Para combater a pobreza não basta criar mais empregos. Têm de ser bons

  • Marta Santos Silva
  • 23 Setembro 2016

O aumento da pobreza deve-se em parte à proliferação de trabalhos temporários de baixa remuneração -- os mini jobs. Michael Förster da OCDE ajuda a pensar em caminhos para as políticas públicas.

As mudanças nos mercados de trabalho e nos padrões do emprego são uma das principais causas do aumento das desigualdades de rendimento nos anos da crise. Quem o diz é Michael Förster, da divisão de políticas sociais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e autor de um relatório sobre as tendências da desigualdade nos países pertencentes à OCDE. Em parte, essas mudanças no mercado de trabalho prendem-se com o tipo de trabalhos que se têm tornado disponíveis – muitos deles são temporários e de vínculo frágil.

À margem da conferência de apresentação do estudo Portugal Desigual, realizado por Carlos Farinha Rodrigues para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, Michael Förster falou ao ECO da importância de repensar as políticas públicas de combate à pobreza no contexto do novo mercado de trabalho, que está segmentado entre um mercado de trabalho primário com segurança laboral e trabalhos permanentes, e um secundário onde os empregos são de curta duração e sem vínculo, levando a situações de precariedade. Os mini jobs, termo cunhado na Alemanha para estes trabalhos temporários de salários normalmente baixos, têm proliferado com a ajuda de apps e de novos modelos de negócio, mas nem sempre têm beneficiado aqueles que os realizam.

Para criar políticas de redução da pobreza e estímulo de emprego, importa pensar no contexto do agregado familiar, diz Förster, assim como olhar com especial atenção para os casos dos jovens, das mulheres e das pessoas menos qualificadas. E agora mais do que nunca, enquanto a taxa de desemprego é usada como arma de arremesso política, também importa pensar noutras questões: não só quantas pessoas têm um emprego, mas também quantas pessoas têm um bom emprego — permanente, a tempo inteiro, com uma boa remuneração no contexto do agregado familiar.

Porque é que é importante olhar para a situação de toda a família quando se pensa em políticas de combate à pobreza?

Quando se fala em políticas de emprego, normalmente pensamos em indivíduos, e nas oportunidades do indivíduo, e no salário mínimo. Muitas vezes esquecemos o contexto do agregado familiar, o que é cada vez mais importante com as novas formas de emprego que têm surgido.

O que se vê com os mini jobs na Alemanha, por exemplo, é que têm beneficiado mais os agregados mais ricos, porque vieram somar-se a carreiras permanentes de nível alto. Quando os mini jobs estão concentrados em agregados de rendimento inferior, onde só existem outros mini jobs e mesmo situações de desemprego, aí existe um grande risco de pobreza.

Para criar políticas de combate à pobreza é preciso ter em conta todo o contexto do agregado, e assim sim, criar incentivos e medidas que beneficiem as pessoas que precisam de um efeito trampolim para chegar a melhores empregos. Nalguns países até há um efeito contrário — em França, por exemplo, é mais fácil encontrar um trabalho permanente se se estiver desempregado do que se se tiver um trabalho temporário. Claramente há algo de errado aqui.

Como se podem encontrar soluções para quem está no mercado de trabalho secundário, a fazer trabalhos temporários por baixos salários?

Há um grande debate. Claro que todos concordamos que precisamos de reduzir a segmentação do mercado de trabalho entre um mercado de trabalho primário onde as pessoas estão protegidas e o novo, arriscado, volátil mercado de trabalho secundário. Mas depois há duas propostas. Uma solução seria desmantelar todo o mercado de trabalho primário e torná-lo secundário, acabando com as proteções. Isto não pode ser uma hipótese. Do outro lado propõem adaptar as mesmas medidas de proteção do mercado primário ao secundário, mas assim criar-se-ia mais desemprego.

É preciso tentar encontrar uma forma de conciliar isto, por exemplo através de contratos de trabalho unificados que garantam um nível de proteção mínimo que seja alto, ao mesmo tempo que se flexibilizam algumas das rigidezes que existem. Mas é preciso que as pessoas tenham vontade, e que os seus representantes tenham vontade, para podermos criar uma economia mais inclusiva.

Fala-se muito na taxa de desemprego, mas seria possível trazer uma 'taxa de bons empregos' para o centro do discurso público?

É exatamente isso que estamos a tentar fazer na OCDE. A estratégia da OCDE para o emprego no final da década de noventa e no princípio dos anos 2000 era demasiado focada na quantidade de empregos disponíveis. Agora, a nova estratégia permite definir a qualidade de um emprego. A questão da qualidade do trabalho pode e deve entrar no debate político.

É importante porque usando apenas um indicador de manchete, como a taxa de desemprego, é difícil encontrar soluções.

Olhando apenas para a taxa de desemprego há problemas que ficam escondidos. Por exemplo nos países do sul da Europa, as pessoas vivem em famílias, e há muitos mais desempregados a longo prazo que vivem com as famílias. Se fores um jovem de 25 anos desempregado no Reino Unido ou na Holanda, não estás na mesma situação que um desempregado em Espanha ou Itália. Mesmo que haja menos pessoas jovens que estejam fora do mercado de trabalho no Reino Unido e na Holanda, aqueles que não estão no contexto de um agregado familiar têm mais problemas. Todos estes contextos precisam de ser tomados em conta.

Editado por Mónica Silvares.

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