Santini. Segredo dos gelados e do negócio é “a família”

Com 70 anos de história, a Santini é o exemplo de uma empresa familiar portuguesa de sucesso. Agora com duas famílias a gerir a empresa, tudo indica que assim se deverá manter por mais uma geração.

Quando, em 1907, Attilio Santini Mosena nasceu, já corria no sangue da família a tradição do fabrico de gelados há pelo menos duas gerações, com o seu bisavô a fundar a primeira geladaria em Viena de Áustria. Mas essa noção só terá chegado ao bisneto anos mais tarde, depois de saltar entre profissões, entre elas serração de madeiras e treinador de equipa de futebol durante o serviço militar.

Foi em Milão que Attílio Santini iniciou a experiência no ramo da geladaria e, daí, foram precisos apenas 12 anos até chegar à praia do Tamariz, no Estoril, e inaugurar, com a sua mulher, a primeira loja da Santini. O cone vendia-se a 1,5 escudos, mas no dia da abertura, em 1949, todos os gelados foram oferta da casa.

11 anos mais tarde, a casa – daquela que viria a ser a marca de gelados portuguesa mais conhecida internacionalmente – mudou-se para Cascais, e desde então o crescimento tem ido de vento em popa.

Hoje, 70 anos mais tarde, à frente do negócio está o neto, Eduardo Santini Fuertes, que vinha a “preparar o caminho” para a sucessão do negócio desde os seus 18 anos, conta ao Capital Verde.

Reportagem Yearbook Capital 2023 na gelateria Santini
Eduardo Santini Fuertes, Administrador Gelados Santini Hugo Amaral/ECO

Todas as premissas que levaram o meu avô a abrir a loja, em 1949, estão atuais e regemo-nos com base nelas”, garante. Uma dessas é a lealdade que permite que a produção se mantenha “muito fiel à receita” e que seja alcançada “a cremosidade” pela qual os gelados são conhecidos – mesmo as receitas que foram criadas já depois do tempo do avô, como por exemplo o gelado de sabor a manga, aqueles à base de creme, ou até o favorito do neto herdeiro, chocolate e limão. “Essas receitas são feitas à base daquilo que existe hoje”, garante.

A única alteração feita à receita, há 15 anos, prende-se com uma redução na quantidade de açúcar. Mas essa mudança, “não afetou as vendas, nem a qualidade do produto”, assegura. “Sabemos até onde podemos ir”.

Outra das premissas é a qualidade do produto que Attilio Santini Mosena sempre defendeu. A garantia é dada por Elsio Trindade, responsável pela sala de receita, e que trabalha para a empresa há mais de 20 anos. ”Há sempre um ingrediente secreto. Mas a nossa maior preocupação é arranjar bons ingredientes. A fruta, o leite, as natas – todo o carinho… é o que faz um bom produto. É tudo natural, nada concentrado”, explica.

A origem destes ingredientes também é um fator diferenciador da concorrência, explica Eduardo Santini, sublinhando que o recurso a pequenos produtores locais, permite criar um “impacto grande” a nível socioeconómico. “Tentamos sempre que não haja grandes deslocações das matérias-primas. A sustentabilidade também é um fator importante para nós. Tudo o que precisamos, vamos buscar a fornecedores mais próximos”, conta.

Inaugurada há mais de uma década, a unidade de produção da gelataria portuguesa, com origens italianas, surgiu numa altura em que era necessário aumentar a capacidade face às necessidades das lojas que se foram multiplicando ao longo dos anos. Hoje, contam-se 13 espaços, distribuídos entre Cascais, Lisboa (mais recentemente no Cais do Sodré) e no Porto – um deles está localizado na dianteira da fábrica.

Reportagem Yearbook Capital 2023 na gelateria Santini
Hugo Amaral/ECO

Toda a matéria prima que chega à fábrica transforma-se em “Santini”

Na central, os trabalhos começam logo pelas 7h da manhã, uma hora mais tarde para a equipa de logística. Lá, trabalham 23 pessoas, equipa que, por norma, tende a aumentar até aos 28 membros, uma vez que o negócio do gelado é sazonal e no verão, o ritmo de produção é o “quádruplo” comparativamente ao inverno, revela Vítor Campos, responsável pela sala de produção final. Nas lojas, o reforço laboral chega aos 40% entre junho e agosto.

Na receção, chegam, por mês, cerca de 14 mil toneladas de matérias-primas consumíveis, como leite, açúcar ou gemas, e perto de seis toneladas de fruta. Todos estes bens são depois divididos por categorias pelas respetivas salas de armazenamento.

Enquanto as frutas seguem para a fase de limpeza e descascamento, processo que ocorre numa das “salas mais importantes da fábrica”, os laticínios e outros ingredientes são armazenados. Certo é que “nos corredores, circulam os colaboradores e tudo o que são matérias-primas circulam entre as salas”, explica Eduardo Santini, durante a visita ao espaço.

Chegada à sala da receita, considerada a “parte principal” da produção, pois é onde são misturados todos os ingredientes, é-nos dada uma garantia: “Toda a matéria-prima que chega à fábrica, quando chega a esta sala, transforma-se em Santini. Esta é a sala do segredo”, explica Elsio Trindade que imigrou do Brasil, em 2001, e dois anos mais tarde começou a trabalhar para a empresa, tendo começado primeiro pela loja, em Cascais, e passado, mais tarde, para a fábrica. “Acompanhei o crescimento da Santini. Hoje, a minha função principal é estar nesta sala” juntamente com mais dois colegas, conta.

Reportagem Yearbook Capital 2023 na gelateria Santini
Elsio Trindade, responsável pela sala de receita na fábrica da Santini, em Cascais Hugo Amaral/ECO

“Existe um espírito familiar entre os donos e os trabalhadores. Por mais que o negócio tenha crescido, manteve-se sempre essa proximidade”, explica, recordando os tempos “acolhedores” na loja. “Na fábrica, a dinâmica é igual”.

Obtida a forma líquida, segue-se para a próxima etapa, onde ocorre a transformação. Na sala de produção final, trabalham sete pessoas que operam dois tipos de máquinas: as produtoras verticais, de origem italiana, e que já estão na Santini “há muito tempo, desde de que o meu avô abriu a loja no Tamariz”, conta o neto herdeiro. Essas, dada a sua antiguidade, exigem que sejam operadas de forma manual, algo que requer “experiência”, conta Vitor Campos, que trabalha na fábrica da gelataria há seis anos.

Eduardo Santos, que integra a equipa há sete anos, já conseguiu apurar essa competência mas, antes de chegar a este posto chegou a ter apenas a responsabilidade de as limpar. “Gosto de trabalhar com estas máquinas”, partilha, explicando que ao longo dos anos aprendeu a conseguir perceber quando o gelado está pronto a sair, só através do olhar:quando estiver com mais brilho e mais consistência, sabemos que está no ponto. Já fazemos a olho”, garante.

Outro é Sérgio Maldonado, que chegou à fábrica há um ano, depois de ter passado quase uma década a trabalhar nas gelatarias. “Nas lojas era sempre a servir, aqui as máquinas são diferentes e existem várias funções e postos diferentes. Não é rotineiro”, conta-nos, enquanto espera que a máquina manual, que mistura uma receita ao seu lado, termine de preparar a próxima levada de gelado sabor “tarde de santini” (mascarpone com bolacha e doce de maracujá).

Do outro lado da sala estão estacionadas as produtoras horizontais, que não exigem tanta força manual uma vez que são mais modernas e têm incorporados sistemas sensoriais que permitem que o seu funcionamento seja automático. Estas já estão com a Santini há 20 anos.

Reportagem Yearbook Capital 2023 na gelateria Santini
Eduardo Santos a operar uma produtora vertical de gelados da fábrica da Santini, em Cascais Hugo Amaral/ECO

 

“Em média, fazemos, em cada uma das máquinas, entre cinco a sete sabores de gelado diferentes por dia”, explica Vitor, partilhando que o seu favorito é o de “bola de Berlim”.

Naquela sala a palavra de ordem é “comunicação”, mesmo no meio da algazarra do ruído provocado pelas máquinas, e até da música que por vezes é posta a tocar “para atenuar o barulho” das produtoras, detalha o responsável. “É um trabalho muito à base da comunicação”, garante.

Terminada a transformação, segue-se a parte da distribuição que tem como um dos destinos o canal HORECA (hotéis, restauração e cafés). Numa sala provisória, enquanto não terminam os trabalhos de expansão, trabalham três funcionários que enchem entre 22 a 24 caixas de meio litro de gelado que são, posteriormente, embaladas, identificadas e, depois, distribuídas.

2023 foi ano de crescimento e expansão

Em Portugal, a Associação Portuguesa de Empresas Familiares estima que mais de 70% das empresas sejam familiares. Sendo responsáveis por 65% dos empregos, e por mais de 50% da contribuição do setor privado para o PIB nacional. A Santini é uma delas, empregando cerca de 170 pessoas, depois de ter acumulado receitas de seis milhões de euros em 2022.

O caminho a seguir deverá ser um de crescimento, depois de ter sido inaugurada a 13ª loja no Cais do Sodré.

E quanto aos sabores dos gelados? “É difícil dizer pois tem muito a ver com oportunidades e criatividade”, responde. Certo, é que o objetivo é aumentar as vendas através do canal HORECA e apontar para um crescimento de 5 a 10%.

Desde 1949, que o negócio estava nas mãos da família Santini. Depois, essas mãos passaram a ser também apoiadas pela família Botton. Somos uma família ao quadrado.

Eduardo Santini Fuertes, Administrador Gelados Santini

Negócio deverá manter-se na família

O caminho traçado pelo avô Santini, embora tenha continuado a ser percorrido pelo filho, abriu por novos caminhos quando Eduardo assumiu as rédeas. E quando a gelataria estava prestes a comemorar 60 anos de vida, Filipe de Botton entrou na equação, adquirindo 50% do capital, em 2009.

“Desde 1949 que o negócio estava nas mãos da família Santini. Depois, essas mãos passaram a ser também apoiadas pela família Botton”, contou Eduardo. Mas enquanto o lado fundador mantém as “mãos” sobre o lado da receita, o outro par gere a parte financeira do negócio. “Somos uma família ao quadrado”, aponta. E, apesar de serem de duas casas diferentes, a “gestão tem corrido muito bem”.

À semelhança de muitas outras empresas, também o capítulo da pandemia foi um um obstáculo para a Santini que embora tivesse sentido “muita preocupação com o futuro da empresa”, considerou que tinha que ser dada uma maior atenção às “pessoas que trabalhavam connosco na altura”.

Eduardo Santini Fuertes e Filipe Botton, 2016 Paula Nunes / ECO

Durante os meses mais críticos, a empresa viu-se forçada a terminar os contratos que, na altura, não eram efetivos, sob a promessa de recuperar os trabalhadores quando o período mais desafiante passasse. “Todos esses [trabalhadores], foram chamados uns meses depois”, conta Eduardo Santini, apontando que à exceção “de um caso ou outro”, que por opção própria escolheram não voltar, “todos foram reintegrados novamente na empresa”.

Desde a sua fundação que existe uma “preocupação em manter a gestão” da empresa “em mãos familiares”, sublinha o gestor. E tudo indica que assim deverá continuar e que a sucessão deverá acompanhar o crescimento da empresa, ao contrário do que sugerem a Associação de Business Roundtable e o Instituto Português de Corporate Governance que apontam que as empresas com uma concentração de gestão no líder enfrentam um maior risco de estagnação.

Quanto ao sucessor, essa não é uma preocupação para Eduardo. “As decisões devem ser tomadas de coração e alma. Não pode ser forçado. E, portanto, os meus filhos hão de fazer o crescimento normal e depois se um dia entenderem, seguirão o meu caminho”, aponta.

Tanto o filho de 11 anos, como o de 15, “já têm noção da empresa”, mas foi o mais velho que manifestou interesse “em querer estudar algo que lhe permita continuar com a empresa”. Ainda que o desejo da Santini seja de manter o negócio na família, Eduardo garante que não irá colocar essa pressão sobre os descendentes. “Será com eles”, atira.

Esta reportagem integra a segunda edição do anuário do Capital Verde, Yearbook, já disponível.

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