Industriais do têxtil mostram fibra no investimento apesar da “crise severa”

Apesar da crise que está a enfrentar, os industrias do têxtil afirmam que o "setor é de uma resiliência espantosa" e sempre deu provas que consegue reinventar-se.

Os empresários portugueses da indústria têxtil estão por estes dias a braços com mais uma crise, desta vez impulsionada pela difícil conjuntura internacional, que se traduz numa maior escassez de encomendas e até na fuga de alguns clientes para mercados como a China ou o Bangladesh, onde o custo da mão-de-obra é inferior.

Apesar da crise que estão a enfrentar, os empresários acreditam que o setor é “resiliente” e que vai “dar a volta por cima, uma vez mais”. Foi esse, pelo menos, o “sentimento” das empresas que estiveram esta semana na Maquitex, na Exponor (Matosinhos), a mostrar como a digitalização e a inteligência artificial podem ser uma ferramenta para o setor ser mais competitivo e eficiente.

“O têxtil é de uma resiliência absolutamente espantosa”, atesta ao ECO o diretor-geral da Lectra para Portugal e Espanha. “Esta indústria em Portugal é um business case: já foi dada como morta por várias vezes, foi sempre capaz de se reinventar, de se transformar e de encontrar soluções para os diferentes obstáculos que foi encontrando ao longo do caminho”, afirma Rodrigo Siza Vieira.

“Esta indústria em Portugal é um business case: já foi dada como morta por várias vezes, foi sempre capaz de se reinventar, de se transformar e de encontrar soluções para os diferentes obstáculos.

Rodrigo Siza Vieira

Diretor-geral da Lectra para Portugal e Espanha

Com uma ‘bagagem’ de 52 anos nesta indústria, o fundador da Armando Lopes – Comércio de Máquinas Têxteis, reconhece que o” setor neste momento está bastante em baixo”, justificando que “os clientes estão a fugir para outros países, como Bangladesh e Marrocos, porque a mão-de-obra e os impostos são mais baratos e tudo isso é apreciado”.

Estamos a atravessar uma crise severa como já não víamos há algum tempo“, corrobora ao ECO Fernando Castro, CEO da J.B & Castro, que vende soluções têxteis. O líder da empresa de Fafe considera que as “importações da Ásia e do Norte de África, a preços muito mais reduzidos, são uma grande ameaça para o setor”.

Fátima Castro/ECO

Fernando Castro, que pertence à segunda geração desta empresa familiar, afirma ainda que “a falta de apoio às empresas têxteis e os elevados impostos fazem com que as empresas deixem de ser competitivas”. No entanto, o gestor não duvida da “resiliência do setor” e tem “esperança que a indústria vai dar a volta por cima, mais uma vez”.

A falta de apoio às empresas têxteis e os elevados impostos fazem com que as empresas deixem de ser competitivas.

Fernando Castro

CEO da J.B & Castro

O fundador da empresa Geração Audaciosa, com armazém logístico em Alfena e produção em Esposende, recorda que a procura por mão-de-obra mais barata não se limita à Ásia, mas abrange geografias mais próximas, como Turquia, Marrocos e outros países do Norte de África. “Não conseguimos competir com estes países devido à questão salarial”, afirma Pedro Soares.

Rui Costa, diretor geral da Anita, empresa que produz roupa de interior feminina em Castelo de Paiva, estava por estes dias de de visita à Maquitex. A trabalhar no setor há 36 anos, considera “que a confeção é um tipo de indústria associada a países de mão-de-obra barata” e, por isso, ” inevitavelmente Portugal vai ter cada vez menos empresas”.

No ano passado, as exportações da indústria têxtil e do vestuário corresponderam a 5,7 mil milhões de euros, uma descida de cerca de 4% face ao ano anterior. “Para 2025, as expectativas são cautelosas, refletindo a incerteza económica e os desafios que persistem nos mercados europeus e globais”, aponta a ATP, associação liderada por Mário Jorge Machado.

Rodrigo Siza Vieira concorda que o “têxtil está a sofrer” e destaca que a multinacional “tem registado globalmente quebra de volumes de produção e de volumes de exportação”. À conjuntura macroeconómica e até geopolítica junta-se a “retração por parte dos consumidores finais [que] está a ter impacto na indústria”.

Rodrigo Siza Vieira, diretor-geral da Lectra para Portugal e EspanhaFátima Castro/ECO

Com toda a incerteza a pairar nos mercados e no contexto macroeconómico global, é difícil antecipar quando é que poderá haver uma possibilidade clara de retorno para esta indústria“, lamenta o diretor-geral da Lectra para Portugal e Espanha.

O CEO da Eactech, empresa de Barcelos que comercializa e fabrica equipamentos, conta que está há 36 anos no setor e “sempre esteve em dificuldades”. Raul Alves afiança que “a marca Portugal nunca foi trabalhada como a marca Itália”. “Somos, basicamente, prestadores de serviços. Não temos marcas próprias e estamos muito dependemos do mercado exterior”, desabafa.

Incerteza não trava investimento

Apesar destas dificuldades que o setor enfrenta, os empresários parecem continuar a investir. Prova disso foi a presença de 50 empresas na 19.ª da Maquitex – Exposição Internacional de Máquinas, Tecnologia e Acessórios para a Indústria Têxtil, Confeção, Vestuário, Impressão e Bordados, que está a decorrer na Exponor de 26 a 28 de março.

“Este setor tem sido capaz de se reinventar, sobretudo através da inovação e da incorporação de tecnologia”, refere o diretor-geral da Exponor. “E tudo isto está a acontecer nas empresas e em centros tecnológicos numa altura em que é sabida a forte aposta em projetos de investigação, desenvolvimento e inovação, por forma a conferir ao tecido empresarial competitividade adicional nos anos vindouros, que se percebe na feira”, salienta Diogo Barbosa.

Fátima Castro/ECO

Pedro Soares, fundador da empresa Geração Audaciosa, estava a sair do stand da Eactech. O gestor conta que é imprescindível “estar atento a novas tecnologias” e “novos instrumentos de trabalho” para fazer um “upgrade naquilo que é a produção atual” da empresa, que é representante da Kelme em Portugal.

O dono da Geração Audaciosa considera que “este mercado já está habituado a estes ciclos e vai continuar a sobreviver”. “Este tipo de feiras é sempre interessante para que possamos dar esse passo em frente e ir buscar técnicas alternativas para nos expandirmos. Porque isso depois é que faz com que nos procurem bastante, mesmo a nível internacional, e para que possamos ser um suporte no desenvolvimento do produto”.

“Faz parte do nosso ADN ir ao encontro de alternativas e é por isso que acredito que esta indústria vai continuar a sobreviver”, completa o fundador da empresa Geração Audaciosa, que emprega cerca de 20 pessoas.

A Lectra, multinacional de origem francesa, aproveitou o evento para mostrar ao mercado a Valia Fashion, uma plataforma digital inteligente, baseada na cloud, que conecta, automatiza e agiliza cada etapa da produção de vestuário, desde o processamento de encomendas ao corte de tecido, otimizando a utilização dos materiais. Uma solução representa um investimento de cerca de 30 milhões de euros.

Rodrigo Siza Vieira destaca que “algumas empresas, num setor que é tão tradicional, são autênticas ‘pontas de lança’ em comparação com qualquer outra indústria”. E com a automação tão em voga, a Lectra está focada em ser um “player de referência na indústria 4.0″.

Algumas empresas, num setor que é tão tradicional, são autênticas pontas de lança em comparação com qualquer outra indústria.

Rodrigo Siza Vieira

Diretor-geral da Lectra para Portugal e Espanha

Em 2018 e 2020, a Lectra adquiriu duas startups, a belga Retviwes (analisa dados para marcas de moda) e a francesa Neteven (gestão de marketplaces), respetivamente. Em 2021, adquiriu a americana Gerber Technology por 175 milhões de euros. As compras não ficaram por aqui e em 2022 comprou a holandesa Textile Genesis e, um ano depois, a americana Launchmetrics.

A Lectra, que produz software para o setor da moda, automóvel e mobiliário, emprega 2.800 pessoas a nível global e fatura 528 milhões de euros. Presente em território nacional desde 1985, a Lectra Portugal emprega cerca de 60 pessoas e fatura dez milhões de euros. A indústria da moda pesa quase 80% nas vendas da subsidiária nacional.

Raul Alves, dono da Eactech, Logomark Portugal e Logomark Espanha, também não se deixa intimidar pela crise e está a executar um investimento de dez milhões de euros para construir uma fábrica de 4.000 mil metros quadrados em Barcelos, que vai albergar as suas três empresas. A nova unidade fabril ficará completamente pronta no próximo ano.

Raul Alves, CEO da EactechFátima Castro/ECO

O grupo liderado por Raul Alves tem sete mil clientes, emprega 52 pessoas e fatura 12 milhões de euros, sendo que a Eactech absorve 34 postos de trabalho e fatura quatro milhões de euros.

“Estou a reconstruir uma ruína com 200 anos de história, que outrora já foi um armazém de maças e uma fábrica de tecelagem, e será um centro de negócios, onde vou aglomerar todas as minhas empresas [que trabalham para] o setor têxtil, alimentar, farmacêutica, cosmética, setor automotivo e aeronáutica”, resume o empresário minhoto, que no setor alimentar tem clientes como a Sagres, Água do Luso, Vieira de Castro, Primor ou Nobre.

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