Like & Dislike: O romance cor-de-rosa de Pedro Nuno Santos
O ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos fez uma declaração de amor à mulher. O que se esperava era uma declaração de incompatibilidades.
Esta sexta-feira foi publicada em Diário da República a nomeação de Ana Catarina Gamboa, mulher do ministro das Infraestruturas e da Habitação, como chefe de gabinete do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, pasta que antes era ocupada pelo próprio Pedro Nuno Santos.
É um caso de nepotismo? Não creio, uma andorinha não faz a primavera. O problema é que não é só uma andorinha, são mais de 20 andorinhas. São ministros casados com ministros, são ministros pais de ministros, são secretários de Estado casados com deputados, são amigos do primeiro-ministro que são promovidos, são filhos de amigos nomeados para ministérios, são cunhados de secretários de Estado nos gabinetes ministeriais e um sem número de outros casos, alguns dos quais relatados aqui nesta reportagem da RTP.
Rui Rio já falou sobre o tema, dizendo que, no Conselho de Ministros, “pela primeira vez na história de Portugal, senta-se marido e mulher e pai e filha”. São tantos os laços familiares que, quando o Governo se junta à mesa às quintas-feiras, mais parece um almoço de família. Os diálogos são do género: ‘Pai, passa-me o decreto-lei’, como quem lá em casa pede ‘Pai, passa-me o galheteiro’. Ou então, ‘Marido, aprova lá esse regulamento’, como quem lá em casa pede ‘Marido, prova lá este molho e vê como está o tempero’.
Pedro Nuno Santos, marido de Ana Catarina Gamboa, tem razão quando diz que “ninguém deve ser prejudicado na sua vida profissional por causa do marido, da mulher, da mãe ou do pai”. Perde a razão quando é o 20º elemento do Governo a dizê-lo e a usar este argumento para justificar a nomeação de algum familiar ou amigo.
O ministro Pedro Nuno Santos publicou um post no Facebook onde sai em defesa da decisão do seu amigo Duarte Cordeiro de nomear a mulher Ana Catarina Gamboa como chefe de gabinete.
O texto de Pedro Nuno Santos mais parece um romance cor-de-rosa (em todas aceções da palavra) daqueles lamechas e pirosos de Margarida Rebelo Pinto.
O ministro das Infraestruturas e da Habitação escreve que a mulher é “uma mulher bonita, divertida e com muita graça, inteligente, desafiadora e, sobretudo, competente.” Depois conta como se apaixonou pela agora chefe do gabinete do Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: “Desta vez, comigo mais maduro, e com a Catarina igualmente gira, divertida e inteligente, acabámos apaixonados um pelo outro.”
Uma história de amor de puxar às lágrimas, para tentar justificar a tese de que “ninguém deve ser prejudicado na sua vida profissional por causa do marido, da mulher, da mãe ou do pai”.
Pedro Nuno Santos tem razão. O problema é que as mulheres, os maridos, os pais, as filhas dos outros que também foram nomeados para o Governo eram igualmente pessoas “giras”, “bonitas”, “competentes” e, com certeza, que também estavam apaixonados. Não duvidamos que o amor do ministro das Infraestruturas seja sincero. Mas em vez de uma declaração de amor, estávamos à espera de uma declaração de incompatibilidades.
Há uma fronteira entre o “ela é uma pessoa de enorme competência” e o nepotismo. Essa fronteira já foi ultrapassa no Governo de António Costa. Não pela qualidade das pessoas em causa, mas pela quantidade. Isto corrói a democracia e é terreno fértil para partidos populistas e com ideologias perigosas. Que fazem as perguntas certas, e dão as respostas erradas.
Só há duas formas de resolver este problema: bom senso ou mudando a lei. O primeiro tem faltado. O Presidente da República, que tem tanto a dizer sobre tudo, não tem nada a dizer sobre este fenómeno? O PCP e o Bloco de Esquerda, antes guardiões morais do regime, nada têm a apontar aos colegas da geringonça?
Não havendo bom senso, resta mudar a lei. No Reino Unido, depois da descoberta de que 151 dos 650 deputados usavam dinheiro público para empregar familiares, mudou-se a lei. Na Argentina, Mauricio Macri aprovou uma lei para proibir ministros de contratar pessoas da família. Em França, depois do escândalo de François Fillon e da mulher, que ficou conhecido como Penelopegate, mudou-se a legislação para tornar ilegal que ministros, deputados e autarcas deem trabalho a familiares próximos. Violar a lei dá uma pena de três anos de prisão e uma multa de 45 mil euros, mais o reembolso dos salários entretanto pagos. Nos EUA, os democratas tentaram ressuscitar uma lei do tempo de John F. Kennedy quando Donald Trump escolheu a filha Ivanka Trump e o genro Jared Kushner para cargos de responsabilidade na Casa Branca.
Com a lei que criou a CReSAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública) não erradicámos, mas conseguimos colocar um travão aos ‘jobs for the boys’. Agora precisamos dar mais um passo em frente, para travar os ‘jobs for the family’. Há um provérbio popular que diz que “a família não se escolhe”. Devíamos levá-lo à letra.
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