A poucos dias do encontro COTEC Europa, o ECO falou com Francisco de Lacerda, presidente da associação em Portugal, sobre o tema que une o país a Espanha e a Itália. Duas palavras: economia circular.
Uma economia mais circular é aquela que otimiza o ciclo de vida dos materiais. Os recursos são limitados e isso exige medidas, alterações profundas à forma como funcionam a economia, a sociedade e as empresas. A encabeçar este movimento em Portugal está a COTEC, Associação Empresarial para a Inovação, que tem conseguido pôr o tema na agenda política e mediática.
Francisco de Lacerda lidera a COTEC. O presidente da associação estará esta sexta-feira em Espanha para o encontro anual COTEC Europa, um evento que junta a instituição às homólogas espanhola e italiana. Com ele, uma grande comitiva de empresas portuguesas à qual se junta o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e o comissário europeu, Carlos Moedas.
O que é a economia circular e porque é tão urgente caminhar para uma economia mais circular?A economia circular é um tema muito relevante para alterar o paradigma de funcionamento das empresas e da atividade económica em geral. Já todos sabemos as preocupações que temos de ter com o planeta e com a pegada ecológica, mas é bastante mais que isso. É mesmo a forma de pensar em modelos de negócio que permitem aumentar a produtividade dos materiais utilizados, para além da produtividade de trabalho que é fundamental para o crescimento, para o desenvolvimento e para permitir pagar rendimentos adequados a quem trabalha.
A produtividade dos materiais também é uma condição de competitividade. A economia circular permite avançar também nessa frente. É uma alteração substancial que passa por alterar os próprios modelos de funcionamento, o próprio desenho dos equipamentos, das peças, das máquinas, das ferramentas e de toda a cadeia de produção que se liga muito com uma forma diferente de pensar e de ver esta questão mas, também, com as possibilidades que o mundo cada vez mais digital permite. As coisas estão interligadas e a economia circular, a digitalização e a quarta revolução industrial são conceitos que, não sendo o mesmo, estão interligados e se ligam no tempo.
Estamos a falar de mudanças muito profundas nas empresas e na sociedade. É possível?As mudanças têm sempre os seus desafios. Possível é certamente e, além de possível, é também necessário. Quando estes movimentos começam a acontecer, quem se consegue adaptar e evoluir mais rápido é quem mais rapidamente tem condições de competitividade para ser bem-sucedido. Isto responde à questão da urgência ou, pelo menos, da necessidade de pôr o assunto na agenda e de sensibilizar e motivar um conjunto alargado de agentes económicos para esta realidade. Foi essa a consciência de que essa necessidade existia, e da vantagem de consciencializar a economia em geral que, ligada a temas de inovação, levou a que a COTEC Portugal, no encontro nacional de novembro passado, tenha escolhido a economia circular como tema.
Como é que estes temas se encaixam na missão e nos objetivos da COTEC Portugal e até do grupo 'Itália, Espanha e Portugal'?"Quando estes movimentos começam a acontecer, quem se consegue adaptar e evoluir mais rápido é quem mais rapidamente tem condições de competitividade para ser bem-sucedido.”
A missão da COTEC Portugal é promover o crescimento económico baseado em inovação que incorpore conhecimento — crescimento económico e valor acrescentado pelo conhecimento. Este aspeto da economia circular liga-se porque estamos a falar de inovação e estamos a falar de conhecimento aplicado para permitir fazer essa mesma inovação. Aí, quer em termos de alteração dos processos produtivos e da forma como trabalham nas áreas em que trabalham, quer por exploração de oportunidades que estas novas atividades vão permitir — e não há razão nenhuma para não serem empresas portuguesas a ter um papel a nível do mundo onde nos mexemos, nomeadamente a União Europeia –, é claramente um tema de inovação e um tema ligado à criação de valor acrescentado e à subida na cadeia de valor acrescentado que a COTEC, desde há 13 anos, está permanentemente a promover.
As empresas e os decisores políticos já estão alerta para os benefícios de economia circular em detrimento de uma economia linear, como a que temos agora?"Não há razão nenhuma para não serem empresas portuguesas a ter um papel a nível do mundo onde nos mexemos.”
Claramente, o poder político está sensibilizado e até apoia com algum relevo. No nosso encontro nacional esteve a ministra da presidência e descreveu os planos do Governo e as iniciativas sobre esses temas. A participação a nível do comissário europeu português, e de outras pessoas de topo da estrutura da Comissão Europeia, mostra que, a nível europeu, essa consciencialização também existe.
As empresas existem em todas as fases. Há obviamente as mais avançadas, há outras que estão a ser alertadas para este aspeto pela primeira vez. E o nosso objetivo é que o número de empresas que, além de alertadas, estão a começar a tomar iniciativas nesta direção, vá aumentando a uma velocidade que permita aproveitar as oportunidades. E que, ao mesmo tempo, não tenham impactos negativos fortes no momento em que apareçam posições competitivas diferentes daqueles que aproveitaram as oportunidades.
Depois de os identificar e de os eleger, é fazer alguma análise e reflexão sobre o assunto e criar debate. A iniciativa anual mais forte é o Encontro Nacional de Inovação. Mas temos contactos regulares com os associados e com o tecido empresarial em geral, quer diretamente, quer através das associações setoriais. No contacto direto com os associados, lançámos temas como almoços temáticos onde um conjunto de CEOs debate determinado aspeto e, por isso, vai-se ganhando sensibilidade, perspetiva, conhecimento do que é a realidade. Há os dias de associado em que, a nível de cada associado, com muitas outras empresas que participam, também são explorados e debatidos determinados aspetos. Há um tipo de evento a que chamamos CEO Dialogue que, no fundo, é uma conferência maior, mas onde há apresentações que debatem determinados temas. Fizemos há pouco tempo um sobre a inteligência artificial. No fundo, a COTEC é uma associação que reúne grandes empresas, médias empresas e um conjunto de mais de 200 PMEs [Pequenas e Médias Empresas] inovadoras. Neste conjunto de empresas, o que a COTEC faz é dinamizar os aspetos inovadores que identifiquem cada momento.
É, de certa forma, lançar a semente.É lançar a semente, lançar o debate, lançar a consciencialização e tentar que haja ação sobre esses temas.
Há abertura por parte das PMEs?"O poder político está sensibilizado e até apoia com algum relevo.”
Em Portugal, não é só nas associadas da COTEC, vemos PMEs bastante inovadoras e que procuram oportunidades e melhorias no que fazem. Outras estão noutras fases e, portanto, a resposta que eu lhe posso dar é que sim: que há abertura das PMEs, embora a concretização que daí advém varia de caso para caso e de empresa para empresa.
Como é que, para além de gerar a discussão, aceleramos a transição para a economia circular?É um trabalho contínuo. Não é o género de questão em que, de repente, se faz uma revolução e se passa de uma situação para outra diferente. No fundo, tudo isto faz parte de uma realidade que mostra que há um modelo que pode funcionar melhor em termos eficiência económica, da produtividade dos materiais e de impacto no planeta. Estamos a falar de difusão de boas práticas, mas estamos a falar de investimento, e investimento significa arranjar recursos para investimento, e investir desta forma e não de outras.
Há barreiras a essa transição?Há sempre barreiras, sendo que a principal é a inércia. Tudo o que é fazer diferente obriga a um esforço adicional para fazer com que comece a acontecer. É disso que estamos a falar e a tratar. Toda esta visibilidade que queremos dar à economia circular é o aspeto principal de tentar fomentar essa mudança na direção de uma economia mais circular e menos linear.
Dia 10 de fevereiro vamos ter o encontro COTEC Europa. O que é que a COTEC Portugal vai fazer lá e vai levar de novo?"Há sempre barreiras, sendo que a principal é a inércia. Tudo o que é fazer diferente obriga a um esforço adicional.”
A adesão dos nossos associados à participação na COTEC Europa está em níveis muito elevados. Teremos mais de 40 associados a participar e não temos mais porque não há espaço físico. A COTEC Europa tem empresas e entidades dos três países e, dentro do que podemos levar, já conseguimos estender. Este número é um muito bom sinal. Depois, o tema anda à volta da economia circular. Há intervenções de fundo dos diretores gerais das três COTECs que é normalmente como começa esta reunião. Mas há também, este ano, intervenções de empresas, nomeadamente portuguesas, a expor casos, a expor experiências.
Já tem alguns casos de sucesso que vá levar à COTEC Europa?Há abertura das PMEs, embora a concretização que daí advém varia de caso para caso e de empresa para empresa.
Por exemplo, a TMG Automotive que, além disso, é inovadora: ganhou o prémio do produto inovador nesta última edição [do Encontro Nacional de Inovação] e é um muito bom exemplo de um setor dito tradicional mas muito moderno — os têxteis técnicos, que é a área de atuação, é um muito bom exemplo do que foi a mudança muito significativa em Portugal. Há também um aspeto que está batizado como “os desafios à volta deste tema”, onde haverá um debate que tem como presença principal o comissário Carlos Moedas. Depois, há as intervenções institucionais dos três Chefes de Estado, incluindo do Presidente da República Portuguesa, que sempre demonstrou o apoio institucional e o apoio àquilo que os associados das COTECs fazem em prol do aumento da inovação e de contribuir para o crescimento das economias.
Quais os temas que a COTEC vai levar ao evento este ano?"No fim do dia, a inovação é fazer coisas diferentes que tenham valor económico.”
Eu elegeria primeiro um tema à volta das redes de digitalização, principalmente da digitalização inteligente, chegando à inteligência artificial. Isto está muito ligado ao trabalho que a COTEC começa a ter no seu papel de interventor na estratégia da Indústria 4.0. Uma segunda área é estimular o investimento em inovação circular. Depois, elaborar também um novo índice de Innovation Scoring, com algumas características diferentes do que existe hoje e com o objetivo de vir a ser utilizado por algumas instituições financeiras como um indicador que reforça os métodos de medição de risco de crédito.
Já falei também de várias questões em termos do contacto permanente com os associados. E, depois, nas várias fases de educação e de formação no sentido mais lato, para que a população em geral tenha qualificação para que possamos ter um país que funcione bem nestas questões. Por último, o investimento em conhecimento pelas grandes empresas e pelos midcaps que vem na mesma linha do conhecimento, da ligação das universidades e da investigação, e dos universitários. Porque, no fim do dia, a inovação é fazer coisas diferentes que tenham valor económico — e dentro desta definição, onde cabem muitos aspetos, mas que é o que reforça o valor acrescentado e o que permite ser competitivo neste mundo global em que vivemos.
Passa pelas empresas, pela questão da formação e pela própria sociedade.Tudo a ver com a inovação, tudo a ver com o conhecimento, que é o core das preocupações da COTEC.
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Lacerda: Economia circular? “Além de possível, é necessário”
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