Governo usa lei de combate ao financiamento do terrorismo para identificar donativos em plataformas de crowdfunding

O regulamento publicado em Diário da República garante que as plataformas de crowdfunding têm de identificar detalhadamente quem faz donativos, os montantes e as formas de pagamento.

O Governo recorreu à lei criada para combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo para obrigar as plataformas de crowdfunding a identificarem, de forma detalhada, todos as pessoas ou entidades que façam donativos. As obrigações passam pela identificação completa de quem faz donativos, incluindo nomes, moradas, dados de identificação como o número de contribuinte e do Cartão do Cidadão, valor dos donativos e método de pagamento e o mesmo se aplica às empresas. Regulamento publicado em Diário da República visa “clarificar” obrigações destas empresas.

Na sequência da greve dos enfermeiros, que conseguiram financiar duas greves com recurso a pedidos de donativos em plataformas de crowdfunding, o Partido Socialista (PS) já tinha dito que queria garantir mudanças que obrigassem à identificação de quem faz estes donativos. Na altura, a ASAE também pediu às plataformas que fizeram a angariação dos donativos que identificassem quem o tinha feito, algo que as plataformas resistiram, pelo menos inicialmente.

Depois de um pedido de parecer pela plataforma PPL, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) disse que “nada obsta” a que esses dados fossem disponibilizados à ASAE, lembrando que estas plataformas já estavam obrigadas a manter estes dados completos e competindo à ASAE fazer a verificação de que a lei estava a ser cumprida.

No entanto, o tema acabaria por não ser resolvido no Parlamento, mas através da aprovação de um regulamento pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) publicado esta segunda-feira em Diário da República. E para alcançar o seu objetivo, o Governo socorreu-se da Lei que estabelece as medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

Apesar de as empresas já estarem obrigadas a guardar estes registos, a ASAE disse em fevereiro que nunca tinha realizado qualquer inspeção porque a legislação aplicável a estas plataformas não estava ainda uniformizada com as medidas de combate ao branqueamento de capitais, e que faltava a publicação de um regulamento para o efeito, que estava a ser finalizado.

O regulamento agora publicado, com apenas nove artigos, obriga as entidades que gerem as plataformas de crowdfunding — apenas na modalidade de donativo ou recompensa — a fazerem a identificação completa dos beneficiários e dos apoiantes, assim como os montantes dos donativos, individualizados por apoiante e por operação, e ainda o modo de pagamento utilizado.

Obrigações para as pessoas singulares:

  1. Nome completo
  2. Data de nascimento
  3. Documento de identificação
  4. Número de identificação fiscal ou equivalente
  5. Endereço completo da residência permanente

Obrigações para as pessoas coletivas:

  1. Denominação
  2. Sede social
  3. Número de identificação da pessoa coletiva ou equivalente
  4. Código classificação atividades económicas ou equivalente

Com este regulamento, a ASAE consegue eliminar as dificuldades que teve aquando da greve dos enfermeiros, passando a garantir que todos os apoiantes numa plataforma de crowfunding estão completamente identificados, assim como os montantes das contribuições que fizeram e o número de contribuições.

Em fevereiro, o sindicato dos enfermeiros conseguiu angariar mais de 780 mil euros em donativos para apoiar as greves que fizeram. O recurso às plataformas de crowdfunding motivaram várias críticas, especialmente do Governo e do Partido Socialista, que questionaram também quem estaria a “financiar a greve”.

Todos os portugueses querem saber se algo ou alguém quer atingir o Serviço Nacional de Saúde (SNS). A grande questão é quem está e como está a pagar esta greve cirúrgica”, disse em fevereiro o deputado socialista João Paulo Correia, coordenador dos socialistas na comissão parlamentar de Orçamento.

Com exceção da identificação detalhada que têm de fazer, e da obrigação de conservarem a informação durante cinco anos, o regulamento só contempla mais uma norma, a única que faz referência direta a financiamento do terrorismo, e esta diz respeito ao dever que estas plataformas têm de comunicar ao DCIAP sempre que suspeitem de atividades criminosas desta natureza.

“Sempre que as entidades gestoras das plataformas de financiamento colaborativo de donativo ou com recompensa saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo, devem informar de imediato o Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria -Geral da República (DCIAP) e a Unidade de Informação Financeira, nos termos dos artigos 43.º e 44.º da Lei”, diz o regulamento publicado esta segunda-feira em Diário da República.

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