Voando sobre um ninho de cucos nas empresas

Ou as empresas deixam de fingir e passam a preocupar-se estrategicamente com a saúde mental dos seus colaboradores, ou acontece-lhes como a Randal McMurphy e morrem no final do filme.

Os números cada vez mais alarmantes da saúde mental no trabalho, ou melhor da falta dela, a par da tímida reação ou mesmo inação das organizações, fazem-me pensar se não estamos a “voar sobre um ninho de cucos” nas empresas. Como no desconcertante filme de 1975 de Milos Forman, em que o genial Jack Nicholson interpreta Randal McMurphy, que se faz de louco para ser internando num hospital psiquiátrico, em vez da prisão a que foi condenado, e acaba morto pelo “índio” Chefe Bromden, personagem que se finge surdo e mudo.

E pergunto-me: Face ao impacto que o tema da saúde mental tem nas empresas, não estão estas a fingir-se de surdas e mudas perante este problema? Para a minha reflexão, vou procurar desdobrar em dois planos, neste mês de outubro que assinala o tema:

1) Como é que os problemas de saúde mental impactam a produtividade individual, prejudicam a performance das empresas, a sua reputação e a capacidade a atração e retenção de talento?

A OMS aponta que em 2019, só a depressão e a ansiedade custaram ao mundo 1 bilião €/ano. Por cá, a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) calculou recentemente “os custos do stress e dos problemas de saúde psicológica no trabalho” e são 5.3 mil milhões de euros/ano para as empresas portuguesas (!?), sendo 34% decorrentes do absentismo e 66% do presentismo [i].

O estigma é reconhecido como sendo a maior barreira à implementação de estratégias organizacionais de saúde mental. Num survey de 2021, 70% dos colaboradores apontou que os empregadores “nada fazem, ou não fazem o suficiente” para prevenir e agir sobre o burnout. De fato, ao longo da minha carreira vi vários colaboradores excecionais sofrerem o que então se designava por “esgotamento” e, exposta a sua situação, verem as suas carreiras hipotecadas ou serem “convidados” a prosseguirem outras carreiras “menos exigentes”.

No entanto, um relatório de 2022 sobre o retorno económico do investimento (ROI) em saúde mental estima que por cada 1€ investido em saúde mental, as empresas têm um retorno de 5€. Além deste retorno, é fácil perceber que os colaboradores que são apoiados pela sua empresa, nestas situações delicadas, valorizam-na ainda mais, sentem-se mais comprometidos com os objetivos da empresa, têm maior lealdade (logo menor rotação) e maior produtividade.

Então do que estão à espera as empresas para implementar estratégias de saúde mental e bem-estar?

2) O que podem e devem fazer as empresas para minimizar este problema, que não é só ocupacional, mas cada vez mais endémico na nossa sociedade?

Entendo que existem desafios à definição de estratégias e implementação de programas de saúde mental. Desde logo, o estigma, a principal razão pela qual as empresas se “fingem” surdas e mudas, e que leva à criação de ambientes de trabalho sem sempre muito saudáveis. Depois, os custos associados a estes programas, argumento que já desmontei pelo ROI verificado. E, mais importante, a falta de compromisso das lideranças, que procuram timidamente encaixar a saúde mental no “S” de Social da sigla ESG, mas sem estratégia, com iniciativas esparsas e desarticuladas (p.e. com “X” consultas de apoio psicológico para a Saúde Mental ou de “Y” massagens para o Bem-Estar). Quando esta questão é, claramente, muito mais do que isso… não é um um nice-to-have, mas um must-have!

Antes de nada, os programas de saúde mental nas empresas têm de ter um tone from the top genuíno das Administrações, têm de partir de diagnósticos rigorosos e têm de ir bem mais além do que a reação a um problema que já está instalado: também têm de prevenir o mal-estar e a doença mental, e têm de saber reintegrar os colaboradores, depois de se recuperarem destas situações.

O tema é ainda mais premente se atendermos às novas gerações Z e Y, que estão a inundar o mercado de trabalho e cujos problemas de saúde mental, são cada vez mais precoces e agudos.

Em suma, ou as empresas deixam de fingir e passam a preocupar-se estrategicamente com a saúde mental dos seus colaboradores, ou acontece-lhes como a Randal McMurphy e morrem no final do filme.

[i] Presentismo remete para o ato de comparecer fisicamente no local de trabalho, não se encontrando o colaborador, no entanto, nas condições de saúde, físicas e/ou psicológicas, necessárias ao normal desempenho da sua atividade laboral.

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