#Episódio 6. Como Cavaco Silva aceitou financiamento de 253 mil euros do BES

A acusação dedica dez parágrafos no meio das quatro mil páginas que explicam como e de que valor foram as transferências feitas pelo GES à campanha presidencial de Cavaco Silva de 2011.

O primeiro cheque de Ricardo Salgado foi assinado a 25 de novembro de 2010, seguido dos assinados pelos administradores executivos do banco José Manuel Espírito Santo Silva, Rui Silveira, Joaquim Goes, António Souto, Amílcar Morais Pires, Pedro Fernandes Homem e Manuel Fernando Espírito Santo Silva, presidente da Rioforte, e António Ricciardi, pai do então administrador José Maria Ricciardi. No total, a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) – conhecida a 14 de julho com mais de quatro mil páginas – dedica uma página e meia ao que chama de “situação específica de donativo a campanha eleitoral”. Concretizando: a campanha presidencial de 2011 de Aníbal Cavaco Silva.

São dez parágrafos que resumem os cheques (nove cheques do Banco Espírito Santo e um do Barclays), datados entre novembro e dezembro de 2010, por elementos do Grupo Espírito Santo (GES) e membros do conselho de administração e da comissão executiva do BES. Títulos estes que foram registados nas contas oficiais da candidatura de Aníbal Cavaco Silva, que lhe daria a vitória do segundo mandato entre 2011 e 2016. No total, foram feitas doações de 253.360 euros pelo clã Espírito Santo.

“No dia 26 de novembro de 2010, os administradores do BES, Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo, Amílcar Pires, António Souto, Joaquim Goes e Pedro Homem, sacaram cheques sobre as contas de que eram titulares, e emitiram esses títulos de crédito à ordem da candidatura presidencial de Aníbal Cavaco Silva”, lê-se logo no primeiro parágrafo deste capítulo da acusação, a que o ECO teve acesso. “O donativo assim efetuado por cada um ascendeu a 25 mil e 560 euros, à exceção do realizado por Amílcar Pires e Pedro Homem em que esse valor foi de 25 mil euros. Para além destes, Rui Silveira, Manuel Fernando Espírito Santo, Carlos Beirão da Veiga e Pedro Brito e Cunha, efetuaram donativos para a mesma campanha, no valor de 25 mil euros”, diz o despacho.

Apenas o cheque assinado por Ricardo Salgado foi preenchido informaticamente e todos os nove restantes foram assinados e preenchidos à mão e dirigidos à “candidatura de Aníbal Cavaco Silva”. No total foram dez doações, umas de 25 mil e outras do valor máximo permitido por lei de 25.560 euros. A recolha de donativos para esta campanha originou o valor total de 1,5 milhões de euros.

Este contributo, porém, terá sido feito de forma aparentemente legal, segundo a Lei 19/2003, de 20 de junho. Os valores em causa foi feito como cheque/transferência bancária, tendo entrado numa conta bancária em nome do mandatário financeiro Vasco Valdez Matias. A conta foi exclusivamente criada para esse efeito e só podiam ser efetuados depósitos com origem em donativos ou angariações de fundos para a campanha. Porém, o Tribunal Constitucional comunicou ao MP, em 2014 algumas irregularidades nas cinco candidaturas a estas eleições de 2011. No caso concreto da campanha, a conclusão foi apenas da existência de “deficiências de suporte documental” e de “despesas de campanha faturadas após a data do ato eleitoral”, decidido em 2016.

A acusação elenca ainda o processo de devolução dos dinheiros aos administradores:

  • No dia 3 de dezembro 2010, Ricardo Salgado determinou a reposição do valor entregue à campanha no seu património. Deu ordem de transferência da conta da Enterprises concretizada no dia 22.12.2010, no valor de 25.560 euros, em benefício da conta bancária titulada pela Parwick, no ESBP;
  • No mesmo dia, Ricardo Salgado deu ordem de transferência de 25 mil euros concretizada no dia 20.12.2010, a partir da conta bancária da Enterprises em benefício da conta do BPES 225´523, titulada por Pedro Homem;
  • No mesmo dia, RICARDO SALGADO deu ordem de transferência de 25 mil euros concretizada no dia 20.12.2010, a partir da conta bancária da Enterprises em benefício da conta do BPES 104´176, titulada pela FUNDAÇÃO DOS CEDROS, no interesse de Manuel Fernando Espírito Santo;
  • No dia 31.01.2011, José Manuel Espírito Santo assinou um post it com os dizeres “Caro Zé, com um abraço amigo”, colocado em cima do recibo de 25.560 euros referente ao pagamento por cheque emitido pela candidatura política em causa.
  • No dia 01.02.2011, Ricardo Salgado deu instrução de transferência de 1.525.000 euros em benefício da Allanite LTD, com conta aberta no Credit Suisse 5179 3164. Este valor, transferido a 03.02.2011, decompõe o relativo a um prémio de 1.500.000 euros, determinado por RICARDO SALGADO, e o reembolso do cheque de 25 mil euros;
  • No dia 17.03.2011, José Castella enviou a Jean-Luc Schneider correio eletrónico com o assunto “compensation”, confirmou que havia reembolsado, em Lisboa, 2 x 25 mil euros relativos a transferências feitas por Rui Silveira e Joaquim Goes, de acordo com instruções recebidas, e solicitando a realização de transferência da conta ESI BVI, junto do BPES.
  • No 22.06.2011, José Manuel Espírito Santo deu ordem de transferência da conta da Enterprises concretizada a 24.06.2011, do valor de 25.560 euros, em benefício da Egremont Holding, com conta aberta no BPES 106´362. Esta sociedade funciona no interesse de António Souto.

O despacho de acusação dedicou pouco espaço a este assunto mas não deixou de dar conhecimento ao diretor do DCIAP, Albano Pinto, e à procuradora-geral da República, Lucília Gago. José Ranito admitiu suspeitas de financiamento da campanha do ex-Presidente da República, mesmo sendo indícios colaterais aos crimes do universo do processo do BES. Certo é que daqui sairá uma investigação que tentará identificar todos aqueles que, dentro e fora do BES/GES, participaram no alegado esquema de financiamento ilegal das Presidenciais de 2011. O DCIAP já terá inclusive identificado mais de uma dezena de suspeitos, segundo avançou a Sábado.

Segundo o despacho do DCIAP, Ricardo Salgado terá sido o cérebro de uma rede criminosa, dentro Grupo Espírito Santo (GES) e do Banco Espírito Santo (BES), de forma a cometer sucessivos crimes “de forma organizada”. No total, são 65 crimes que o Ministério Público imputa a Ricardo Salgado, entre eles um crime de associação criminosa. São 29 crimes de burla qualificada e 12 crimes de corrupção ativa no setor privado com mais páginas que a acusação da Operação Marquês (ambas mais de quatro mil). E ainda branqueamento de capitais, falsificação de documentos, fraude no comércio internacional e desvio de fundos.

José Manuel Espírito Santo e Manuel Fernando Espírito Santo são acusados dos crimes de burla qualificada mas não do de associação criminosa de Salgado. Alexander Cadosch, líder da Eurofin, Jean-Luc Schneider, ex-administrador da Espírito Santo Financiére, Amílcar Morais Pires, administrador financeiro do BES, Isabel Almeida, administradora do BES são acusados de fazer parte da associação criminosa liderada por Ricardo Salgado.

Os magistrados concluíram que Ricardo Salgado instruiu José Castella e Francisco Machado da Cruz para que cedessem a informação financeira da ESI forjada, contaminado a decisão dos órgãos de governo e operacionais do banco com decisões que expunham ilegalmente os clientes do banco à ESI, insolvente, segundo a acusação.

Este artigo faz parte de uma série de episódios da “Novela BES” e que contam os bastidores, os negócios, as intrigas, as alianças e as traições que marcaram a queda do Grupo Espírito Santo. As histórias e os relatos têm por base a informação do despacho de acusação anunciado pelo Ministério Público no dia 14 de julho de 2020, no âmbito da investigação ao “Universo Espírito Santo”.

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