Justiça congelou mais de 600 milhões de euros por suspeitas de branqueamento de capitais

Disparou o número de comunicações de operações suspeitas no ano passado, assim como os montantes congelados pela Justiça por suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo.

A Justiça portuguesa ordenou o congelamento de mais de 600 milhões de euros em 2020 por suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo, o que representa uma subida de mais de 1.000% face ao ano anterior.

Os dados fornecidos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao ECO revelam que, no ano passado, na sequência de diligências das autoridades para apurar da legalidade ou ilegalidade da operação bancária ou financeira, determinou-se a suspensão de 357 transações, resultando no congelamento de cerca de 610 milhões de euros, incluindo operações em dólares e libras. Foi um disparo de 1.200% face ao valor congelado em 2019, que tinha sido na ordem dos 47 milhões de euros.

Detalhando os números fornecidos pela PGR, foram congeladas transações no valor de 549,1 milhões de euros em 2020, um valor ao qual se somam 17 milhões de dólares (cerca de 14 milhões de euros) e 41,9 milhões de libras (47,6 milhões de euros) que também foram congelados. Em todas as moedas se registaram subidas expressivas face a 2019.

Mais de 600 milhões congelados em 2020

Fonte: PGR

Convertendo todas as quantias em euros, a soma dos valores congelados no ano passado atingiu, assim, os 610,7 milhões de euros, o que representa um montante superior ao conjunto dos quatro anos anteriores, que não ultrapassa os 400 milhões de euros.

Também aumentaram significativamente as comunicações de operações suspeitas transmitidas à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária e ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) da PGR, superando as 11 mil comunicações, segundo os dados fornecidos pela PGR. Foram feitas mais 4.500 comunicações face ao ano anterior, o que corresponde uma subida de 64% face às comunicações realizadas um ano antes.

Comunicações também disparam

Fonte: PGR

A lei do branqueamento de capitais determina que bancos e outras instituições financeiras, auditores, advogados, mediadores imobiliários devem, por sua própria iniciativa, informar de imediato as duas autoridades sempre que “saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo“.

Inquéritos em linha com 2019

Fonte: PGR

Apesar do aumento das comunicações de transações suspeitas, o número de inquéritos abertos pelas autoridades judiciais caiu ligeiramente no ano passado face a 2019. Foram instaurados 305 inquéritos ao longo de 2020, menos 21 inquéritos do que no ano anterior.

E como se explicam estes números?

Rui Patrício, advogado e sócio da Morais Leitão, justifica dizendo que se “deve a uma maior sensibilidade para estas matérias, uma maior cultura de prevenção, de risco e de integridade, e maior atenção das várias instâncias, seja ao nível das empresas, instituições e particulares, seja ao nível das instâncias formais de controlo”. Mas o penalista fala ainda do “peso e o desajuste do quadro legal e regulamentar, que pode levar a que se comunique em casos injustificados e que se comunique quase por inércia e sem análise e filtro, bem como um certo ambiente, muito decorrente do pathos mediático sobre estes assuntos, de ‘histeria criminal’, que também conduz ao aumento das comunicações e à erosão do critério para as mesmas”.

“Penso que se deve a uma maior intervenção das autoridades judiciárias relativamente à fiscalização das transferências suspeitas. Não me parece que esteja relacionado com nenhum processo em particular”, diz o bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, questionado sobre o processo Luanda Leaks, que em 2020 suspendeu algumas das contas bancárias da empresária Isabel dos Santos. Mas este bloqueio não está incluído nestes dados da PGR, uma vez que a justiça portuguesa aplicou a “suspensão provisória de execução de operações de débito das contas bancárias” mas no âmbito do processo cível e não no âmbito do processo-crime chamado de Luanda Leaks.

Este bloqueio, que engloba a execução de ordens de pagamento de salários, rendas, impostos, fornecedores e honorários de advogados, poderá ter posto em causa o pagamento dos empréstimos da empresária nos bancos visados. As autoridades suspeitam que tenha transferido 115 milhões de dólares da empresa petrolífera estatal angolana, a Sonangol, para uma conta numa offshore.

Alexandra Mota Gomes, sócia da Antas da Cunha ECIJA, defende que “o aumento da suspensão de transações se deve essencialmente às novas obrigações de identificação e comunicação impostas a diversas entidades no âmbito da prevenção e repressão do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”. Isto porque a lei atualmente em vigor impõe “a um alargado conjunto de instituições, atividades e profissões (financeiras e não financeiras) um diversificado leque de obrigações destinadas a assegurar a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento, prevendo graves sanções para o incumprimento desses deveres”

Mas ressalva ainda que a mediatização deste tipo de criminalidade também contribui “para uma maior sensibilização sobre a necessidade de prevenção da ocorrência destes fenómenos, mas quero acreditar que o aumento do valor dos congelamentos decorre diretamente do maior número de comunicações de operações suspeitas efetuadas pelas diferentes entidades, devidamente fundamentadas e no cumprimento das suas obrigações legais e não por pressão dos Leaks, que são na verdade provas obtidas de forma ilegal que nenhum tribunal em Portugal pode validar”, conclui.

Rui Patrício acrescenta que o aumento das comunicações pode contribuir para o aumento das medidas de “bloqueio” e afins, “mas não as legítima, porque dependem da decisão das autoridades judiciárias e judiciais competentes, evidentemente, sendo certo que tenho para mim que o aumento daquelas medidas também tem que ver, em parte, com um certo ‘facilitismo’ em certos casos e até mesmo com uma certa ‘hipérbole processual criminal’ nalguns processos e/ ou nalgumas instâncias”.

António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público explica que “nos últimos anos o Ministério Público especializou-se no combate à criminalidade económica e financeira. Nessa área, os processos envolvem cada vez somas maiores. O ataque aos proveitos do crime tem vindo a ser trabalhado de forma sustentada. Não basta punir, é muito importante que se confisquem os bens adquiridos com base em rendimentos obtidos de forma ilícita. Tudo conjugado leva a que os resultados melhorem de ano para ano, substancialmente”, concluiu.

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