Crise na Venezuela dá prejuízo às exportações nacionais? Empresas portuguesas respondem
Apesar da forte instabilidade política que se vive na Venezuela, as empresas portuguesas que exportam para o país dizem ainda não sentir necessidade de abandonar aquele mercado.
A cerca de 7.000 quilómetros de Portugal, na Venezuela, a instabilidade política que se vive é sentida pelas pessoas mas também pelas empresas. Os números mostram que as empresas portuguesas e consequentes produtos exportados para aquele país são cada vez menos. Atrasos nos pagamentos e falta de poder de compra são algumas das dificuldades apontadas. Contudo, as resistentes nacionais que continuam a exportar para a Venezuela dizem que o clima de instabilidade ainda não é suficiente para as fazer abandonar aquele mercado.
A Ferneto começou a exportar equipamentos de padaria para a Venezuela em 1996 mas, nessa altura, já era uma marca conhecida naquele mercado, uma vez que o negócio era liderado por portugueses da Madeira e de Viseu. “As ligações familiares, bem como as excelentes relações luso venezuelanas, garantiram as condições de arranque e a confiança para um projeto muito desafiante: a Ferneto Venezuela”, conta ao ECO António Neto, CEO da Ferneto. Criar esta empresa foi um passo importante para perceber as “reais necessidades do mercado” e “potenciar as exportações”. Embora tenha crescido e fortificado a posição naquele mercado — a empresa chegou a ter 25% da faturação concentrada no país –, nos últimos anos houve “alguns contratempos”.
"Nunca foi hipótese sair, nem tão pouco aceitamos considerar essa hipótese, enquanto resultado de vontade própria. Une-nos uma relação quase umbilical, de enorme respeito e agradecimento, quer na Venezuela e quer em Portugal.”
“A evolução política, e as limitações ao investimento que a mesma determinou, abalaram de forma muito significativa a nossa presença na Venezuela, diminuindo a exportação de alguns dos nossos principais equipamentos como as amassadeiras e batedeiras”, explica António Neto. Para a Ferneto já não é tão fácil exportar este tipo de equipamentos para aquele país da América latina. E é com “enorme preocupação” que a empresa olha para “as dificuldades e para todo o sofrimento da população em geral e dos portugueses em particular“, algo que considera “inaceitável”. No entanto, desistir daquele mercado não é opção. “Nunca foi hipótese sair, nem tão pouco aceitamos considerar essa hipótese, enquanto resultado de vontade própria. Une-nos uma relação quase umbilical, de enorme respeito e agradecimento, tanto na Venezuela como em Portugal”, remata o responsável.
Das batedeiras aos medicamentos
Em 2012, a BluePharma começou a enviar para a Venezuela os primeiros medicamentos produzidos pela empresa. “Primeiro para o mercado público e, desde há um ano, para o mercado privado”, conta Paulo Barradas, CEO do laboratório farmacêutico português. Nestes seis anos, nem todos foram de exportação. Exemplo disso foi 2018. “No ano passado não exportámos devido às dificuldades económicas, à falta de divisas e às dificuldades de pagamento. Acabou por não haver negócio”, revela.
"A economia quase desapareceu. Não produzem e a economia é quase baseada no petróleo. É um país bonito e com todas as condições para dar uma melhor qualidade de vida à sua população, mas isso não tem acontecido por opções políticas.”
O mercado está muito “estatizado”, com uma “iniciativa privada muito difícil”. A BluePharma exporta para a Venezuela através dos hospitais, “mas há sempre dificuldade na aquisição de medicamentos”. “A economia quase desapareceu. Não produzem, e a economia é quase baseada no petróleo. É um país bonito e com todas as condições para dar uma melhor qualidade de vida à sua população, mas isso não tem acontecido por opções políticas”, refere Paulo Barradas.
A empresa envia, em média, cerca de dois milhões de embalagens de medicamentos para a Venezuela todos os anos — a maioria antibióticos, hipertensores e antidiabéticos –, produzidos em Portugal, sem estar nos planos a instalação de uma sede naquele país. “Com a instabilidade que lá se vive, um investimento desses requer sempre estabilidade e segurança, e lá não encontrámos isso”. Independentemente dessa realidade, continua viva a vontade de estar presente no mercado venezuelano: “Temos feito investimento e temos um bom portefólio de medicamentos registados lá. E queremos rentabilizar esse investimento”, remata o CEO.
A Fiamma começou há cerca de três anos a exportar para a Venezuela máquinas de café, através de um cliente no Canadá que fez a ligação com uma empresa torrefatora no país latino. “O balanço é surpreendentemente positivo porque não estávamos à espera de nada. Não esperávamos vender nada para lá porque não temos feitos muitas visitas ativas ao país, nem vamos fazer para já”, explica ao ECO Miguel Meleiro, responsável pelo comércio externo da Fiamma. Anualmente, a empresa exporta para a Venezuela cerca de 25 máquinas de café, o equivalente a cerca de 50 mil euros. Todos os anos as exportações têm crescido cerca de 10%, um desempenho ajudado pela “forte apetência para o consumo de café expresso”.
"Nunca pensámos [deixar de exportar para a Venezuela]. Todos os mercados são bons para nós e não temos qualquer entrave em exportar seja para onde for. Qualquer mercado é razoável e bom para nós exportarmos.”
Dado que a Venezuela não é o principal mercado da Fiamma, com sede em Aveiro e um laboratório em Itália, o clima que se vive no país não afeta a perspetiva da empresa de forma muito significativa. “Seguramente não é dos nossos principais mercados. Se fosse um mercado como a Arábia Saudita, a Rússia ou o Dubai, isso preocuparia porque temos penetrações muito grandes”, explica Miguel Meleiro. Contudo, embora admita que “a grande instabilidade política levou a um enorme decréscimo do poder de compra”, diz que “tudo indica que as coisas terão que melhorar e não manter-se iguais”. Uma coisa é certa: continuar presente na Venezuela faz parte dos planos: “Nunca pensámos [deixar de exportar para lá]. Todos os mercados são bons para nós e não temos qualquer entrave em exportar seja para onde for. Qualquer mercado é razoável e bom para nós exportarmos”, sublinha.
Também presente na Venezuela, desde 2011, o grupo Lena tem vindo a registar uma quebra nas exportações desde 2016. “Entre 2012 e 2016 exportámos mais de 300 milhões de euros para a Venezuela. Desde 2016 que têm vindo a decrescer face às dificuldades do Estado em pagar atempadamente“, revela Joaquim Paulo Conceição. O grupo exporta para aquele país “tecnologia para produção modular de habitações”, tendo já construído duas fábricas responsáveis pela construção de 12.300 casas. A presença em território venezuelano envolve a contratação de mais de 300 colaboradores locais, refere o responsável ao ECO.
"Estamos atentos ao que se passa e naturalmente preocupados com a segurança de todos os nossos colaboradores, mas continuamos a achar que o país tem potencial ajustado para as atividades que prosseguimos.”
Além dos negócios diretos do grupo Lena, a empresa levou para o país mais de 100 outras empresas portuguesas parceiras do mesmo setor, como alternativa ao mercado nacional estagnado, “quando a construção em Portugal caiu a pique”, recorda Joaquim Paulo Conceição. Mas se esta foi uma das coisas boas do mercado latino, uma das coisas más “tem sido a forte liquidez do país demasiado dependente do preço do petróleo”. E, embora o cenário seja pouco positivo desde 2016 — e a empresa se diga preocupada com a segurança dos colaboradores — o grupo quer continuar a acreditar que a Venezuela “tem potencial ajustado para as atividades” que dirige.
“Até que a situação política esteja estabilizada, não será viável exportar”
Foi há cerca de 20 anos que a Azeol começou a exportar para a Venezuela. Era daqui que enviavam azeite, óleos vegetais e tempero culinário. Era. Porque, por enquanto, deixaram de enviar. “Até que a situação política do país esteja estabilizada, não será viável para nós exportar”, explicam ao ECO Avelino Santos, responsável pelo mercado venezuelano, e Jorge Elias, administrador da Azeol. Nos primeiros anos a exportar para aquele país, registaram-se “volumes significativos”, num mercado cujo ponto forte era o “grande consumo”.
"Neste momento isso não é possível, mas acreditamos que a situação vai melhorar e, portanto, não pretendemos desistir deste mercado, aguardamos apenas um futuro mais risonho.”
“O ponto fraco [do mercado venezuelano] sempre foi a situação política do país que veio a piorar consideravelmente nos últimos anos, tornando-se muito difícil a exportação, apesar da grande escassez de produtos no mercado“, explicam os responsáveis da Azeol. Mas, neste momento, para a empresa com sede em Torres Vedras, “as consequências são visíveis” e “as exportações estão estagnadas”, tendo-se verificado um “decréscimo acentuado” das mesmas nos últimos anos. Ainda assim, a empresa continua a querer exportar para aquele país, mas apenas quando a situação política estabilizar. “Neste momento isso não é possível, mas acreditamos que a situação vai melhorar e, portanto, não pretendemos desistir deste mercado, aguardamos apenas um futuro mais risonho“.
A Azeol é uma das nove empresas portuguesas associadas da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa. E é uma, entre as 50 maiores exportadoras para a Venezuela, que diz ser incomportável exportar para aquele país neste momento. Embora a maioria das exportadoras acredite que o clima de instabilidade ainda não é suficiente para as fazer desistir daquele mercado, a verdade é que os dados do INE mostram que o número de empresas portuguesas a exportar para o país tem vindo a diminuir consideravelmente. Se, em 2014, eram 198, no ano passado eram apenas 93. O mesmo desempenho verifica-se no valor das exportações: os 7,74 milhões verificados entre janeiro e novembro de 2017 reduziram-se a 3,82 milhões no mesmo período do ano passado, uma quebra de mais de 50%.
"As empresas serão tanto mais prejudicadas quanto mais estiverem expostas a este mercado. Em primeiro lugar assiste-se a uma diminuição da procura e depois a todos os riscos associados a um mercado instável como atrasos de pagamentos.”
“É sempre preocupante quando as exportações para um determinado mercado diminuem, principalmente para as empresas que possam ter uma maior concentração de vendas nesse mercado”, refere João Pedro Guimarães, secretário-geral da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, ao ECO. Se em 2014 a Venezuela era o 28.º cliente de Portugal, em 2017 caiu para a 106.ª posição, afirmou. “As empresas serão tanto mais prejudicadas quanto mais estiverem expostas a este mercado. Em primeiro lugar assiste-se a uma diminuição da procura e depois a todos os riscos associados a um mercado instável como atrasos de pagamentos“.
Do lado da Câmara do Comércio, que ajuda as empresas nos processos de internacionalização, o feedback que tem recebido é que “as empresas estão a abandonar o mercado”, afirmação comprovada pelos números do INE. E a melhor maneira de se defenderem “passa sempre pela redução da exposição e dependência face a um qualquer mercado, no caso, o Venezuelano”, remata.
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