Três objetivos cumpridos e cinco riscos que a recompra da TAP trouxe para o Estado

O Tribunal de Contas critica a recompra da companhia pelo Estado, que continua a não mandar, apesar de ser o maior acionista. O negócio trouxe cinco grandes riscos para o Estado, considera o tribunal.

A recompra de parte do capital da TAP pelo Estado português merece nota positiva por parte do Tribunal de Contas (TdC), por ter sido um processo “regular” num “contexto de instabilidade legislativa e de sucessivas alterações contratuais em matérias complexas”, bem como por ter sido “eficaz” no cumprimento de alguns objetivos, como o da recuperação do controlo estratégico da companhia aérea. Mas a entidade fiscalizadora não poupa críticas ao negócio, que deixou o Estado português a assumir mais riscos do que o acionista privado da empresa de aviação.

Na apreciação que faz aos processos de reprivatização e de recompra da TAP por parte do Estado, o TdC identifica três objetivo alcançados e cinco riscos subjacentes à operação de reversão da privatização concretizada pelo Governo de António Costa em 2017. Para cada um destes riscos, o Governo apresenta a sua própria análise e justificações.

5 riscos

Estado paga, mas não recebe

O primeiro risco apontado pelo TdC é a “desproporção entre a participação no capital social e os direitos económicos detidos“. Quando a operação de recompra ficou concretizada, em junho de 2017, o Estado ficou com 50% do capital TAP e o consórcio Atlantic Gateway com outros 45%, tendo os restantes 5% sido depois adquiridos por trabalhadores da companhia aérea. Contudo, os direitos económicos não correspondem à participação no capital.

Com a recompra, o Estado passou de direitos económicos de 34% (os que detinha aquando da operação de privatização) para apenas 5%. Pelo contrário, o consórcio Atlantic Gateway, que no acordo de privatização detinha direitos económicos correspondentes à participação no capital, de 61%, passou a deter 45% do capital mas 90% dos direitos económicos. Os direitos económicos do Estado só poderão aumentar para um máximo de 18,75%, caso as obrigações de dívida detidas pela Parpública (a empresa estatal que controla a TAP) sejam convertidas em ações.

Esta desproporcionalidade entre a participação no capital e os direitos económicos “tem impacto economicamente relevante em caso de distribuição de dividendos (não prevista até 2022)”, aponta o TdC.

O Governo defende-se justificando que esta desproporcionalidade entre a participação no capital e os direitos económicos “serve o propósito de proteger o investimento privado e assegurar um retorno justo e equilibrado, face ao esforço executado com a capitalização da companhia”. Por outro lado, esta desproporcionalidade “é meramente circunstancial e não tem tradução na distribuição de dividendos num horizonte temporal de curto e médio prazo (pelo menos, até 2022)”. Por fim, num cenário “de eventual abertura de capital a terceiros”, através de uma entrada em bolsa, “as ações nas vésperas dessa operação obrigatoriamente terão de ser convertidas à mesma categoria, pelo que necessariamente terá de existir correspondência entre direitos sociais e direitos económicos“.

Os argumentos não convencem o TdC. “Confirmando-se as perspetivas financeiras, o Grupo TAP passará a ter capital próprio positivo a partir de 2022 e a estar em condições de distribuir dividendos nos anos seguintes”, refere. A Parpública terá, assim, menor retorno do que os acionistas privados.

Empréstimo obrigacionista traz responsabilidade adicional

A recapitalização de 217,5 milhões de euros feita pelo Atlantic Gateway manteve-se com o montante e prazos inicialmente previstos, mesmo com a recompra de capital por parte do Estado. Contudo, o empréstimo obrigacionista que lhe estava associado, de 120 milhões de euros, sofreu uma alteração dos subscritores, e a Parpública passou a ser detentora parcial deste empréstimo, com a subscrição de 30 milhões de euros.

Esta operação, considera o TdC, trouxe “responsabilidade/risco adicional” à Parpública. O Governo contrapõe que esta subscrição parcial de 30 milhões do empréstimo obrigacionista não é um risco, mas uma vantagem, já que há direito ao recebimento de juros.

Comprar participação dos privados tem “condições mais exigentes”

Em caso de “incumprimento insanável dos acordos” por parte do acionista privado, o Estado tem o direito de opção de compra da participação do Atlantic Gateway. Mas o exercício deste direito implica reembolsar o Atlantic Gateway pelos créditos detidos por este consórcio privado, incluindo o reembolso da capitalização de 217,5 milhões de euros. O TdC vê, assim, “condições mais exigentes” para comprar a participação dos privados.

Atlantic Gateway pode passar “prestações acessórias” para a Parpública

No acordo assinado entre o Estado e o Atlantic Gateway, as duas partes comprometeram-se a implementar um mecanismo de “prestações acessórias”, isto é, entradas adicionais de capital decididas em Assembleia Geral da TAP SGPS. Mas o Atlantic Gateway pode transferir para a Parpública a sua obrigação de realizar prestações acessórias, “o que pode originar, se não apresentar uma avaliação independente que justifique a necessidade de financiamento adicional para o Grupo TAP, um aumento de 2,5% dos direitos económicos da Parpública”.

Essa decisão só pode ser tomada pelo Atlantic Gateway a partir de 2022, mas o Governo antevê que o acionista privado não queira enveredar por esse caminho, precisamente porque transferir a obrigação de prestações acessórias à Parpública implica “uma penalização inicial de 2,5% de direitos económicos”, a favor do Estado.

“Não fosse este valor suficiente para desincentivar o acionista a proceder à transmissão dessa obrigação, não se pode olvidar que a remuneração destas prestações acessórias é feita à custa do decréscimo de direitos económicos dos demais acionistas, pelo que se poderá prever que, no seu interesse próprio, os acionistas se comportem zelosamente cumprindo com as suas obrigações”, acredita o Governo.

Estado é responsável pela capitalização

Sempre que os capitais próprios da TAP descerem abaixo do limiar mínimo definido, de 571,3 milhões de euros negativos, o Estado é o único responsável empresa.

“Após a recomposição do capital social, a evolução da situação económica e financeira da empresa e as estimativas apresentadas no seu plano de negócio (capitais próprios e resultados líquidos) são positivas”, reconhece o TdC. Mas “subsistem os riscos inerentes às obrigações assumidas pelo Estado e as projeções, até 2022, são insuficientes para aferir da sustentabilidade do negócio”, ressalva.

E três objetivos cumpridos

Para lá dos riscos, o Tribunal de Contas reconhece três objetivos que foram alcançados com a recompra de capital da TAP:

  1. “A recuperação de controlo estratégico com a posição de maior acionista (50%), considerada indispensável pelo papel determinante da empresa na projeção internacional de Portugal”. A recuperação de controlo estratégico garante também o “cumprimento do contrato de serviço público”;
  2. “A redução da taxa média de juro dos financiamentos, com poupança para a empresa”. A taxa média de juro dos financiamentos caiu de 4,7% para 3,75%;
  3. “A monitorização mais frequente da informação a reportar (de anual para trimestral)”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Três objetivos cumpridos e cinco riscos que a recompra da TAP trouxe para o Estado

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião