Oito meses no alojamento local podem chegar para ganhar um ano de rendas

Explorar um alojamento local pode render mais 40% do que arrendar uma casa para habitação. É mais atrativo do que o arrendamento tradicional, mas há muitas variáveis a ter em conta.

O nível de rentabilidade do negócio do alojamento local tem vindo a desincentivar os proprietários de colocarem as casas no arrendamento tradicional de longa duração. Isto porque, em alguns meses, quem explora um alojamento local consegue obter o mesmo rendimento que o proprietário que coloca uma casa no arrendamento tradicional obtém num ano. Pode bastar arrendar cerca de oito meses a turistas para conseguir o mesmo valor anual com rendas.

As ideias foram partilhadas por João Queirós, investigador da Universidade do Porto e docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, durante uma audição feita pelo grupo de trabalho que está a discutir, no Parlamento, as propostas de lei para alterar a legislação que regula o alojamento local.

Ouvido pelos vários grupos parlamentares na primeira audição deste grupo de trabalho, o sociólogo citou estudos do Inside Airbnb, um projeto independente que junta dados estatísticos desta plataforma de alojamento local. Um dos estudos em causa mostra que, em média, os proprietários de uma casa em Los Angeles, nos EUA, precisam de colocá-la em alojamento local por apenas 83 dias para obter o mesmo rendimento que conseguiriam se alocassem esta mesma casa ao arredamento tradicional — isto olhando apenas para as receitas, excluindo custos e fiscalidade. Outros estudos relativos ao mercado norte-americano, para cidades como Nova Iorque, mostram uma tendência semelhante.

"Há muito desconhecimento sobre a fórmula económica do alojamento local, bem como sobre a diferença entre a receita e o lucro, o que gera declarações que estão longe da realidade.”

Eduardo Miranda

Presidente da ALEP

Contudo, não há ainda análises que façam esta comparação para o mercado português. Por outro lado, como o próprio João Queirós reconheceu, “as realidades à escala nacional são muito diferentes umas das outras” e Lisboa e o Porto não são comparáveis à maioria das restantes cidades do país. Ainda assim, considera, “há um desincentivo aos proprietários para que coloquem as casas no arrendamento permanente“.

O ECO foi fazer contas. A conclusão é que dificilmente uma casa arrendada para habitação rende tanto como um alojamento local. Mas a realidade portuguesa está longe da que se verifica naquelas cidades norte-americanas. Contactado, Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), refere que “há muito desconhecimento sobre a fórmula económica do alojamento local, bem como sobre a diferença entre a receita e o lucro, o que gera declarações que estão longe da realidade”.

Há muitas variáveis a ter em conta. Desde logo, a sazonalidade, que leva a uma variação significativa dos preços praticados ao longo do ano, ao contrário do que acontece com as casas arrendadas. Os dados fornecidos ao ECO pela plataforma de estatísticas AirDNA mostram que, durante o ano de 2017, o preço médio praticado pelos alojamentos locais (casas inteiras, que representam mais de 75% do universo do alojamento local) registados no município de Lisboa rondou os 60 euros, ultrapassando os 70 na época alta e caindo para menos de 50 na época baixa. Nesse ano, a taxa de ocupação média em Lisboa, ainda segundo os dados da mesma plataforma, foi de 70%.

Preço médio do alojamento local em Lisboa foi de 60 euros por dia. Ocupação foi de 70%

Por outro lado, há custos, que podem ser semelhantes ou significativamente mais elevados do que no arrendamento tradicional, dependendo do tipo de serviço que se presta. Aqui, consideramos que os custos (incluindo água, eletricidade, obras pontuais, limpezas e serviços de gestão do alojamento local) representam 25% das receitas.

Também há diferenças na parte fiscal. No caso do arrendamento tradicional, rendimentos prediais provenientes de imóveis ficam sujeitos a tributação à taxa de 28%. Já no caso do alojamento local, os proprietários podem optar pela taxa de 28% ou escolher o modelo de tributação em que o imposto incide sobre 35% do rendimento total obtido com o alojamento local. Essa parcela de 35% é englobada nos restantes rendimentos (remuneração salarial, entre outros) anuais do contribuinte e tributada em sede de IRS.

Tendo todas estas variáveis em conta, assumimos, por exemplo, uma casa inteira destinada a alojamento local, em Lisboa, com uma tarifa média diária de 60 euros e uma taxa de ocupação média de 70% durante um ano, o que equivale a uma receita anual de 15.330 euros. O rendimento tributável, de 5.365 euros (35% da receita total), é englobado nos restantes rendimentos do contribuinte e tributado em sede de IRS.

Em Portugal, a larga maioria dos contribuintes está no escalão entre 7 mil e 20 mil euros por ano, sujeitos a uma taxa de IRS média de 23,6%. Assumindo que o contribuinte aufere o máximo de 20 mil euros anuais, e somando-lhe os 5.365 euros resultantes do alojamento local, passaria a estar sujeito, no ano passado, a uma taxa média de 30,3%. O imposto faz baixar a receita líquida, mas não tanto quanto os custos — estimados em 3.832 euros ao ano, em média –, que atiram o saldo final para 9.872 euros num ano.

Fazendo agora a estimativa para a mesma casa colocada no arrendamento tradicional. As consultoras imobiliárias apontam para uma renda média de 800 euros em Lisboa, ainda que não existam dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). Importa também ressalvar que os preços das casas têm aumentado a um ritmo acelerado na capital e que não é difícil encontrar um T1 por mil euros ou mais. Considerando uma renda de 800 euros por mês, o proprietário obtém 9.600 euros por ano. Com uma tributação de 28%, a receita líquida é de 6.912 euros anuais, sem contar custos como a manutenção da casa (o IMI não foi considerado em nenhum dos casos).

Significa isto que o alojamento local terá, neste cenário, uma rentabilidade superior em 43% à do arrendamento tradicional. E significa também que, para obter o rendimento de um ano de rendas tradicionais, um proprietário de alojamento local só precisa de arrendar a casa a turistas durante oito meses e meio, um período, ainda assim, bastante superior ao que se verifica nas cidades norte-americanas (ainda que os valores apresentados para estas não contemplem custos nem fiscalidade).

Mas mesmo assumindo uma casa com uma renda mensal de 1.000 euros, o alojamento local continua a ser mais rentável. Nesse caso, a receita líquida de um senhorio que coloque a casa no arrendamento tradicional seria de 8.640 euros por ano. Aí, o alojamento local teria uma rentabilidade superior em 14% e, para obter o rendimento de um ano de rendas, o proprietário teria de colocar a casa em alojamento local durante 10 meses e meio.

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