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  • ECO e Lusa

O euro anda por cá, mas o escudo (ainda) anda por aí

Cabo Verde é provavelmente o único país do mundo onde ainda se troca dinheiro a falar de escudos e contos, como se fazia até final dos anos 90, em Portugal, antes da entrada em vigor do euro.

Cabo Verde é provavelmente o único país do mundo onde ainda se troca dinheiro a falar de escudos e contos, como se fazia até final dos anos 90, em Portugal, antes da entrada em vigor do euro.

No arquipélago, o Escudo foi herdado do regime colonial, mas emancipou-se como o país e tornou-se escudo cabo-verdiano, que conta com um acordo cambial com Portugal.

Numa visita ao principal mercado da capital, Praia, a moeda circula de mão em mão e as vendedoras associam-na a um símbolo de identidade, história e memória coletiva. “Já temos 50 anos de independência e o nosso escudo é a nossa marca“, diz Valita Moniz, 53 anos, que vende verduras há três décadas no Mercado Municipal da Praia.

Enquanto vai ajeitando as cebolas e as batatas sobre a banca, Valita faz as contas de cabeça e salta para os “contos” a partir dos mil escudos, com a familiaridade de quem nunca conheceu outra moeda: “para mim representa muito, é passado e presente”.

O Banco Nacional Ultramarino (BNU) foi o único banco em Cabo Verde, até 1975, quando “após a independência, foi criado o Banco de Cabo Verde (BCV), que passou a ter a exclusividade do sistema monetário do país – o que se traduziu, em 1977, na emissão e consequente circulação em Cabo Verde das primeiras notas e moedas, com símbolos próprios que identificam a soberania do país“, lê-se numa brochura de educação financeira do banco central.

A unidade monetária de Cabo Verde “passou a designar-se de escudo cabo-verdiano”, sendo denominada na terminologia internacional com a sigla CVE. “Por aqui também aparecem euros, sobretudo com os turistas, mas trocamos logo. No dia-a-dia, vendemos com escudos”, acrescenta Valita.

“Ainda me lembro de quando se falava em tostões, antes da independência”, diz Inês Moreira, vendedora de 58 anos: “Depois veio o escudo, ficou até hoje e qualquer criança com dois anos já sabe o que são moedas de cinco ou dez escudos”, relata, enquanto separa as moedas das notas, no bolso do avental, amarrado à cintura. “Ponho as moedas de um lado, para facilitar quando dou trocos, as notas ponho de outro lado, mas dentro de uma carteira, para não correr o risco de as perder“, explica.

Doriva Cruz, de 51 anos, um dos poucos homens entre as muitas mulheres vendedoras no mercado da Praia, recorda os primeiros escudos de papel: “Tinham o retrato de Amílcar Cabral”, líder das independências de Cabo Verde e Guiné-Bissau. Não admira que ainda hoje considere o escudo como símbolo da luta pela independência.

"Enquanto noutros países houve várias moedas, com nomes distintos, até se chegar às denominações de hoje, o economista António Batista diz que, em Cabo Verde, o escudo manteve o nome, porque não houve fenómenos como “inflação alta” ou “necessidade de desvalorização”. “Em Cabo Verde, a inflação nunca foi um problema muito grande. Já tivemos períodos inflacionários, mas nunca na dimensão que obrigasse a alterar o nome ou o numerário”, refere.”

Enquanto noutros países houve várias moedas, com nomes distintos, até se chegar às denominações de hoje, o economista António Batista diz que, em Cabo Verde, o escudo manteve o nome, porque não houve fenómenos como “inflação alta” ou “necessidade de desvalorização”. “Em Cabo Verde, a inflação nunca foi um problema muito grande. Já tivemos períodos inflacionários, mas nunca na dimensão que obrigasse a alterar o nome ou o numerário”, refere.

Para o especialista, “a moeda é algo em que não se deve mexer com frequência. A estabilidade traz confiança a cidadãos e investidores. Quanto mais antiga a denominação, mais segurança e prestígio transmite”.

Outro marco histórico aconteceu com a assinatura do acordo cambial entre os bancos centrais de Portugal e Cabo Verde, estabelecido em 1998 e através do qual o escudo cabo-verdiano tem atualmente câmbio fixo com o euro (110,265 escudos por cada euro).

“O acordo cambial que temos permitiu a ancoragem de muitas variáveis importantes”, como a inflação e outros fatores externos, apontou o governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, durante uma visita ao arquipélago, em abril, elogiando a capacidade de o país se projetar com estabilidade.

O acordo cambial de 1998 “tem sido um fator determinante de estabilidade e confiança”, referiu na altura o primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva.

O economista António Batista considera aqueles aspetos importantes: “Recebemos remessas da diáspora, temos dívida externa e o escudo cabo-verdiano, não sendo uma moeda muito forte, precisa ancorar-se muitas vezes a outras moedas, como acontece aqui em relação ao euro. Um país que consegue manter essa moeda durante muito tempo dá um sinal de segurança, estabilidade e compromisso do Governo“, conclui.

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