendimentos de pensões obtidos no estrangeiro reduzem a competitividade fiscal da nossa sociedade e vão contra o desenvolvimento do país, resultando apenas na destruição da riqueza dos portugueses.

A Autorização de Residência para Investimento (vulgo vistos “Gold”), e o seu complemento, o regime de tributação de residentes não habituais, responderam a três problemas estruturais da sociedade portuguesa: falta de dinheiro para investir, casas e edifícios urbanos degradados e população em diminuição. Para além disso, ajudaram a recuperar o sector da construção, o que mais sofreu com a bancarrota do Estado português.

Apesar do bom exemplo que estes instrumentos constituem, o Governo parece estar empenhado em destruí-los. Porquê?

Atrair investimento

Em 2011, os portugueses estavam numa situação aflitiva. O país estava falido e muitas famílias e empresas também faliram. O problema foi o excessivo endividamento a que sucessivos governos levaram o estado enquanto incentivavam também as famílias a endividarem-se porque era “bom para o crescimento económico”.

Uma situação em que não há dinheiro para investir e há um excesso de dívida para pagar, que absorve todos os fundos disponíveis, requer muita imaginação e um grande esforço para que se consiga por algo a funcionar. Quem, nas suas vidas pessoais, já passou por isto sabe bem o que estou a dizer.

Na altura, aliás como agora, a única opção era conseguir trazer dinheiro do exterior. Isso foi conseguido de várias formas, mas aqueles dois instrumentos foram os que conseguiram resultados mais abrangentes.

Em 8 anos, desde Outubro de 2012, o investimento realizado em Portugal ao abrigo dos vistos “Gold” totalizou 5,5 mil milhões de euros, divididos por 9.200 operações (o valor dos investimentos realizados por residentes não habituais não é conhecido mas será muito superior dado o seu maior número). Onde é que foi realizado este investimento? Na sua quase totalidade em edifícios e casas (8.654, dos quais 7.923 – 92% – foram em aquisição e 731 em reabilitação).

Reabilitar habitações

E aqui entra o segundo problema estrutural. Há 60 anos, com Salazar no poder, não havia inflação, Portugal estava numa guerra ultramarina e a economia crescia a grande velocidade. A base conservadora do Governo considerou que os preços se iriam manter e não alterou o essencial do congelamento das rendas que vinha da primeira república nem a duração ilimitada dos contratos de arrendamento.

Em consequência, décadas de degradação dos edifícios e a ausência de uma política urbanística levaram ao desfiguramento das cidades portuguesas e ao “apodrecimento” das casas onde as populações urbanas viviam. A culpa é de Salazar, dizem ainda hoje alguns. Mas Salazar morreu há 50 anos. Após o 25 de Abril, não houve coragem para alterar o regime pois isso não iria condizer com anos de discurso demagógico sobre o direito à habitação e a responsabilidade de Salazar pela falta de casas condignas.

Na realidade foram décadas de incompetência do poder político que pouco fez para alterar a situação. Este foi, sem sombra de dúvida, um dos maiores falhanços do Portugal democrático, talvez apenas ultrapassado pelas três bancarrotas com que os governantes nos “brindaram”.

Os vistos “Gold” e a baixa tributação de residentes não habituais, conjugado com o crescimento do turismo, a revisão da “Lei das Rendas” em 2012, com a liberalização da duração dos contratos, e um novo regime de alojamento local favorável ao investimento permitiram a renovação do centro das cidades quando Portugal estava nas “lonas”.

Zonas como a Baixa pombalina ou o Chiado, em Lisboa, ou o centro de outras cidades como Porto, Coimbra, Braga ou Faro, beneficiaram da eliminação de constrangimentos legais à liberdade de iniciativa e o espírito empreendedor “lavou-lhes a cara” graças a estes e outros investimentos realizados na mesma altura.

Os mesmos “velhos do Restelo” que ainda culpam Salazar pela incompetência do poder democrático apontam a subida dos preços e a descaracterização de alguns bairros como o resultado do investimento realizado no “embelezamento das cidades”. Mas são críticas hipócritas, pois vêm de muitos dos que sempre tentaram impedir alterações à “Lei das Rendas” e que sempre olharam com desconfiança para os mecanismos de mercado.

Os críticos não referem que os preços só agora estão a aumentar precisamente porque as décadas de inacção que defenderam levaram à degradação dos imóveis, limitando a sua subida. Acabada a inacção e recuperados os edifícios, os preços iniciaram a recuperação de décadas pedidas.

Os críticos também não referem que a ausência de vivência comunitária em alguns bairros, que é um problema real, foi também criada pela degradação dos edifícios, que levaram os filhos dos residentes a deixar o centro e a mudar para melhores casas na periferia das cidades. Mais uma vez, os que promoveram a incompetência a inacção são os primeiros a apontar o dedo contra qualquer solução.

Este novo investimento teve um duplo efeito benéfico. Para além de ajudar Portugal a eliminar sinais de ”terceiro-mundismo” que ainda há pouco tempo caracterizavam os centros das nossas cidades, reforçou a poupança de longo prazo na economia portuguesa, o que contribui para o aumento do stock de capital e das possibilidades de investimento futuras.

Atrair população

Os instrumentos tiveram uma terceira consequência, pouco reconhecida, que foi a população que veio viver para Portugal. Neste caso, também o regime de residente não habitual (que, ao contrário dos vistos “Gold” também abrange nacionais de países do Espaço Económico Europeu) teve um efeito assinalável.

Entre 2011, quando começou a narrativa da emigração da população portuguesa mais qualificada, e 2020 a população estrangeira residente em Portugal aumentou 35% (154 mil), sendo que 62,5% desse aumento se verificou em Lisboa, Porto e Algarve. Os novos residentes são 34% europeus (especialmente britânicos e franceses), 26% brasileiros e 25% asiáticos como indianos ou chineses.

Não foram os primeiros a vir, sempre houve uma grande comunidade inglesa em Portugal, dividida pelo Porto e Norte, Lisboa, Cascais e Sintra, e Algarve, para além dos oriundos dos PALOP e de outros países. São pessoas que se integraram no nosso “modus vivendi”, respeitando e cumprindo a lei, contribuindo para o bem comum através da gestão cuidada das suas casas ou da recuperação de imóveis degradados, e trazendo novos hábitos culturais e de vivência.

Mais do que isso, e ao contrário do que é habitualmente referido, são residentes que pagam muitos impostos em Portugal através do consumo e do seu trabalho, quando é o caso, não vivendo de subsídios pagos pelo estado português. Quem fala de benefícios fiscais injustos na atracção destas populações esquece que dois terços dos impostos que os residentes em Portugal pagam têm origem no consumo de bens e serviços.

Os novos residentes estão a evitar que a população portuguesa ainda diminua mais. Mesmo com o seu crescimento, a população total residente em Portugal diminuiu em 246 mil pessoas, ou 2,3% e as previsões a longo prazo apontam para a redução em 30% para 7 milhões de habitantes, o que vai ainda agravar mais o desequilíbrio da segurança social e as despesas no sector da saúde.

Não matar a galinha dos ovos de ouro

Mas o efeito conjugado dos novos residentes e dos vistos “Gold” no investimento e na recuperação de casas degradadas e do sector da construção foi muito significativo. Entre 2011 e 2019, terá havido lugar à aquisição de cerca de 60 mil habitações divididas entre construção nova, casas já existentes e habitações reabilitadas (assumindo que os 153 mil novos residentes se dividem em famílias com uma dimensão média de três elementos).

Note-se que no mesmo período apenas foram concluídos 86 mil novos fogos para habitação. O INE não dá informação sobre a reabilitação de casas para todos estes anos mas os números para 2017 e 2018 mostram que representou 24% do total dos fogos concluídos naqueles anos, um valor apreciável quando a construção de habitações já demonstrava um grande dinamismo. Se aceitarmos este valor como válido, estimamos que foram reabilitadas 14 mil casas entre 2011 e 2019, com grande incidência nos centros das cidades e com valores relativos muito significativos em Lisboa e no Porto.

Por aqui se pode ver que os vistos “Gold” e a baixa tributação de residentes não habituais estiveram entre as melhores decisões de política pública na área económica tomadas nos últimos 25 anos. Então porque é que o Governo quer acabar com os vistos Gold em Lisboa e no Porto e começou a desmantelar o regime de tributação de residentes não habituais?

O Governo diz que está a respeitar um acordo que fez com a esquerda radical, ou seja, admite que mete os interesses radicais à frente do interesse dos portugueses. Em termos práticos, estas decisões vão contra o desenvolvimento de Portugal e resultam apenas na destruição da riqueza dos portugueses. Para se manter no poder, o governo prefere promover a pobreza e satisfazer radicais em vez de promover a riqueza e satisfazer os portugueses.

A opção do Governo deveria ser sempre conservar as políticas que funcionam e implementar outras que também possam funcionar bem. E não há falta de coisas úteis que o Governo pode fazer e que ajudariam a prevenir nova degradação dos centros das cidades: Retirar impedimentos ao funcionamento do mercado de arrendamento de longa duração; simplificar a regulamentação e estabilizar a legislação fiscal; vender ou concessionar a privados o património do Estado que está ao abandono; ou promover a simplificação e o encurtamento dos prazos dos processos judiciais associados ao arrendamento.

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