Empresas privadas vão ter coimas se não tiverem um plano de prevenção contra a corrupção

Estratégia Nacional Contra a Corrupção vai ser analisada pelo Conselho de Ministros. A ministra acaba de receber as propostas do grupo de trabalho e apresenta solução a António Costa em setembro

A corrupção gasta ao Estado 18,2 mil milhões de euros por ano, o regime dos whistleblowers (denunciantes) seria útil aplicar no sistema português, qualquer arguido de crimes económicos e financeiros poderá não ter de cumprir uma pena caso confesse ou ajude a Justiça a encontrar provas, e as empresas privadas poderão vir a ser obrigadas a pagar coimas caso não adotem os planos de combate à corrupção. Estas são algumas das conclusões do grupo de trabalho para a Estratégia Nacional Contra a Corrupção — que será analisada pelo Conselho de Ministros na primeira semana de setembro. Para já, a ministra Francisca Van Dunem recebeu o relatório do grupo de trabalho nomeado a 21 de fevereiro e irá apresentar a António Costa a proposta, que será sempre objeto de discussão parlamentar.

O grupo de especialistas considera que o chamado regime de proteção do whistleblower deverá, finalmente, ter expressão legal no sistema jurídico português. Concretizando: proteção legal dos denunciantes que estejam em organizações criminosas ou empresas, ou que descubram que no seio dessa mesma organização estão a ser praticados crimes e que decidem colaborar com a Justiça. O que não se pode confundir com o caso Rui Pinto, o responsável pelo Football Leaks, que será julgado por 90 crimes (tentativa de extorsão, 6 de acesso ilegítimo, 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência e um de sabotagem informática) e que, através dos seus atos ilícitos, se conseguiu chegar a outros factos criminosos praticados por outros suspeitos.

Os especialistas de Coimbra assumem ainda a perda anual para os cofres do Estado de 18,2 mil milhões à custa dos crimes de corrupção ou lavagem de dinheiro. Cuja fatura depois é paga pelos contribuintes.

A proposta incluiu ainda o que chama de equiparação entre o setor público e o setor privado para a existência de um plano de prevenção contra a corrupção. As empresas públicas já o têm, mas agora a obrigatoriedade passará também para as empresas privadas. Mas apenas para as grandes empresas, com a nomeação de um responsável pela aplicação do plano e, mais importante, no caso de incumprimento, serão aplicadas coimas e ficarão excluídas automaticamente de apoios públicos. Para as empresas públicas, apenas poderão haver sanções disciplinares.

Na proposta recebida pela ministra Francisca Van Dunem, umas das questões que poderá cair, tal como está atualmente, é a responsabilidade penal das pessoas coletivas, caso fique demonstrado que os órgãos sociais de uma empresa evitaram a prática do crime. Se a medida estivesse em vigor agora, por exemplo, a EDP poderia beneficiar desta isenção no processo dos CMEC, se os restantes órgãos sociais provassem que tinham feito tudo para evitar que António Mexia e João Manso Neto tivessem alegadamente praticado os crimes.

Tribunais especializados. Sim ou não?

Difícil de concretizar será a criação de tribunais específicos para os crimes de corrupção. Onde seriam julgados processos como a Operação Marquês, Universo Espírito Santo ou o processo EDP. Por uma razão muito simples: por questões históricas, a Constituição da República Portuguesa (CRP) proíbe a existência de tribunais especiais desde 1976, devido à existência de tribunais plenários durante a ditadura, que julgavam crimes contra o Estado por delito de opinião e filiação partidária ou política. Para que isto possa acontecer, e se a ministra insistir no assunto, só mesmo com uma revisão do texto constitucional, dizem os professores de direito.

E os mega processos?

Nesta matéria, as coisas poderão avançar. Mas terá alguma resistência no seio do Ministério Público. Os especialistas aconselharam a ministra a alterar o Código Penal que incita à fusão de vários inquéritos num só. Foi por isso que, quer a Operação Marquês, quer o processo do Universo do Espírito Santo, resultaram em processos gigantes, com várias acusações a vários arguidos. E quer a PGR, quer o diretor do DCIAP poderão impedir que os procuradores titulares dos inquéritos juntem tudo num só inquérito. Ou seja: a hierarquia do MP poderá intervir na decisão em relação a determinados inquéritos, o que poderá pôr em causa a autonomia dos magistrados. O que se pretende com esta medida é “partir” os processos em vários, mais pequenos e que demorem menos a investigar.

E a delação premiada? O que pode acontecer?

Atualmente como está, a colaboração premiada torna-se difícil de aplicar, uma vez que impõe um prazo de 30 dias entre a prática do crime de corrupção e o momento em que a denúncia é feita. Assim, a forma de introduzir uma melhoria passa por retirar da lei a existência desse prazo para a denúncia. A ideia é contrariar as condenações irrisórias pelo crime de corrupção, devido à dificuldade da prova.

A “delação premiada” é um termo importado do Brasil, embora seja também aplicado nos Estados Unidos e Reino Unido. É um mecanismo usado no processo penal onde é permitido premiar suspeitos envolvidos em atividades criminosas, se estes colaborarem com a Justiça na investigação desses crimes. No Brasil, esse prémio inclui não só uma potencial redução ou até dispensa da pena (negociada com o Ministério Público), mas inclusivamente um prémio financeiro, pago a partir dos ativos que se recuperarem em resultado das investigações. Este tipo de negócio jurídico, com um pagamento de prémios, é totalmente rejeitado pelos especialistas. Nem a ministra o havia proposto.

Na proposta que é feita, a suspensão da pena só pode existir se o denunciante/delator não tiver beneficiado de vantagem económica por via da prática do crime. Caso tenha tido esse benefício, se devolver o produto do crime, poderá também beneficiar da suspensão da pena. Já para os arguidos que tiverem praticado efetivamente o crime que querem denunciar, a lei só deverá permitir a redução da pena.

Na prática, significa que o MP pode, no final da acusação, pedir a suspensão ou atenuação de pena para quem tiver ajudado na descoberta da verdade. Esta denúncia ou confissão terá de ser confirmada em julgamento.

O tribunal será obrigado a aplicar a dispensa ou atenuação da pena nos casos de confissão integral dos arguidos e desde que se verifique a devolução ao Estado do produto do crime.

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