Dinamarca tem capacidade de delegar competências. Em Portugal há falta de confiança

Com metade da população portuguesa, a Dinamarca dá cartas no dinamismo empresarial, sobretudo no que toca a delegar competências. Uma hierarquia plana elimina os formalismos e facilita o diálogo.

Empresas de dimensão mundial nasceram na “pequena” Dinamarca. O país, com cerca de metade da população portuguesa, tem como “cartão-de-visita” alguns gigantes a nível empresarial, desde a Lego, passando pela Carlsberg, Maersk ou Vestas. Aparecendo como a 10.ª economia mais competitiva do mundo, a Dinamarca, que apresenta um mercado de trabalho muito eficiente, consegue mesmo a proeza de liderar no índice que mede a “disposição para delegar autoridade”, superando os restantes 139 países. O top 10 deste indicador é, de resto, dominado pelos países anglo-saxónicos e países nórdicos.

Já Portugal, aparece neste indicador em 70.ºlugar, sendo a 34.º país mais competitivo do mundo. Mas, o que é que a Dinamarca tem que falta a Portugal? A resposta não é fácil. Mas a cultura, a dimensão das empresas nacionais, a aversão ao risco e a capacidade de liderança ajudam a explicar.

Segundo um artigo da Universidade do Sul da Dinamarca, as empresas dinamarquesas são conhecidas por terem uma estrutura hierárquica muito plana, com as pessoas a relacionarem-se em pé de igualdade, independentemente dos cargos e das posições formais que ocupam. Ainda no mesmo artigo, pode ler-se que no típico local de trabalho dinamarquês, todos são incentivados a contribuir com ideias e opiniões profissionais. No fundo, todos os trabalhadores são chamados a envolver-se na tomada de decisão.

Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças e com uma experiência de mais de 50 anos no mundo empresarial, sobretudo ligados ao setor privado, desvaloriza completamente a questão da delegação de competências. Para Catroga “esta é uma variável de menor importância para o índice de competitividade do país e da sua produtividade”, sobretudo “quando comparada com a qualidade das políticas públicas e a qualidade dos sistemas de inovação”.

Ainda assim, o ex-ministro das Finanças nos governos de Cavaco Silva, diz que “nas pequenas e médias empresas, que predominam no tecido empresarial português já se começa a notar uma evolução positiva no sentido da descentralização por segmento de negócio”.

Catroga acrescenta que, “mesmo ao nível das empresas familiares essa delegação de competências já se faz sentir, havendo hoje uma separação entre o acionista (patrão da empresa) e a gestão cada vez mais profissional”.

Mesmo ao nível das empresas familiares essa delegação de competências já se faz sentir, havendo hoje uma separação entre o acionista (patrão da empresa) e a gestão cada vez mais profissional.

Eduardo Catroga

Por contraponto à opinião de Catroga, está Peter Villax. O gestor que está ligado à Associação das Empresas Familiares diz que “este tema é fundamental para o desenvolvimento do tecido empresarial português”. Villax adianta que o termo correto a utilizar é “liberdade” porque quem delega “dá liberdade”. Mas isso só pode acontecer “quando há valorização dos quadros o que leva a que a empresa funcione muito melhor”.

No fundo trata-se de… confiança. “Só delego quando sinto confiança de que o outro é capaz de levar por diante a missão”. Apesar desta opinião, Peter Villax reconhece que “é muito difícil abdicar do poder central, mas este é um tema fulcral para a vida das organizações”. Mas esta “liberdade” tem o reverso da medalha. “Se a pessoa em quem delego falha, eu tenho de a proteger, para que de futuro ela possa voltar a decidir”.

“Delegar é fundamental”, diz Ana Lehmann

Já a ex-secretária de Estado da Indústria, Ana Teresa Lehmann diz que esta posição de Portugal no ranking do World Economic Forum não a surpreende. “Estamos a falar do setor privado, mas penso que não haveria um grande desvio se, em causa, estivesse o setor público”.

Ana Teresa Lehmann assinala ainda que “temos, de facto, gestão de qualidade e casos de excelência em muitas empresas portuguesas. Mas temos também, infelizmente, gestores de topo com dificuldades em delegar“.

A ex-secretária de Estado sublinha que a capacidade de delegar “é uma característica fundamental da gestão de qualidade e para a eficiência das organizações“. E que o tempo “dos gestores que querem fazer um pouco de tudo está a terminar porque a concorrência os vai eliminando”.

“Considero que a capacidade de delegar funções implica conferir poder a outrem, mas tem também implícita a monitorização e o controlo do que é delegar. Porque delegar implica também que haja uma capacidade de definição de metas por parte da gestão”, diz Ana Lehmann. E isso, salienta, “leva-nos para outros dois conceitos muito importantes e que são a clareza e a transparência“.

A divisão do trabalho é, de resto, um tema antigo na teoria económica. Adam Smith, em Riqueza das Nações, já considerava a divisão do trabalho fundamental.

Ana Teresa Lehmann faz questão de salientar que “Portugal tem boas entidades capazes de competir com o melhor que se faz pelo Mundo”. Mas deixa um alerta: “A verdade é que temos ainda muitos chefes que não são líderes“, salientando que “as organizações serão tanto mais eficientes e eficazes quanto maior o grau de transparência”.

De resto, há vários conceitos que podem interligar-se quando se trata de delegar competências. Para a ex-secretária de Estado, “a valorização das pessoas e, sobretudo, a sua motivação são essenciais para a produtividade das organizações. Características que são fundamentais nas empresas de hoje, mas sobretudo nas empresas do futuro”.

Não menos importante, é a cultura de insegurança. Aliás, no relatório do Fórum Económico Mundial, no pilar 11, dedicado ao dinamismo empresarial e onde se situa a capacidade de delegar, aparece outro item bastante relevante e no qual Portugal, mais uma vez, compara mal: atitude perante o risco empresarial. Portugal aparece em 80.º lugar nesta categoria, liderada por Israel.

Ana Lehmann refere que “os dois itens estão relacionados porque delegar é um risco para quem delega”. “Um bom líder tem de saber transmitir segurança e confiança. Essa aversão ao risco é característica dos microgestores de processo e são muito complicadas para as organizações”, sublinha.

Mas o delegar pode não ser apenas na vertente interna. Externamente, através de parcerias e até da subcontratação de outras empresas, é também uma forma de delegar, até “porque hoje em dia não se consegue fazer nada sozinho”.

Mais emoção, menos crescimento

Luís Todo Bom põe a tónica do problema na dimensão das empresas portuguesas. Com o país a ser dominado por um tecido empresarial caracterizado por pequenas e médias empresas, Todo Bom diz que “o problema está em termos poucos grupos empresariais de grande dimensão”. Porque nesses, acrescenta, “os que existem são bem geridos e há delegação de competências”. Já nas PME, a história é outra.

Temos um tecido empresarial distorcido, e isso é um problema para a competitividade. Pequenas empresas e sobretudo pequenas empresas familiares onde não há delegação de competências, e onde existe um controlo de posse.

Luís Todo Bom

“Temos um tecido empresarial distorcido e isso é um problema para a competitividade. Pequenas empresas e, sobretudo, pequenas empresas familiares onde não há delegação de competências, e onde existe um controlo de posse”.

De resto, Luís Todo Bom diz que “as pequenas e médias empresas dos países nórdicos são completamente diferentes das PME nacionais, havendo uma clara separação entre controlo e posse“.

Para o gestor, basta ver que as empresas nórdicas crescem por via das aquisições e que, em Portugal, o crescimento é apenas orgânico, o que está “claramente interligado com o individualismo dos países mediterrâneos, e com o facto de os nórdicos serem menos emotivos que os portugueses, por exemplo”.

Na Dinamarca, o setor empresarial assume-se como um dos mais dinâmicos do mundo. O relatório sobre a Competitividade do Fórum Económico Mundial diz que isso se deve sobretudo à “pouca burocracia” e a uma “cultura de negócios marcada pela confiança e colaboração”. A estes fatores acresce a vontade de os dinamarqueses abraçarem novas ideias. A aposta na inovação e o número de patentes e marcas registadas são também notados dada a pequena dimensão do território.

A interligação de conceitos é grande quando se trata de gestão das organizações. Desde a emoção, passando pela (in)segurança, produtividade, competitividade, até à justiça, tudo é relevante.

Carlos Alves, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto e ex-vice-presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), não tem dúvidas: delegar competência “é delegar capacidade de decisão e responsabilidade“.

Ora, só se pode delegar responsabilidade, se for fácil apurar responsabilidades. Para Carlos Alves, “o facto de Portugal ser um país onde é tão difícil apurar responsabilidades funciona como um entrave à delegação de competências”.

Penso que uma das razões para que haja menos vontade de delegar competências é exatamente a lentidão da justiça em Portugal.

Carlos Alves

Carlos Alves lembra ainda que quando se fala de delegar não se fala apenas de um líder. “Podemos estar a falar de delegar competência do conselho de administração na comissão executiva, uma recomendação que a CMVM fez e que tem vindo a ser incrementada no seio das empresas nacionais”.

Mas acrescenta: “Penso que uma das razões para que haja menos vontade de delegar competências é exatamente a lentidão da justiça em Portugal“.

Não se premeia devidamente o mérito

Apesar de não haver muitos estudos em Portugal sobre a delegação de competências, há dados internacionais sobre a qualidade da gestão. Nicholas Bloom, professor da Universidade da Stanford, no estudo Academy of Management Perspectives, de fevereiro de 2012, afirma que não se premeia, em Portugal, devidamente o mérito. O estudo diz ainda que despendem-se recursos a avaliar o desempenho das pessoas mas que o processo é frequentemente inconsequente. Uma questão que entronca com a falta de motivação dos quadros o que leva à ineficiência das organizações.

A idade é também um fator importante visto que, muitas vezes, são empresas que estão muito associadas à figura do empreendedor/ fundador e por isso têm hierarquias mais fortes.

Álvaro Nascimento

O economista Álvaro Nascimento, ex-chairman da Caixa Geral de Depósitos, não se mostra surpreendido com os dados do relatório do Fórum Económico Mundial, mas evoca O’Neil para dizer: “Há empresas e empresas”.

Para Álvaro Nascimento, a questão tem a ver sobretudo com a dimensão das empresas portuguesas. “Em média, estamos a falar de PME com estruturas hierárquicas pouco densas e em que a delegação de competências é pouco vincada”. Até porque, como salienta o economista, “a idade das empresas é também um fator importante visto que, muitas vezes, são empresas que estão muito associadas à figura do empreendedor/fundador e, por isso, têm hierarquias mais fortes”. Nesses casos, refere, quando se passa da primeira geração, o efeito desvanece-se”.

O que eles têm e nós não?

Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.

Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.

Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.

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