Das rolhas responsáveis por um dos sons mais felizes do mundo aos foguetões que foram à Lua e querem ir a Marte. O ECO foi conhecer as muitas caras que a Amorim dá à cortiça e o porquê do seu sucesso.
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O compasso é certeiro. O operário vestido de verde musgo escolhe uma das tiras de cortiça, alinha-a com o pulsar cortante da máquina e em segundos perfura o material, fazendo nascer uma rolha.
Uma, duas, três vezes, faz o homem passar a casca de sobreiro pelo furador mecânico, num movimento ágil que denuncia anos de experiência e um olhar clínico. Quatro, cinco, seis, vai o operário cuja cabeça está coberta por uma fina rede castanha contribuindo para o grande total diário de 25 milhões rolhas.
Por ano, a Corticeira Amorim — empresa portuguesa que lidera a nível mundial este ramo — oferece aos seus clientes 5,4 mil milhões de rolhas… e tudo começa aqui, nas mãos deste operário de verde e nas muitas pinças, engrenagens e algoritmos que, mais ao fundo nesta sala, tentam replicar (sem total sucesso) este processo.
A tecnologia não se tem conseguido desenvolver de forma suficientemente rápida.
Na grande sala de partos, os homens quase se contam pelos dedos. À entrada, três filas de operários dedicam-se a este movimento repetitivo, mas atento. Mais atrás, são os grandes braços mecânicos a fazerem esse trabalho, multiplicando a produção, mas falhando na concretização de rolhas com o mesmo nível de qualidade.
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“Há dez anos, era improvável ter mais do que metade desta sala coberta por máquinas, mas aconteceu. Hoje são talvez dois terços“, conta ao ECO Carlos de Jesus. O diretor de Marketing e Comunicação da Amorim & Irmãos — unidade de negócio da gigante focada nas rolhas — explica que falta aos robôs a flexibilidade da mão humana (nomeadamente, no exercício de evitar as falhas do próprio material) e acrescenta: “A tecnologia não se tem conseguido desenvolver de forma suficientemente rápida”.
Dos gargalos a Marte
Se, na produção de rolhas, a tecnologia ainda é coxa, noutros campos a sua ligação à cortiça é quase umbilical. Esse material oriundo do montado tem, desde os anos 60 do século passado, acabado mesmo no Espaço, de mãos dadas com a evolução humana e com todas as pequenas e grandes revoluções que se têm conseguido na indústria aeroespacial.
“É uma aplicação muito exigente do ponto de vista da qualidade e inovação“, sublinha Carlos de Jesus. Graças ao isolamento térmico, resistência e leveza da cortiça, o nome da Corticeira Amorim surge hoje ao lado de referências tão poderosas como a Agência Espacial Norte-Americana (NASA), a Agência Espacial Europeia (ESA) e até a própria SpaceX de Elon Musk, cuja vontade de colocar o primeiro homem em Marte lhe tem garantido notoriedade e atenção.
A integração de uma camada de cortiça nas aeronaves e foguetões atua como um isolante, que protege o material interior e retarda a degradação térmica do escudo. Esta combinação foi estreada na missão Apollo 11 — que acabou por levar o homem à Lua, pela primeira vez — e desde então tem-se alargado aos mais diversos programas aeroespaciais.
Portanto, depois de ter ajudado a pôr o homem na Lua, a Corticeira Amorim está agora a dar uma mãozinha na tarefa de o colocar em Marte, apostando, no caminho, em muitas outras e tão diversas áreas: dos sapatos às peculiares almofadas amadas pelos coreanos.
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Nada se perde, tudo se transforma
Já afirmava o químico francês Antoine Lavoisier: “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Quase três séculos depois, a Corticeira Amorim orgulha-se porque, todos os dias, cumpre essa lei.
“As sobras da indústria vêm aqui parar. Depois são granuladas e aglomeradas em blocos ou cilindros”, explica ao ECO a responsável pela comunicação da unidade de negócios da portuguesa focada nos compósitos de cortiça.
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Nos vários armazéns onde ocorre a transformação do aparente “lixo” desta gigante em novos produtos, o cheiro inconfundível à casca de sobreiro é permanente. O pó, esse, enche o ar e arranha a pele, nas várias etapas do processo: do moinho de martelos (primeiro passo na cadeia, que serve para uniformizar o material) à laminagem dos blocos e cilindros nos muitos produtos que a Amorim oferece (blocos de ioga, underlays para pavimentos, bases de quentes, memo boards).
Todos estes produtos servem para mostrar que a cortiça não tem de ser old fashion. Trata-se de ganhar notoriedade através de uma perceção que não é imediata.
Pelo caminho, seguem-se outros tantos passos de corte, peneira, densimetria, ensacamento, transformação, cozedura, estabilização e laminagem que comprovam a complexidade dessa reciclagem permanente.
No corredor principal do armazém, os grandes sacos e cilindros de cortiça triturada e reinventada ocupam os passeios, de forma organizada. De um lado, há rolos cuja cor clara não deixa esquecer o seu material de origem. Do outro, a aparência escura dos aglomerados denuncia o casamento da cortiça com outro material: a borracha provinda da indústria automóvel (pneus).
No final das contas, cortiça solteira ou casada, o objetivo desta unidade de negócios da gigante fundada em 1870 é um só: potenciar as propriedades do material e melhorar a performance dos processos a que é adicionado.
Por isso, no showroom da Amorim Cork Composites, os exemplos de aplicações da casca de sobreiro são quase infinitos: das solas dos seus sapatos preferidos (para lhe dar conforto ao andar e melhorar o controlo da transpiração dos pés), às pranchas de Garrett McNamara, passando pelo chão dos novos comboios Alfa Pendular da CP (para isolamento térmico, acústico e vibrático, bem como para conferir leveza ao transporte), por estranhas almofadas que já conquistaram a coração dos coreanos, pelos caiaques da famosa marca Nelo, pelos skates e bicicletas e, por fim, pelo próprio relvado dos campos de futebol onde decorrem os jogos que segue com tanta atenção.
Tudo isto a partir de um único e versátil material: a cortiça. Para ajudar à festa, a Amorim decidiu ainda lançar parcerias com vários designers internacionais e criar artigos surpreendentes que “mostram que a cortiça não tem de ser old fashion”. Segundo Joana Martins, responsável pela Comunicação e Media da gigante, a empresa portuguesa conseguiu com todas estas apostas “notoriedade através de uma perceção que não é imediata”.
A versatilidade deste material está a ser, igualmente, testada através de múltiplos projetos de empreendedorismos apoiados pela Amorim Cork Ventures, uma incubadora de startups que apresenta como único requisito a valorização técnica da cortiça.
A gigante recebe candidaturas — espontâneas e no quadro de alguns programas lançados pela própria companhia — ficando, posteriormente, com 25% das empresas que leva ao mercado, como a Suga, ASPORTUGUESAS e a mais recente iogurteira ecológica, Yogurt Nest.
Somos líderes a mostrar a todo o mundo que o equilíbrio entre a sustentabilidade e a competitividade é difícil, mas é possível.
As mil e uma caras da sustentabilidade
Ainda se lembra do pó que se entranha na sua pele, no armazém de transformação dos compósitos de cortiça? Pois é, nem esse é desperdiçado.
Em cada unidade da gigante, o pó produzido nas diferentes etapas é transformado em energia, baixando-se consideravelmente a fatura desses processos produtivos. Tal não só se traduz em ganhos financeiros para a empresa, como em capacidade competitiva para os seus clientes e sobretudo em independência energética: em média, 60% dessas necessidades acabam assim por ser supridas internamente.
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Na Corticeira Amorim, a sustentabilidade não é, contudo, apenas uma bandeira. Faz parte da sua própria génese, não fosse a cortiça, refere Carlos de Jesus, um material “natural e reciclável”. “Somos líderes a mostrar a todo o mundo que o equilíbrio entre a sustentabilidade e a competitividade é difícil, mas é possível”, sublinha o diretor de Marketing e Comunicação.
Além de baseada num material iminentemente ecológico, orgulhosa da sua economia circular e empenhada na eficiência energética, a Corticeira Amorim imprime o conceito de sustentabilidade num terceiro ponto do negócio: o trabalho.
Numa sala mais pequena adjacente ao espaço onde acontece o primeiro passo de fabrico das rolhas, múltiplas máquinas vão cuspindo rolhas para diferentes recipientes. “Numa fração de segundos, o computador escolhe o valor das rolhas”, enfatiza Carlos.
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Há dez anos, o trabalho feito por estas poucas dezenas de braços mecânicos era conseguido por muitas mãos humanas. “Esta sala estava cheia de operários, hoje há empregos de outros tipos”, explica o representante, indicando a mulher que comanda o robô de seleção.
“Porquê insistir na recuperação das minas de carvão, quando as energias renováveis estão a criar novos empregos e em melhores condições?”, atira a comparação Carlos.
Joana Martins aproveita a deixa para informar que, nos últimos seis anos, a Amorim conseguiu mesmo — apesar de, ou devido à automatização, — fazer crescer exponencialmente o número de colaboradores. Hoje, são mais de quatro mil os trabalhadores sob a asa da portuguesa (1.200 destes longe das terras lusitanas). Isto numa empresa que se orgulha de ter conseguido há muito a paridade salarial entre géneros e o pagamento de remunerações acima do salário mínimo nacional — a extração da casca dos sobreiros é o trabalho agrícola mais bem pago da indústria, garantem.
O segredo é a combinação da arte com a tecnologia, da ciência com a natureza.
É segredo, não conte a ninguém
Líder mundial no mercado da transformação da cortiça e orgulhosa defensora da sustentabilidade, o que explica o sucesso da Corticeira Amorim? “O segredo é a combinação da arte com a tecnologia, da ciência com a natureza”, revela Carlos de Jesus.
A gigante portuguesa fechou o último ano com lucros de 73 milhões de euros, uma redução de 30% face ao ano anterior. A faturação registou, pelo contrário, uma subida de 9,4%, levando a receita para os 701,6 milhões de euros.
Com 25 mil clientes em todo o mundo, e presença em mais de 100 países, a Corticeira Amorim é a companhia de transformação de cortiça mais antiga do mundo. A unidade focada nas rolhas é a que mais relevância assume neste negócio — no último ano, foi a que mais prosperou, crescendo 12,8% para os 477,1 milhões de euros — seguida pela dos revestimentos.
Quanto aos maiores clientes da gigante, a liderança vai para a Europa e para os Estados Unidos da América. De facto, quase 100% (cerca de 95%) das vendas da corticeira acontecem no estrangeiro, com a particularidade de que a maioria dos produtos é distribuída por redes próprias da portuguesa.
Apesar de assumir menor relevância nas contas da empresa, Portugal não deixa de ser importante, “sobretudo numa altura em que as exportações estão a aumentar”. Carlos de Jesus adianta que o boom da hotelaria e da reabilitação urbana são dois fatores que têm levado à afirmação do mercado nacional.
Com todo este sucesso, que mais pode a Corticeira Amorim desejar no futuro? “Aumentar a penetração nos mercados onde já está” e criar “produtos inovadores” para que esse som universalmente feliz — o ‘pop’ da saída da rolha do gargalo — nunca deixe de marcar todas as ocasiões especiais.
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