
Wokismo e economia: Quando a militância substitui a ciência
A economia tem de voltar a ser ensinada com dados, modelos, confronto de ideias e coragem analítica. Menos doutrina, mais ciência.
A cultura woke tem vindo a infiltrar-se de forma progressiva e persistente no ensino universitário e no debate económico. O que começou como uma agenda identitária importada dos campus norte-americanos, hoje alastra como doutrina dominante em muitas universidades ocidentais, incluindo nas ciências sociais mais quantitativas. A economia, tradicionalmente protegida pela sua exigência empírica e racional, não está imune. Pelo contrário, Está cada vez mais capturada. Esta captura manifesta-se de várias formas: Currículos enviesados, autores selecionados por afinidade ideológica, exclusão de perspetivas divergentes, banalização de conceitos fundamentais como eficiência, produtividade ou racionalidade — agora vistos como opressivos ou “resíduos patriarcais”. A economia deixa de ser o que é — uma ciência social baseada na análise de dados, no estudo de incentivos e na aceitação de trade-offs — para se tornar uma extensão do ativismo político.
Veja-se o que se passa atualmente na Nova Zelândia. Após anos de governação sob Jacinda Ardern, símbolo global da esquerda moralista, o novo executivo liderado por Christopher Luxon iniciou uma reorientação clara da política económica. E não o fez com bandeiras ideológicas conservadoras ou populistas, mas com uma racionalidade económica que já parece quase revolucionária no mundo ocidental.
Medidas como a reversão da proibição à exploração de petróleo e gás natural, a liberalização das leis mineiras e o fim do planeado imposto digital marcam um regresso ao pragmatismo. A proibição de explorar combustíveis fósseis, imposta pelo governo anterior em nome da “virtude climática”, foi abandonada para enfrentar uma crise energética real que ameaçava o setor industrial e os consumidores. A liberalização das minas e a meta de duplicar as exportações minerais respondem a uma lógica económica simples: se há recursos e procura global, faz sentido explorá-los, desde que de forma sustentável. Até a revogação da proibição progressiva do tabaco, que visava erradicar o consumo por geração, obedeceu a um princípio fiscal: preservar receitas que permitem baixar impostos noutras áreas.
Trata-se de uma reabilitação do pensamento económico clássico, onde decisões públicas são tomadas com base em incentivos, impactos orçamentais e efeitos de segunda ordem — e não em apelos morais ou pressão de grupos de interesse. É um exemplo de como se pode desmontar políticas públicas inspiradas por dogmas identitários sem sacrificar a justiça social, mas devolvendo centralidade à razão.
Infelizmente, este tipo de racionalidade tornou-se raro em muitos círculos académicos. Em vez disso, proliferam os “economistas celebridade” que acumulam citações, h-index e presença mediática, mas oferecem pouco rigor científico. Thomas Piketty, Emmanuel Saez, Gabriel Zucman, ou Mariana Mazzucato são os nomes de uma nova ortodoxia.
Aparentemente técnicos, metodologicamente ambíguos, e profundamente comprometidos com uma visão ideológica fixa: o capitalismo é estruturalmente injusto, o Estado é solução universal, e a redistribuição é fim em si mesma. O problema não está nos temas — estudar desigualdade, fiscalidade ou investimento público é absolutamente legítimo e necessário. O problema está na abordagem: parte-se de uma conclusão ideológica — geralmente de esquerda — e depois moldam-se os dados para lá chegar.
A retórica assume a forma de gráficos, a militância esconde-se atrás de tabelas, e o moralismo veste jaleca de cientista. As obras de muitos destes autores não procuram explicar o mundo, mas enunciar uma doutrina. Pouco modelo, pouca teoria, escasso confronto com hipóteses alternativas. A produção académica transforma-se, assim, numa espécie de propaganda com Excel. Piketty, por exemplo, mais estatístico do que economista, construiu a sua notoriedade a partir de compilações históricas de dados fiscais, transformadas em narrativas sedutoras mas conceptualmente frágeis, que servem mais para confirmar convicções políticas do que para testar ideias.
E não surpreende que essa produção floresça, porque está enquadrada por um sistema de avaliação académica que já deixou de premiar o mérito científico. Em vez disso, privilegia métricas artificiais como o número de citações no Google Scholar, o h-index, ou o número de aparições em conferências com a chancela “progressista”. E o problema é mais profundo do que se julga. Um estudo recente de Hazem Ibrahim, Fengyuan Liu, Yasir Zaki e Talal Rahwan — “Google Scholar is Manipulatable” — mostrou de forma cabal que essas métricas podem ser compradas. Literalmente. Numa experiência encoberta, os autores criaram um perfil académico falso e conseguiram adquirir 50 citações em pacote por via de um serviço pago. No total, analisaram 1,6 milhões de perfis e identificaram indícios claros de manipulação sistémica e estratégias deliberadas para inflacionar reputações científicas.
A consequência é uma bolha reputacional académica. Autores tornam-se “importantes” não pela solidez das suas ideias, mas pelo alcance de um sistema de métricas viciado. E as revistas de topo — American Economic Review, Quarterly Journal of Economics, entre outras — não são imunes. Acolhem com frequência papers cuja “contribuição” se resume a reorganizar dados públicos num quadro moralmente apelativo. Pouca explicação, muito ativismo empacotado como ciência. O objetivo deixa de ser compreender o mundo; passa a ser reforçar uma crença ideológica, agora com aprovação institucional. Isso não é ciência. É propaganda validada por peer review.
Ora, quem quer verdadeiramente compreender economia, tem de procurar outras referências. Friedman, Hayek, Buchanan, Barro, Acemoglu, Lucas, Duflo, Deaton — economistas com visões distintas, mas com um compromisso comum com a integridade metodológica e o confronto empírico. Estes nomes não moldam dados a teses: deixam que os dados desafiem as suas hipóteses. O seu trabalho resiste ao tempo precisamente porque não foi escrito para agradar, mas para entender.
A economia é, por definição, uma disciplina desconfortável. Obriga a pensar em escassez, em dilemas, em decisões difíceis e em efeitos de segunda ordem. Confronta-nos com tensões entre liberdade e igualdade, entre crescimento e equidade, entre justiça e eficiência. O wokismo rejeita esse desconforto. Procura soluções simples, políticas limpas, e discursos redentores. Quer proteger sensibilidades em vez de formar espírito crítico. O efeito pedagógico é devastador: aulas transformadas em zonas de conforto ideológico, estudantes encorajados a confirmar crenças e não a testá-las, professores autocensurados por receio de sanção social.
Mesmo em Portugal, onde a infiltração ainda não é sistémica nas escolas de economia, os sinais de contágio são visíveis. E é precisamente por ainda estarmos a tempo que importa reagir. Porque aquilo que hoje parece um modismo inocente, amanhã torna-se estrutura normativa — e a partir daí, o pensamento crítico morre em silêncio.
A missão da universidade não é proteger fragilidades emocionais — é formar cidadãos intelectualmente robustos, exigentes e livres. A economia tem de voltar a ser ensinada com dados, modelos, confronto de ideias e coragem analítica. Menos doutrina, mais ciência. Menos citações compradas, mais mérito genuíno. Menos slogans, mais hipóteses testáveis. E acima de tudo, mais liberdade para pensar. Sobretudo — e inevitavelmente — quando pensar incomoda.
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