• Reportagem por:
  • Juliana Nogueira Santos

Espelho meu, há armário mais freak que o meu?

Chama-se Freakloset e reinventa os sapatos clássicos desde 2014, acrescentando-lhes um toque bem 'freak'. Está preparado para entrar neste armário?

Joana Lemos é a fundadora e designer da marca Freakloset.Paula Nunes/ECO

“Espelho meu, espelho meu, há armário mais freak do que o meu?” Podia ter sido a pergunta que a bruxa má colocou ao espelho mágico no conto da Branca de Neve, mas é só o ponto de partida da Freakloset, uma marca de sapatos portuguesa que tem como objetivo principal reinventar os clássicos.

São cinco os modelos, de entre o derby, o loafer, o monk, a bota chelsea e a bota biker, a poderem ser reinventados pelos clientes, através da personalização. Assim, cada um pode escolher as cores da sola, dos atacadores, da característica parte de trás em neoprene e também o tipo de pele.

Alguns modelos da Freakloset, todos com diferentes costumizações.Paula Nunes/ECO

Um armário começa nos sapatos

A ideia surgiu em 2012, nos corredores da ESADE, em Barcelona, onde a fundadora e designer Joana Lemos frequentou o mestrado de Marketing. No final do curso, cada aluno tinha de decidir, conta ao ECO: “Tínhamos a escolha de fazer um plano de negócio ou uma tese normal e eu decidi fazer um plano de negócio.”

Os primeiros esboços apontavam para uma marca que iria reinventar as oito peças indispensáveis no armário de cada um, desde o casaco de corte perfeito até às calças de ganga, mas a variedade de peças fez com que a ideia ficasse só nos esquissos. “O meu mentor na altura aconselhou-me a não trabalhar com várias indústrias ao mesmo tempo, roupa, chapéus, calçado. E a focar-me numa coisa só”, confessa Joana.

A decisão foi tomada com a cabeça mas também com o coração, visto que a família de Joana já tinha passado pela indústria do calçado: “O meu avô contou-me que o pai e o avô dele tinham sido sapateiros, uma coisa de que eu não fazia ideia. A minha família apoiou-me imenso e eu gostava muito do projeto, talvez por esse historial todo de sapateiros. Começámos a pensar que se calhar era uma coisa interessante, fazer a minha própria empresa e avançar com esta ideia.”

Clássico, mas na moda

Os sapatos tornaram-se a estrela desta marca que acabou por ver a luz do dia em 2014. Seguiram-se as visitas às fábricas, o desenho das peças, todo o brainstorming de ideias… Mas quando falamos de clássicos, a primeira palavra que nos vem à ideia não é a de conforto. Peles duras, que demoram muito tempo a adaptar-se ao pé e o deixam magoado. Se era para reinventar, era para ir até ao fim.

“Teoricamente, um sapato clássico nunca era visto como um sapato confortável. Era um sapato para ir trabalhar e não para ir passear ou sair à noite”, explica Joana. Assim surgiu o neoprene, o material maleável e confortável utilizado nos equipamentos desportivos que é utilizado para fazer a parte de trás do sapato, também ela personalizável.

Ainda assim, era preciso não esquecer o fator moda. “É na parte das cores que se podem introduzir as tendências e usámos o menta, o rosa choque e outras cores para isso”, continua Joana. Também os materiais podem mudar, mas isso só mais à frente.

Outro dos aspetos que torna estes sapatos únicos — literalmente — é o facto de nunca nenhum par fica igual a outro. Na verdade, nem sequer os dois sapatos de um par ficam completamente iguais, e isso faz parte do processo de produção a que são sujeitos. E há quem não se importe: “Temos clientes que percebem mais de calçado e até acham uma mais-valia. Os sapatos não serem 100% iguais até lhes dá alguma piada”, confessa Joana.

“Freak in Portugal”

O produto é fabricado em São João da Madeira, um dos grandes centros de produção do calçado português, e alia a tecnologia ao trabalho artesanal, já que as costuras são todas feitas à mão. E impõe-se a questão: porquê Portugal? Joana responde prontamente: “Em Portugal temos tudo: temos o know-how, temos produção de peles, temos montes de coisas, mas não tínhamos marcas.” E foi também aí que quis inovar.

Acho que ainda não estamos ao nível do Made in Italy porque ainda não soubemos muito bem vender e assumir quão bom somos.

Joana Lemos

Fundadora Freakloset

A criação de marca e da cultura “Made in Portugal” é vista por Joana como uma necessidade para nos afirmarmos lá fora. “Como marca portuguesa, devemos comunicar com orgulho o Made in Portugal, não só por sermos portugueses mas porque estamos a ter cada vez mais nome lá fora.” Ainda assim, existe muito trabalho a fazer.

Nem tudo é um mar de rosas

Como em todos os novos negócios, o percurso até aqui não foi totalmente perfeito, e contou com inúmeros problemas a surgirem. “Às vezes pode haver uma visão muito romântica do empreendedorismo, mas é tudo menos fácil,” avisa Joana.

Para a Freakloset, o maior desafio até agora foi encontrar uma fábrica que se adaptasse às suas encomendas que, por um lado não são de grande escala e por outro, por cada pedido ser personalizado. “Mudámos de fábrica várias vezes. Já vamos na terceira, mas finalmente encontrámos o parceiro certo”, considera.

E mesmo fazer o sapato não é tarefa fácil. “É muito difícil de produzir porque juntamos a pele, que é dura com um material maleável”, explica Joana. “As fábricas nunca tinham visto nada assim e, nos primeiros testes e protótipos, rasgavam tudo ou a cola da pele queimava o neoprene. Estivemos quase dois anos a fazer testes.”

Ainda assim, Joana garante que tudo vale a pena: “É uma recompensa muito boa ao fim do dia podermos ter feito alguma coisa nossa. Digo sempre que, mesmo que este projeto não dê certo, pude realizar um dos sonhos da minha vida que era criar a minha própria empresa, nova, com energia e com paciência para aguentar as coisas más que aconteceram e celebrar as coisas boas de uma forma histérica, como é suposto.”

De Lisboa a Londres

A última coisa que mereceu um boa dose de celebrações e histerismos foi a presença da marca na Semana da Moda de Londres. Aliando-se a uma marca de roupa muito famosa no país, a Sibling, a Freakloset viu os seus sapatos a desfilarem passarela abaixo.

“O desfile correu bem, é engraçado como os nossos sapatos encaixavam perfeitamente com a coleção e conseguiram manter a identidade” relembra, com um sorriso esboçado, Joana Lemos. “Apesar de serem diferentes e de chamarem à atenção, foram uma colaboração muito orgânica.”

O evento foi uma estratégia forte para entrar no mercado britânico e que já está a dar resultados, com vários retalhistas interessados no produto. Ainda assim, a venda a retalho está fora de questão, mantendo-se fiel àquilo que é desde o princípio.

Espalhar a freakness

Desde que surgiu, a marca já vendeu para 16 países, tudo através da loja online, seguindo a estratégia de levar o cliente ao site, onde cada um pode personalizar a peça através de um simulador 3D especialmente desenvolvido para a marca.

Embora tenham um showroom em Lisboa, o foco deste é apenas para os clientes nacionais, que continuam reticentes em relação a comprarem o produto através da internet. Aqui podem ver e experimentar, mas a encomenda é sempre feita através do site.

A marca já vendeu para 16 países, todos devidamente assinalados no mapa-mundo instalado numa parede do escritório.Paula Nunes/ECO

Em termos de vendas, o panorama também não é negativo. “O ano passado tínhamos o objetivo de vender 100 pares e vendemos um bocadinho mais.” E as surpresas não ficam por aqui: “Neste momento, 55% dos nossos clientes são mulheres, o que até foi uma surpresa.”

E os próximos passos? Entrar no mercado dos Estados Unidos, aplicar o conceito da reinvenção a outras peças — como ditava o plano original — e procurar mais investimento. E que todos eles sejam passos freak.

 

  • Juliana Nogueira Santos
  • Redatora

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