Quando procurar emprego é… um trabalho
Terminar um curso, querer melhores oportunidades ou enfrentar um novo desafio. Procurar um trabalho pode ter por trás mil e um motivos. Procurar um emprego pode mesmo ser.... o trabalho em si.
Depois de acabar o 12º ano, entrar no ensino superior, escolher um curso e fazê-lo com as melhores notas possíveis, é preciso começar a procurar trabalho, que é como quem diz, enviar currículos. Mas será isso o mais importante?
“Os jovens licenciados saem das universidades com uma visão desadequada do que é a vida real e profissional e, com isto, estão a defraudar-se expectativas”, diz Filipa Laranjeira, [na altura desta entrevista] no recrutamento da Uniplaces, acrescentando que atualmente não há uma orientação clara para o que deve ser feito no fim de um curso superior ou mesmo para quem procura apenas emprego. Mas, por onde se deve começar?
Já dizia Pessoa: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. E isto também se aplica ao mercado de trabalho. Um recente estudo da Universidade de Lausanne, na Suíça, concluiu que quem está à procura de emprego devia passar 80% do tempo a trabalhar uma boa rede de contactos e o restante a enviar currículos. Ao contrário do que acontecia há 20 anos, enviar um mail a uma empresa — hoje em dia — e esperar que a resposta traga no campo do assunto a palavra “entrevista” é, segundo este mesmo estudo, ineficaz.
Em Portugal a Randstad, a Egor, a Michael Page e a Landing Jobs são quatro agências de recrutamento que têm algumas das respostas a que as pessoas que procuram trabalho devem prestar atenção. O primeiro passo pode ser o mais importante e, ao mesmo tempo, aquele a que se dá menos importância. Afinal somos bons em quê?
1. Saber em que se é bom
“Sinto que as pessoas, em vez de pensarem no que é que lhes faz falta ou no que é que são boas, preferem disparar currículos”, refere Rita Mendes, da Landing.Jobs, dando como exemplo “as pessoas que fazem candidaturas a 10 coisas e não têm nada a ver com nenhuma delas”. Andreia Silva, da mesma empresa, acrescenta que “não adianta disparar para todas as direções”, até porque há empresas que estão sobrecarregadas com candidaturas, “o que faz com que a possibilidade de haver alguém interessante no meio das candidaturas acabe por se perder”. E não só. Alguém que esteja constantemente a mandar currículos para uma mesma entidade, ainda que para vários cargos, “mostra que não sabe exatamente o que quer, o que não dá boa imagem”, refere Andreia. “Tem de fazer sentido o lugar para o qual mandamos o currículo, se não é como começar a namorar e não ser especial”, acrescenta Filipa Laranjeira, da Uniplaces.
Para Andreia, os processos de recrutamento nas empresas também estão diferentes. “Antigamente o empregador postava um anúncio, esperava para receber centenas de candidaturas e selecionava as melhores para uma entrevista. Agora não é assim, a postura do empregador também mudou”, esclarece.
“Outra coisa que está a acontecer é que as empresas percebem que o recrutamento por target (com um alvo específico) e os próprios funcionários podem ser um meio para chegar a um novo colaborador”, acrescenta Andreia. Muitas das ofertas de trabalho não chegam a sair da empresa e, é através dos funcionários que lá trabalham, que se consegue chegar a colaboradores novos com um perfil e competências específicas. Com isto, chegamos ao referer, que é a pessoa que, dentro da empresa pode ajudar-nos a chegar ao CEO ou ao decision maker.
"Se conhecermos alguém na empresa para onde queremos ir, podemos tentar falar com ela, discutir a cultura da empresa, a sua forma de comunicação. A partir do momento em que garantimos que temos o pé na porta, através do referer, e em que estás alinhado com os valores da empresa, 50% do trabalho está feito, e só falta uma boa entrevista. E isto já é networking.”
“Se conhecermos alguém na empresa para onde queremos ir, podemos tentar falar com ela, discutir a cultura da empresa, a sua forma de comunicação. A partir do momento em que garantimos que temos o pé na porta, através do referer, e em que estás alinhado com os valores da empresa, 50% do trabalho está feito, e só falta uma boa entrevista. E isto já é networking.”, diz Rita Mendes.
2. Networking, networking, networking
Depois de saber em que é se é bom e o que é que se procura, importa estabelecer contactos. Para os analistas da universidade suíça, o networking deve passar a ser um trabalho diário, porque “as empresas contratam uma pessoa, e não um papel”, diz Rich Grant, da Universidade New Hampshire, nos EUA, citado pelo El País.
"O networking é um tema que surge sempre que falamos de uma ferramenta útil para a integração e para a progressão de carreira. É importante porque no mercado de trabalho, e mesmo que a tecnologia ganhe terreno nos processos de recrutamento, continua a ser muito com base em relações de confiança e da capacidade de eu me conectar com o outro”
“O networking é um tema que surge sempre que falamos de uma ferramenta útil para a integração e para a progressão na carreira. Mesmo que a tecnologia ganhe terreno nos processos de recrutamento, a evolução continua a ser muito com base em relações de confiança e da capacidade de eu me conectar com o outro”, refere Maria Nolasco, diretora da área de carreiras da Nova SBE, cujo objetivo é ajudar os alunos de licenciatura e mestrado a prepararem-se para integrar e perceber como funciona o mercado de trabalho. Maria acrescenta que, “quanto mais velha a pessoa é, mais fundamental é o networking, sobretudo quando já se tem alguns anos de experiência”.
Por isso, de acordo com Maria Nolasco, os recém-licenciados que queiram iniciar a sua rede de contactos devem ter um perfil no LinkedIn “desenvolvido, ativo e atualizado”, assim como “começar por usar a rede de antigos alunos da faculdade, sobretudo aqueles que estejam nas empresas onde querem trabalhar”. Neste campo, as redes sociais podem dar uma grande ajuda. Mas calma. É que, aos antigos alunos ou ex-colegas não deve pedir-se trabalho. Antes, informações. “A abordagem a antigos alunos deve ser a de compreender o seu percurso, tentar saber mais informações acerca da empresa onde estão, sabendo que é lá que também querem trabalhar, e não pedir emprego ou um contacto mais direto para onde possam mandar o currículo”, alerta Maria.
Para Amândio Fonseca, diretor-geral da agência de recrutamento Egor, o networking é facilitado hoje em dia pelas redes sociais e pelas feiras de emprego, que abrangem um vasto número de empresas de diversas áreas e acontecem em várias localidades do país.
Procurar eventos relacionados com a área que se estudou — conferências, meet ups, entre outras — multiplicam as hipóteses, quando o tema é estar no lugar certo para conhecer as pessoas certas. As feiras de emprego são, para Lourenço Cumbre, uma “obrigação”. “Quem está ativo na procura de trabalho deve estar aberto a todo o tipo de canal, deve ser proativa, fazer saber que está à procura de emprego”, acrescenta.
3. Recrutamento: o meio é a mensagem
Saber o que se quer é meio caminho andado para o sucesso. Por isso, e para a Filipa Neto, co-fundadora da Chic By Choice, “devem apenas procurar-se oportunidades que façam sentido”. No site da startup tecnológica que criou existe uma secção onde estão as job opportunities e onde são valorizadas candidaturas espontâneas. Mesmo que não sejam usadas no momento, podem vir a ser usadas no futuro, porque “as necessidades vão mudando com o tempo, e hoje podemos não precisar de alguém com o perfil Y, mas amanhã sim”, acrescenta.
“Muitas vezes recebo emails com currículos de alguém que me diz que gosta da minha plataforma, que me dá uma ou outra critica construtivas acerca do meu site, e isso faz-me sentir especial. Diz-me que aquela pessoa perdeu tempo a investigar e não se limitou a entregar o currículo e a perguntar-me onde é que se encaixava”, refere Filipa Laranjeira.
Os canais pelos quais as empresas são contactadas e recebem currículos são também cada vez mais variados. Embora ambas estejam em startups, e sejam contactadas através das redes sociais, email ou mesmo telefone, isto também acontece nas agências de recrutamento.
A maneira como um candidato se dirige à entidade onde quer trabalhar pode dizer muito sobre o conhecimento que tem dela. Para Andreia Silva e Rita Mendes, colegas na Landing.Jobs, seja por que via for, a maneira como o currículo lhes é dirigido ou como são contactadas enquanto agência de recrutamento, tem de ir ao encontro da cultura da empresa. “A comunicação tem de estar ajustada aos valores da empresa. Se me enviarem um email com um currículo e me tratarem por você, ou por ‘sra. dona’ eu não vou ficar confortável e possivelmente nem terei vontade de ler o resto”, alerta Andreia.
4. E as redes sociais?
As redes sociais deixaram de ser uma maneira de “visitar” a família emigrada ou voltar a saber de amigos da escola primária. Hoje, são uma verdadeira ferramenta de procura de emprego e há até plataformas de recrutamento, como a ATS (Applicant Tracking System), que recolhem os dados de cada pessoa a partir das redes sociais em que têm perfis. Mas serão assim tão fundamentais?
Para Amândio Fonseca “depende” da pessoa que se quer contratar. “O LinkedIn, por exemplo, funciona para pessoas já com alguma experiência e qualificação. Já o Facebook funciona para pessoas em início de carreira, que estão à procura do primeiro emprego”, realçando que usam as duas redes na agência Egor, mas com intenções diferentes. “Se o recrutamento for na área de quadros usamos o LinkedIn da nossa base de dados, mas se for para um call center basta o Facebook”.
Na Randstad, usa-se o LinkedIn para a pesquisa de candidatos e considera-se o Facebook para acrescentar informação. “Nas redes sociais podemos perceber onde é que a pessoa está, se há ou não alguma problema de conduta menos correta”, acrescenta Nuno Troni, diretor de recursos humanos na Randstad.
Também na Michael Page as redes sociais são fundamentais e servem para avaliar o potencial de um candidato. “Passamos a ter uma fonte de consulta onde eu não preciso que a pessoa esteja online para a encontrar. É possível saber onde é que as pessoas estão a trabalhar, e se estão ou não dispostas a vir a uma entrevista de emprego”, refere Lourenço. “Com o LinkedIn podemos ainda ver o percurso da pessoa até à data em que a procuramos”, acrescenta Andreia Silva.
Mas, e quem não está nem no Facebook, nem no LinkedIn, nem em nenhuma outra rede social? Tem hipótese?
Para Filipa Laranjeira, não é drama nenhum. “Não acho que quem não esteja em nenhuma rede social ‘não exista’, mas acho que as redes são importantes para fazer contactos, saber quem está à frente de determinada empresa e, acima de tudo, mostrar que não se tem nada a esconder”, explica Filipa Laranjeira. Na Uniplaces, em particular, pode ser estranho alguém não estar em nenhuma rede social. “Faz-me tentar perceber quem é a pessoa. É como quando chega um currículo sem foto, percebo que isto combata a discriminação mas, mais uma vez, penso no que é que a pessoa está a esconder e qual é a sua capacidade relacional”, acrescenta.
5. Aposte no seu currículo
Um currículo exige capacidade de síntese, porque “se um empregador ficar interessado ele vai entrar em contacto consigo”, refere Lourenço. “Se numa página conseguir ter os seus contactos, telefone, um pequeno resumo do que faz e da experiência profissional e académica, evidenciando as suas mais valias, acho que não precisa de mais”, acrescenta.
“O discurso deve ser apelativo, profissional, criativo, porque um recrutador analisa durante muito pouco tempo o currículo, ou seja, tem de ter algo que se destaque logo, ser bem construído, claro”, acrescenta Nuno Troni, diretor de recursos humanos da agência Randstad.
No entanto, não há verdadeiramente uma distinção entre o que é considerado um bom ou um mau currículo, e a exigência depende da área para onde se quer trabalhar. “Há muitos currículos originais que não são necessariamente bons, porque são mal organizados ou muito coloridos, e há coisas que um recrutador não consegue ler. Se eu tiver mais do que um foco de atenção não retiro nada dali”, refere Rita Mendes. “Ser original pode ser, apenas, ter um design apelativo e saber o que deve ser salientado. Se eu estiver a candidatar-me a um emprego de cozinheira não vou pôr que faço desporto federado não sei onde”, acrescenta Rita.
6. Currículos em papel? Passe à frente
Metade da informação dos currículos que chegam às agências de recrutamento é informatizada automaticamente. “Se eu precisar de um engenheiro de software, por exemplo, eu vou ao sistema, vejo quantos há e seleciono o que me interessa”, explica Amândio Fonseca.
“Estamos numa fase avançada de tecnologia. Quantas cartas ainda recebemos por dia? Eu recebo duas cartas por mês. E, por outro lado, quantos emails recebemos por dia? Cada vez mais”. Assim como cada vez mais as ferramentas de trabalho estão viradas para a tecnologia. Isto faz com que o mercado de trabalho esteja disponível 24 horas por dia e sejamos invadidos por informação constantemente”, acrescenta Lourenço. Cabe a cada um saber como seleciona a informação que lhe chega, ou seja, “se me interessa ou não, e como trato a informação que me interessa muito, pouco, ou nada, e da que me interessa muito, de como é que eu a uso”, refere. Isto pode ser aplicado ao currículo, na medida em que deve conter apenas a informação estritamente necessária e essencial.
“Há anos que não recebemos currículos em papel, mas isso não é condenável, e até pode ser positivo. Pode funcionar para queira tentar marcar logo uma reunião com a direção da empresa”, refere Amândio. Mas isto pode não funcionar com toda a gente, nomeadamente com recém-licenciados e, por outro lado, depender da disponibilidade das empresas. Ainda assim Amândio recorda que já contratou uma pessoa que veio apenas entregar o seu currículo, porque após uma breve conversa percebeu que tinha o perfil que procurava.
Para Lourenço Cumbre “enviar currículos é um trabalho e procurar trabalho é um verdadeiro emprego”.
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