Prova dos 9. Os gestores do PSI-20 ganham muito?

Os presidentes das empresas do PSI-20 ganham, em média, 30 vezes mais do que o salário médio que pagam aos seus trabalhadores. É muito? O Presidente da República relançou o debate.

Fotomontagem de Raquel Sá Martins

A questão é levantada todos os anos por esta altura. Com a divulgação dos relatórios e contas das empresas cotadas em bolsa, são também divulgados os salários dos gestores dessas empresas e dos respetivos trabalhadores. Invariavelmente, a justa conclusão é a mesma: a discrepância salarial entre presidentes executivos e restantes trabalhadores é não só enorme, como crescente de ano para ano.

Os números já têm levado a algumas propostas por parte dos partidos. É o caso do PS, que no último Congresso Nacional propôs a introdução de um mecanismo de limitação proporcional de salários dentro de cada empresa, pública ou privada, assegurando que o salário mais elevado não exceda em mais de 20 vezes o salário mais baixo pago na mesma empresa. Também o Bloco de Esquerda defende a limitação dos leques salariais das empresas, impedindo a existência do que chama de “setores de privilégio ilimitado”. Em declarações ao jornal i, os bloquistas já prometeram “para breve” uma proposta que estabeleça um rácio que limite os vencimentos mais elevados, não tendo ainda definido de que forma esse rácio será aplicado.

Este ano, o próprio Presidente da República entrou na discussão, para dizer que há “uma tendência” para as multinacionais pagarem aos seus gestores salários “que chocam flagrantemente com os vencimentos dos trabalhadores”. E esse, defende, é “um problema” que tem de ser “seriamente” debatido. Tentaremos fazê-lo aqui.

Os factos

A discussão começou com a notícia do Dinheiro Vivo, publicada esta terça-feira, que dava conta de que os gestores do PSI-20 ganham até 100 vezes mais do que os seus trabalhadores. O jornal online referia-se a Pedro Soares dos Santos, que, no ano passado, ganhou 1,2 milhões de euros (1.269.000 euros, mais precisamente), o equivalente a 101 vezes mais do que o salário anual médio pago na Jerónimo Martins, que foi de 12.541 euros. Contudo, Pedro Soares dos Santos distancia-se, claramente, dos restantes gestores do principal índice acionista nacional.

Ao todo, os presidentes das 15 empresas do PSI-20 que já apresentaram os relatórios e contas (excluindo a Pharol, que, por ser apenas a gestora de uma participada, não tem quadro de trabalhadores e, por isso, não entra nesta análise) ganharam, em conjunto, mais de 13 milhões de euros. António Mexia, da EDP, foi o que ganhou mais, com 2,036 milhões de euros, o equivalente a 36,94 vezes mais do que o salário médio que os trabalhadores da EDP receberam. António Rios Amorim, da Corticeira Amorim, aparece em último, com um salário anual de 284.306 euros, nove vezes acima do salário médio praticado pela empresa.

Em média, entre remuneração fixa, remuneração variável e bónus, estes gestores auferiram 868.686 euros no ano passado. É o equivalente a 62.049 euros por mês (fazendo a conta a 14 meses) e a 3.290 euros por dia.

Do outro lado da moeda estão os trabalhadores destas empresas. No topo da tabela estão os trabalhadores da EDP Renováveis, que, em média, ganharam 86.795 euros no ano passado. No fundo, os da Ibersol, que ganharam uma média de 10.321 euros em 2016.

Feitas as contas, os trabalhadores das empresas do PSI-20 ganharam, em média, 34.362 euros no ano passado. São 2.454 euros por mês ou 130 euros por dia.

No mais desigual dos cenários, o da Jerónimo Martins, o presidente executivo ganhou 101 vezes mais do que o seu trabalhador médio. No cenário menos desigual, o da Altri, o CEO Paulo Fernandes ganhou 392 mil euros, o equivalente a 7,9 vezes mais do que o salário médio da sua empresa. No cenário global, os gestores do PSI-20 ganharam uma média de 29,88 vezes mais do que os seus trabalhadores.

O salário do CEO vs. o salário médio da empresa

O contexto empresarial

Os valores auferidos por estes gestores contrastam com a média nacional, mas não são escolhidos ao acaso. As cotadas contam com comissões de vencimentos, que decidem a política remuneratória praticada dentro da empresa. São estas comissões que definem os salários do presidente e restantes membros dos conselhos de administração e conselhos executivos, levando em consideração vários critérios.

Na banca, por exemplo, os salários dos gestores estão limitados por três regras essenciais, impostas pelo Banco de Portugal:

  1. A política de remuneração deve ser adequada e proporcional à dimensão, organização interna, natureza, âmbito e complexidade da atividade da instituição, à natureza e magnitude dos riscos assumidos ou a assumir e ao grau de centralização e delegação de poderes estabelecido na instituição;
  2. A política de remuneração deve ser transparente e acessível a todos os colaboradores, bem como a todos os membros dos órgãos de administração e fiscalização da instituição;
  3. As instituições devem planear e aplicar, de forma adequada, a sua política de remuneração e formalizar em documentos específicos os respetivos procedimentos e todos os outros elementos necessários à sua concretização, devendo estes documentos identificar, datar e justificar todas as alterações introduzidas.

Os administradores têm ainda direito a uma remuneração variável, além da fixa. No caso dos banqueiros, entre os critérios para a definição desta remuneração variável, contam-se:

  • O seu desempenho individual;
  • O crescimento da instituição;
  • A riqueza criada para os acionistas;
  • A proteção dos interesses dos clientes e investidores;
  • A sustentabilidade a longo prazo da instituição;
  • E a extensão dos riscos assumidos.

Cada empresa tem a sua própria política de remuneração, mas, regra geral, são esses os critérios tidos em conta para a remuneração variável. Os indicadores financeiros considerados são, normalmente, indicadores de rentabilidade, como o EBITDA (o lucro antes de juros, impostos, depreciação, e amortização) ou o TSR (total shareholder return, ou o retorno dado aos acionistas). Com algumas especificidades de cada setor: na banca, é o produto bancário que é tido em conta.

No caso das empresas cotadas no PSI-20, os salários dos seus presidentes equivalem, em média, a cerca de 1% do EBITDA da empresa. A Novabase é a que apresenta o rácio mais desproporcional: Luís Paulo Salvado, o presidente executivo, ganhou 722 mil euros no ano passado, o equivalente a 12,24% do EBITDA da empresa nesse ano, que ascendeu a 5,9 milhões de euros. Já António Mexia, que levou para casa o salário mais alto do PSI-20, apresenta um dos rácios mais baixos: os cerca de dois milhões que ganhou equivalem a 0,05% do EBITDA de 3,75 mil milhões que a EDP registou no ano passado.

A relação entre o salário do CEO e o EBITDA da empresa

Uma das políticas que tem sido seguida para evitar que os gestores sejam tentados a empolar resultados num determinado período de tempo, de forma a receberem um remuneração variável mais elevada, é a atribuição de prémios diferidos no tempo. Ou seja, para receber o prémio referente determinado ano, os resultados da empresa têm de se manter positivos durante um dado período, por exemplo, três anos após o ano a que se refere o prémio.

Por fim, as comissões de vencimentos consideram os salários praticados pela concorrência, para que o vencimento do CEO fique em linha com o que é praticado em cada setor. Esta é a palavra chave: setor. Não podem comparar-se, por exemplo, os salários auferidos por António Mexia ou por Pedro Soares dos Santos, que atuam em áreas totalmente distintas.

O que se pode apontar são, por exemplo, as diferenças entre a Jerónimo Martins e a Sonae, ambas do setor do retalho. Na primeira, o CEO ganha 101 vezes o que paga ao trabalhador médio; na segunda, o CEO ganha 37,81 vezes mais do que o salário médio praticado na sua empresa. Há que ressalvar, ainda assim, que a Jerónimo Martins opera cadeias de supermercados na Polónia e na Colômbia, dois países onde os salários médios são mais baixos do que em Portugal.

No fim, considera Pedro Rocha Matos, partner da Korn Ferry na área da gestão de recursos humanos, os números têm de ser encarados de forma relativa, e não absoluta. “Não podemos olhar para os números de forma absoluta, temos sempre de relativizar com a dimensão da empresa, mercado e comparabilidade com pares. A política de remunerações é um instrumento de motivação e retenção dos executivos e o reflexo da ambição dos acionistas e sucesso dos executivos e deve ser considerada numa lógica plurianual de mandato”, diz ao ECO.

O contexto internacional

Outro aspeto a ter em conta é que estas empresas, por norma, atuam fora de Portugal e têm grande parte do seu negócio no estrangeiro. Por isso, além da comparação com os salários pagos pela concorrência nacional, é feita a comparação com a concorrência internacional. E, aqui, os salários dos CEO portugueses ficam aquém daquela que é a prática internacional.

Considerando os principais índices bolsistas da Europa, a bolsa de Londres é a que apresenta maiores disparidades. Um estudo publicado pela organização The Equality Trust mostra que os presidentes executivos das empresas do índice FTSE 100 ganham 191 vezes mais do que os britânicos que ganham o salário médio praticado no país. Em média, estes CEO ganham 5,3 milhões de libras (mais de 6,2 milhões de euros) por ano e muito poucos ganham menos de um milhão de libras por ano.

Em Espanha e na Alemanha, as disparidades não são tão acentuadas, mas continuam a ser muito superiores às que se verificam em Portugal. Segundo os cálculos do El País, os gestores mais bem pagos do IBEX ganharam, em média, 86,59 vezes mais do que os seus trabalhadores. Já os executivos das maiores empresas alemãs ganharam 93 vezes mais do que pagaram, em média, aos seus trabalhadores.

Olhando para um índice bolsista de dimensões semelhantes à do PSI-20, o belga, as disparidades salariais aproximam-se daquelas que se verificam em Portugal. Em média, os CEO do BEL 20 ganharam uma média de 1,96 milhões de euros no ano passado, o equivalente a 40 vezes o salário médio praticado na Bélgica.

O facto de as diferenças serem mais acentuadas lá fora não significa, contudo, que não haja disparidade no mercado laboral português. Significa apenas que as cotadas portuguesas são menos desiguais, em termos salariais, do que as cotadas de outros países europeus.

Por outro lado, é preciso ter em conta não só a dimensão das economias em que estas empresas se inserem, como os índices em que estão cotadas. A economia britânica, por exemplo, vale 14 economias portuguesas. E, enquanto o PSI-20 tem uma capitalização bolsista de cerca de 58 mil milhões de euros, a capitalização bolsista do FTSE 100 ultrapassa os 2 biliões de euros.

O contexto nacional

Qualquer dos argumentos apresentados em cima poderá ser aceite, mas nenhum invalida que estas empresas, atuando ou não fora de Portugal, e estando ou não em concorrência com outras empresas, se inserem num contexto de salários dezenas de vezes mais baixos do que o destes CEO.

A primeira comparação a fazer é a que foi feita no início deste exercício. Em média, os gestores do PSI-20 ganharam 868.686 euros no passado. Os trabalhadores destas empresas, por seu lado, ganharam uma média 34.362 euros em 2016. Para se ter uma ideia desta disparidade, estes valores significam que um CEO do PSI-20 só teria de trabalhar 10,44 dias para ganhar aquilo que o seu trabalhador médio ganhou num ano inteiro.

Mas há vida para lá do PSI-20, e é ainda mais desigual. Neste trabalho, o ECO já explicou que o trabalhador médio português recebe, por ano, 21.156 euros, o que equivale a pouco mais de metade do vencimento anual médio da União Europeia: 33.774 euros. O vencimento anual médio anual em Portugal representa, assim, apenas 62,2% da média europeia, e Portugal está perto do fundo da tabela quando comparado com os parceiros europeus. Se não bastasse, os portugueses trabalham, em média, 42 horas semanais, sendo o quarto país da União Europeia que mais horas trabalha.

Portugal é, ainda, o país da União Europeia onde há maior disparidade entre os salários brutos mais altos e o médio. Os dados mais recentes do Eurostat, relativos a 2014, mostram que a média dos salários mais elevados em Portugal é 2,8 vezes superior à média de todos os salários.

Prova dos 9

Não há uma resposta de sim ou não para a pergunta de partida, porque os salários dos CEO do PSI-20 não podem ser analisados à luz de um só contexto.

“Números são números, mas é preciso saber como os calculamos, quais as premissas de cálculo e comparar realidades que são comparáveis. Depende do setor, da saúde financeira da empresa, das características do coletivo de colaboradores, da estratificação organizativa da empresa, do alcance geográfico da empresa, de onde vem o EBITDA, etc.”, defende Pedro Rocha Matos.

Assim, por um lado, pode considerar-se que estes gestores ganham pouco quando comparados com os seus pares europeus (isto partindo do princípio que os salários dos CEO de outros países são justos, o que implica uma outra análise). Além disso, e ainda do ponto de vista internacional, é preciso considerar que algumas destas empresas atuam em países onde os salários são mais baixos do que aqueles são pagos em Portugal, pelo que o salário médio praticado pela empresa baixa, aumentando, por sua vez, a disparidade salarial entre o CEO e o trabalhador médio.

Por outro, os salários poderão ser considerados justos, se se considerar a performance da respetiva empresa.

Por outro lado ainda, se é certo que os gestores do PSI-20 atuam a nível internacional, é certo também que vivem em Portugal, com o nível de vida que é praticado em Portugal. E, aí, têm um nível salarial elevado.

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