Roland Kupers: o que é, afinal, a inovação?
Roland Kupers é académico e escritor. No currículo, tem empresas como a AT&T e a Shell. Vai estar no encontro anual da COTEC para explicar o que é, afinal, a inovação. Antes disso, falou com o ECO.
Quando se pergunta a Roland Kupers o que devem fazer as empresas para serem mais inovadoras, o autor holandês não entra em clichés. Primeiro, é preciso saber o que é a inovação. Só depois é possível entender como se chega até ela. Físico teórico de formação, diz-se um académico interessado “em sistemas e em como a mudança acontece”. É ainda consultor, professor na Universidade de Oxford e “escritor a tempo inteiro”. Antes, passou 11 anos na AT&T e mais 12 anos na Shell. E é o orador principal do Encontro Nacional de Inovação que a COTEC promove este ano em Matosinhos, no próximo dia 16 de maio.
“É preciso compreender o que é, afinal, a inovação. Muitos consultores e académicos escrevem sobre como se faz melhor inovação, mas o que é isso?”, questiona Roland Kupers, em conversa com o ECO. Para responder à pergunta que também dá título a este artigo, faz o que fazem muitos outros escritores — recorre a um livro: The Nature of Technology, de Bryan Arthur, “um dos fundadores do Santa Fe Institute, onde a ciência da complexidade nasceu há quarenta anos”. O livro, diz Kupers, parte do pressuposto de que é “um erro” ver a inovação apenas como fazer algo novo.
"Muitos consultores e académicos escrevem sobre como se faz melhor inovação, mas o que é isso?”
Então, se não é fazer algo novo, o que é? Para Kupers, inovação é a “recombinação de coisas que já existem, de uma forma nova”. A partir daqui, abre-se um novo leque de conclusões. “Significa que, se queremos inovar, temos de ter acesso a muitas ideias que já existem e temos de ter a capacidade de as recombinar de forma diferente”, explica. Por isso é que, em matéria de inovação, “é incrivelmente importante ter estruturas colaborativas” e “encontrar formas de entrar em clusters e em parcerias com universidades”, por exemplo. No fim do dia, tem de haver uma mais-valia nisso.
Kupers sabe do que fala. Em 2012, reuniu dez presidentes executivos de empresas multinacionais num bar em Davos, um projeto colaborativo que pôs uma dezena de gigantes a trabalhar em conjunto. Seria possível fazer o mesmo com pequenas e médias empresas (PME)? O autor acredita que sim: “Acho que podem. Seria bastante diferente. Mas, por exemplo, uma das coisas de que vou falar é a disciplina de fazer cenários como uma forma de explorar o futuro. É uma metodologia posta em prática por governos e empresas. Para PME individuais isto não é possível, porque não têm o staff ou os recursos para o fazer. Ainda assim, é possível imaginar que, coletivamente, seja a COTEC ou outra [entidade], faça um exercício de cenários futuros com múltiplas PME a partilharem visões de futuro”, indica.
A pergunta não foi inocente. Num Portugal em que mais de 99% do tecido empresarial é composto por PME, parece difícil imaginar várias destas empresas, algumas concorrentes e de setores completamente diferentes, a trabalharem em conjunto por mais e melhor inovação. Mas é também nesta altura que Roland Kupers deixa um alerta: essa inovação, essa novidade, é quase sempre trazida para cima da mesa por novas empresas. Se há um novo produto ou serviço, Kupers considera que “deviam já existir empresas” para o comercializar, “em vez de se criarem novas empresas ou aparecerem startups que são criadas à volta dessa novidade”. São “as mesmas pessoas” a criarem essas novas empresas, recorda.
O tema do encontro da COTEC deste ano é “Inventar o Futuro”. Sobre isto, perguntamos ainda a Kupers se as empresas estão a inventar o futuro, ou é o contrário. O autor responde que “as empresas existentes contribuem claramente para o futuro”, mas reitera a ideia de que, na “maioria das vezes, são as empresas novas e não as existentes”. “Na revolução IT [tecnologias da informação], a maioria das empresas desapareceu e novas tomaram o seu lugar. Na transição energética, estamos à espera de que aconteça o mesmo”, prevê.
[Inovação é a] recombinação de coisas que já existem, de uma forma nova. Se queremos inovar, temos de ter acesso a muitas ideias que já existem e temos de ter a capacidade de as recombinar de forma diferente.
As empresas não inovam. Porquê?
Roland Kupers é perentório: a generalidade das empresas existentes, principalmente as grandes empresas, não são capazes de inovar — ou seja, não tem capacidade de pegar em ideias existentes e de as recombinar em algo novo. Desafiado a explicar o fenómeno, o académico indica: “As empresas [grandes] não estão programadas para inovar. O que acontece é que a concorrência força as empresas a serem extremamente eficientes. E a eficiência chega à custa da capacidade de adaptação. Se querem ser inovadoras e capazes de se adaptar, não podem ser altamente eficientes. E as empresas têm de ser eficientes, pois têm de sobreviver e de fazer dinheiro e tudo isso.” É uma pescadinha de rabo na boca. E, na maioria dos casos, o que as grandes empresas podem fazer é adquirir a inovação desenvolvida pelas menores.
"As empresas [grandes] não estão programadas para inovar. O que acontece é que a concorrência força as empresas a serem extremamente eficientes. E a eficiência chega à custa da capacidade de adaptação.”
Sobre o tema, a COTEC vai lançar novos dados para o debate. Em Matosinhos, irá apresentar um estudo onde mostra boas razões para as empresas apostarem em inovação. Como Jorge Portugal, o diretor-geral da associação, já tinha avançado ao ECO, trata-se de um trabalho “inédito” em que “se demonstra que as empresas inovadoras conseguem um desempenho empresarial superior”. Nomeadamente, “são, em média, maiores e conseguem ter maior eficiência sobre a utilização dos seus ativos; e são maiores empregadores e pagam melhores salários”, referiu. Por sua vez, Roland Kupers dá como importante a capacidade de inovação, acima de tudo devido ao futuro incerto e ao mundo cada vez mais turbulento.
Vejamos: “Existem todas as indicações de que o mundo à nossa volta está a ficar cada vez mais turbulento. Ou seja, mais mudanças rápidas, mais incerteza do que alguma vez houve. E isso acontece por vários motivos: existem mais pessoas, estão mais ricas e estamos basicamente a correr contra a capacidade de carga do mundo natural. Essas três coisas, juntas, criam um mundo muito turbulento, com surpresas desagradáveis e algumas agradáveis”, remata Kupers. E lembra: “os últimos 25 anos foram relativamente suaves comparativamente com os próximos 25 anos. É extraordinariamente importante para as empresas serem ágeis e serem capazes de navegar na crescente incerteza. Portanto, têm de desenvolver as capacidades de adaptação”, defende.
"Os últimos 25 anos foram relativamente suaves comparativamente com os próximos 25 anos.”
O autor de A Essência dos Cenários é o orador principal do Encontro Nacional de Inovação, a decorrer no CEiiA, em Matosinhos, a 16 de maio. “Vou falar sobre a natureza da inovação: o que é e como se pode fazer. Vou também falar do porquê de o futuro ser mais incerto do que o passado. Essencialmente, a questão fica: como fazer inovação num futuro incerto? E, depois, vou dar algumas sugestões sobre como na colaboração entre PME, por exemplo fazendo cenários, as empresas podem ser mais inovadoras e navegar na incerteza do futuro. Ou seja, três elementos: porque é que o futuro é incerto, o que é a inovação e algumas sugestões sobre inovar em incerteza”, desvenda.
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