Fundação Francisco Manuel Santos: Os efeitos da austeridade

O coordenador do estudo e professor do ISEG Carlos Farinha Rodrigues olhou para o ajustamento português e concluiu que os pobres sofreram mais do que os ricos. Foi assim?

O estudo “Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal: As Consequências Sociais do Programa de Ajustamento”, coordenado pelo professor do ISEG Carlos Farinha Rodrigues, relançou a discussão sobre o impacto das medidas de austeridade na desigualdade em Portugal. Para este estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos não há dúvidas de que os efeitos mais graves foram sentidos pelos portugueses mais pobres.

Para responder diretamente à questão de que forma a redução dos rendimentos foi desigual, o estudo explica o modo como lá chega: “Utilizando os microdados do ICOR é possível calcular o rendimento médio por adulto equivalente de cada decil de rendimento da população e a sua variação no período 2006-2014. O Quadro 1 mostra essa evolução para os vários decis da distribuição do rendimento equivalente nos dois subperíodos: 2006-2009 e 2009-2014”. O resultado é o gráfico a seguir:

ffms1

O estudo argumenta que no primeiro período (2006-2009) o rendimento médio dos mais pobre cresce mais do que a restante população. Em contraste, no segundo período (2009-2014) são os pobres quem mais perde rendimento em Portugal, fruto das políticas de austeridade.

“A diminuição dos rendimentos foi profundamente desigual e em grande parte regressiva, e nem as classes médias foram as que mais sofreram com as políticas seguidas, nem os mais pobres foram poupados no processo de empobrecimento”, pode ler-se no documento.

Além disso, o estudo refere a quebra do “ciclo descendente da desigualdade” no período pós-2010. “No período 2009-2014, o coeficiente de Gini estabilizou em torno de 34%, com ligeiras oscilações que não são estatisticamente significativas“, explicam.

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Para demonstrar de forma mais específica essa intensificação da desigualdade em Portugal, o estudo mostra a análise da relação entre os extremos da distribuição dos rendimentos. “Um grupo de indicadores, muito simples e intuitivos, baseia-se na comparação da proporção dos rendimentos (“share” na literatura anglo-saxónica) das diferentes classes ao longo da distribuição. Estes indicadores fazem parte do conjunto utilizado na União Europeia para comparar os níveis de desigualdade dos vários países membros”, explicam. Apresentam-nos assim três índices: S95/S05 (share entre os 5% mais ricos e os 5% mais pobres), S90/S10 e S80/20.

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“A análise conjunta dos indicadores de desigualdade até agora considerados sugere que, entre 2009 e 2014, se registou em Portugal um forte agravamento da desigualdade assente no afastamento entre os extremos da distribuição e numa certa estabilização das assimetrias existentes na sua parte central. Dado que o rendimento médio dos indivíduos situados na parte superior da distribuição não cresceu, o agravamento da desigualdade é, pois, indissociável da forte contração dos rendimentos mais baixos”, argumenta o estudo.

O estudo ataca ainda a “fragilidade das metodologias e indicadores económicos mais utilizados para medir a pobreza monetária”. “O cálculo do limiar de pobreza oficial é definido pelo Eurostat e pelo INE como 60% do rendimento mediano por adulto equivalente”. Os autores argumentam que isto cria um “valor ‘oficial’ da linha de pobreza” e, em situações de recessão, tal pode ser uma “armadilha”.

Ou seja, simplificando: se o rendimento mediano descer, também a linha da pobreza desce. Isto significa que, segundo o estudo, um indivíduo que vive sozinho, em 2009, era pobre se, por mês, tivesse um rendimento inferior a 434 euros. Em 2014 o valor já era de 422 euros.

“Uma consequência desta queda “técnica” da linha de pobreza é a de que muitos indivíduos e famílias que anteriormente eram considerados pobres ‘saíram’ dessa situação, mas apenas ‘artificialmente’: os seus recursos não aumentaram (podendo mesmo ter diminuído), tendo sido a própria linha de pobreza que passou a ficar abaixo dos seus recursos”, explicam os autores do estudo: “Os indicadores de pobreza oficiais não revelam completamente a efetiva deterioração das condições de vida da população e tendem a subestimar o real agravamento das situações de pobreza”.

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A terminar, o estudo apresenta ainda um gráfico que se pode comparar com o do apresentado pelo FMI sobre o impacto das medidas de austeridade neste período. “A análise por decis permite ainda observar duas características fundamentais das políticas seguidas em Portugal: por um lado, o aumento da progressividade do sistema fiscal e, por outro lado, o caráter fortemente regressivo das alterações nas prestações sociais de natureza não contributiva, penalizando claramente as famílias do primeiro decil da distribuição“, argumentam. Esta última conclusão é compatível com o que o FMI afirmou no seu estudo.

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