#Episódio 5. A agenda pessoal de Salgado nos últimos dias do GES

Os últimos dias antes da queda do grupo foram vividos por Ricardo Salgado com "uma intensidade horrível". Ex-líder do BES apontou na sua agenda pessoal calendário de reembolsos em risco de default.

Ministério Público apreendeu a agenda pessoal de Ricardo Salgado que ajuda a contar os últimos dias do grupo do BES.

Em junho de 2014, nos últimos dias da derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), o dia-a-dia de Ricardo Salgado estava a ser vivido “com uma intensidade horrível”, conforme chegou a confessar numa reunião do conselho superior do GES que teve lugar início daquele mês. Não era para menos. Ao longo daquele mês, venceria um conjunto de obrigações cujos reembolsos estavam em risco devido às dificuldades em obter novo financiamento para os reembolsos, antecipando-se o colapso.

Nessa altura, conta o Ministério Público no despacho de acusação no âmbito da investigação “Universo Espírito Santo”, Ricardo Salgado acompanhava de perto todos os montantes de dívida vincendos do GES, assim como os esforços das diferentes unidades bancárias da Espírito Santo Financial Group (ESFG) para colocarem nova dívida da Rioforte para fazer face aos reembolsos.

Todas estas operações foram “objeto de anotações profusas por si manuscritas na sua agenda pessoal”, descreve o Ministério Público. A agenda pessoal de ex-líder do BES foi um dos documentos apreendidos, tendo ajudado os magistrados do DCIAP a cruzar informações com outros documentos na investigação à queda do BES.

Estas são as entradas manuscritas por Ricardo Salgado na sua agenda relativa ao mês de junho de 2014:

– A 06.06.2014, “BANDES (29€) PC Rio Forte ESAF: (16€) ESAF + 25”;
− A 09.06.2014, “Papel Comercial R.F. 5,2 Fid. ESI 3,7 Faltam ao J. (…) 8,0”;
− A 10.06.2014, “Property PC 5M€, Fid. ESI 1,5€, ESFG/ ESFIL 12,5€, (8.5) Saldo Dev. B. Privee, (1.5) Fid. ESI, (2.5) FSM Property, (12,0) ESFIL Liq., = 24,5, 12.0 (Luis G), = 12,5 –Saldo,11.0 – Saldo no Jean Luc = 1,5 Falta, Fid. 1,5, Property : 2,5, ESFIL: 12 (12 – (8)=
4) = 14,5, 11,00, = falta 3,5”;
− A 11.06.2014, “P. Com. RF: 32,2€, P. Com. RF: 143,9US, Fid. ESI: 4,7€, Confirmados 28M US$, Confirmados 25M€, € Não renováveis 7,2, US$ Não renováveis 117”;
− A 12.06.2014, “P. Com. RFl 11,8€ / 7,2€ / 9,8 US, ESFIL (ECP) 12€”;
− A 16.06.2014, “159 US$ / 38€ + PC -> renovados / J(..) 45M€, -> Saldo negativo no BES: 27 M€ PC Rio F., Saldo negativo no B. Privee / PC Rio F. 7M€, Saldo negativo ESAF: 4M, Total 38M€”;
− A 19.06.2014, “Saldo 10,7M€ – 6,4M€ ESI / 3,7 PC Rio F. / 2,0 Fid. ESI, Entrada: 1,5 ESI Note renoval.”;
− A 20.06.2014, “Rio Forte P. Com. 35,8M€, ESI B. Privee 46,4M€, Fid. ESI 5,5 =88,0M€”;
− Também a 20.06.2014, “Dívida vencida e a vencer ESI – 4,3M€ / 12M USD, R. Forte-60M€, BCP HOT. TIV – 7M€, CGD OPWAY -25M€, = 150M€”;
− A 23.06.2014, “B. Priv. P. Com. RF 61,1M€, Fid. ESI 6M€”;
− A 24.06.2014, “P. Com. EuroAm, Rio F 6M, Fid. ESI 1,4 m€ = 7,4”;
− A 25.06.2014, “P.Com. Rio F 4,5M€, Note ESI 5,3, = 9,8”;
− A 30.06.2014, “P. Com Rio Forte 3,3, Fid. ESI 23,7M€”;

São anotações telegráficas, com muitas siglas de sociedades ligadas ao universo Espírito Santo e números e mais números sobre a dívida que estava prestes a vencer. Embora de difícil leitura, as notas permitiram a Ricardo Salgado ter uma noção exata da situação em que o grupo se encontrava.

Havia uma preocupação especial com eventuais incumprimentos naquela altura, o que justificava um acompanhamento próximo do ex-líder do BES. Estava em curso um aumento de capital do banco e notícias negativas poderiam perturbar aquela operação, como chegou a avisar João Gomes da Silva, ex-assessor da administração, por e-mail: “A verificação de um default da ESI antes do aumento de capital do BES implica a paragem do processo [de aumento de capital do BES], a emissão de uma adenda ao prospeto e a atribuição do direito de revogar a subscrição”. A subscrição de ações terminou a 9 de junho, a 16 procedeu-se à liquidação financeira das subscrições.

Gomes da Silva alertou ainda para o risco que um default imediatamente a seguir à conclusão do aumento de capital poderia ter: “Acabaria por ser um cenário tão mau ou pior do que o anterior, visto que o que aparece aí é o risco de uma litigância sem fim contra a ESFG e o BES, caso se demonstre que tivessem conhecimento de factos que levariam a este desfecho, não os tendo comunicado. Esta realidade, dobrada com a presunção de culpa que existe pela elaboração do prospeto no aumento de capital para o BES e os seus responsáveis, teria bem pouca margem de defesa”.

Caixa disse não, solução passou pelo BES

“Estes dias têm sido absolutamente impossíveis”, admitiu José Manuel Espírito Santo, também ele um dos acusados, na reunião do conselho superior do GES no dia 2 de junho de 2014, em que se debateu um eventual pedido de ajuda para evitar o colapso do grupo.

“Após se concluir que dentro de um ou dois dias a ESI [a holding de topo do grupo] não teria liquidez e que já não se mostrava ‘possível obrigar o board da Rioforte a ir mais além’ no seu endividamento, e por se ter então tido o conhecimento que o Ministério Público do Luxemburgo instaurara um inquérito na sequência do conhecimento das irregularidades detetadas na conta da ESI, discutiu-se o pedido de ajuda, fracassado, formulado aos membros do governo em maio para que influenciassem a CGD a conceder um financiamento à Rioforte”, refere o Ministério Público.

Em plena reunião, Salgado chegou mesmo a telefonar ao governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, para o “sensibilizar” em relação a essa possibilidades. Ou, pelo menos, que “pudesse dar uma palavrinha ao presidente da Caixa”, na altura liderada por José de Matos.

Em cima da mesa estaria um empréstimo do banco público na ordem dos 2,5 mil milhões. Na altura, Salgado também havia falado com o primeiro-ministro Passos Coelho e outros membros do Governo e ainda com o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, no sentido de obter ajuda. Mas sem sucesso.

A solução alternativa à Caixa para evitar que a Rioforte entrasse em incumprimento passou por um empréstimo bancário contraído junto do BES, no valor de 135 milhões, que veio a ser aprovado pela comissão executiva do BES de 12 de junho de 2014.

Quatro dias depois, a Rioforte recebeu a primeira tranche: 27,75 milhões que foram utilizados no reembolso de papel comercial no valor de 26,1 milhões. Os remanescentes 107,25 milhões foram creditados na conta da empresa no dia 19 de junho, tendo seguido para a ESI.

Segundo o Ministério Público, esta operação provocou uma perda de 139 milhões de euros no BES.

Este artigo faz parte de uma série de episódios da “Novela BES” e que contam os bastidores, os negócios, as intrigas, as alianças e as traições que marcaram a queda do Grupo Espírito Santo. As histórias e os relatos têm por base a informação do despacho de acusação anunciado pelo Ministério Público no dia 14 de julho de 2020, no âmbito da investigação ao “Universo Espírito Santo”.

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