Empresas já sentem “pressão brutal” nos custos de energia

As fábricas portuguesas começam a fazer contas ao aumento dos preços da eletricidade, após recordes batidos no mercado grossista ibérico. PME arriscam pagar 134% a mais em novos contratos a 12 meses.

Em junho de 2020, numa fase ainda inicial da pandemia e que coincidiu com o fecho do anterior contrato de fornecimento, a Ancor beneficiou do “abaixamento substancial” dos custos energéticos. Um ano depois, chegada a altura da renovação, a empresa de Vila do Conde viu o preço subir mais de 40% face ao compromisso anterior, passando o peso desta rubrica de 1,2% para 2% do volume de vendas.

“Foi uma subida brutal na fatura. No nosso caso são dezenas de milhares de euros a mais só no caso da energia elétrica. É um acréscimo à volta de 80 mil euros por ano, numa estimativa que fazemos com base no histórico. Mesmo assim, comprámos a energia relativamente barata, comparando com o custo que está neste momento”, contextualiza Francisco Correia, gerente desta fabricante nortenha de cadernos e arquivos.

Na sequência de sucessivos recordes registados no mercado grossista ibérico (Mibel) – o máximo histórico foi registado a 2 de setembro, quando o preço da energia elétrica no mercado spot superou os 140€/MWh, 188% acima do início do ano –, uma pequena e média empresa que esteja agora a negociar um novo contrato com a duração de 12 meses arrisca-se a pagar mais 134% do que há um ano, segundo cálculos feitos ao ECO/Capital Verde por Miguel Fonseca, administrador da EDP Comercial.

"Foi uma subida brutal na fatura. No nosso caso são dezenas de milhares de euros a mais só no caso da energia elétrica. É um acréscimo à volta de 80 mil euros por ano.”

Francisco Correia

Gerente da Ancor

Enquanto as grandes empresas, por via da maior exposição à volatilidade do mercado grossista ibérico de eletricidade, já sentem na carteira os preços nunca antes vistos no Mibel, a maior parte das PME portuguesas ainda estão a salvo destes recordes mais recentes, por terem contratos fixos que ainda não terminaram. O responsável da EDP diz que quase todas estão agora a optar por contratos de maior duração, acenando com poupanças entre 47% e 60%.

Foi o que fez a Ancor, que exporta mais de metade dos artigos de papelaria produzidos na fábrica de Guilhabreu, onde emprega 155 pessoas, e faturou 14 milhões de euros em 2020. Francisco Correia confirma que “foi a primeira vez que [fez] um contrato por mais de um ano”, até junho de 2023, uma vez que “a informação que tinha dos diversos operadores é que a energia ia continuar a subir, pelo menos, durante mais 12 meses”.

“Pode ser uma forma de atenuar [os aumentos]. Fazer contratos mais longos para assegurar preços mais competitivos e ter uma maior estabilidade. Pelo menos, para não ter surpresas. Sejam mais pequenas ou maiores, quase todas as empresas hoje trabalham com base num orçamento e o facto de poderem estimar os custos que vão ter ao longo do ano é muito importante”, concorda Ricardo Costa, CEO do grupo Bernardo da Costa, sediado em Braga.

"A subida é preocupante porque a energia tem um impacto significativo sobretudo setor industrial. Em conjunto com o aumento de outros custos, pode ser um cocktail que pode desencadear uma pequena crise económica.”

Ricardo Costa

Presidente da Associação Empresarial do Minho

O também presidente da recém-criada Associação Empresarial do Minho (AEMinho), que representa sobretudo o setor industrial, ainda não vê este tema preocupar tanto as empresas quanto os aumentos verificados noutras rubricas, como as matérias-primas, os transportes, os combustíveis ou a mão-de-obra. No entanto, o empresário antevê uma “subida preocupante” da fatura da energia, temendo mesmo “um cocktail que pode desencadear uma pequena crise económica”.

“Inquietação” na compra conjunta do metal

Na indústria metalúrgica e metalomecânica, que é a mais exportadora da economia portuguesa – em 2020, mesmo após uma quebra homóloga de quase 13% devido à pandemia, vendeu mais de 17 mil milhões de euros no estrangeiro –, Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da associação o setor (AIMMAP), sublinha que há empresas que “já estão a sentir uma pressão brutal e estão muito preocupadas com esse aumento brutal dos custos da energia” que, somado aos outros que estão a disparar, torna “impossível repercuti-los [a todos] no preço final” dos artigos.

Apesar deste cenário sombrio, mais de 300 associadas desta estrutura empresarial sediada no Porto estão, para já, protegidas de aumentos mais imediatos. Há 11 anos que organiza a compra conjunta de energia e “nunca aceita contratos com tarifas variáveis”. Muitas outras empresas do setor acabam, no final, por não aderir a este concurso de negociação centralizada, mas acabam por beneficiar da “pedagogia e literacia que foi sendo criada no setor em matéria energética”, como a opção por uma tarifa fixa.

"Não concordo nem aconselho as empresas a fazerem contratos de maior duração. Na prática, verificamos que as que têm contratos de maior duração acabam por ficar prejudicadas e ter faturas energéticas superiores. O melhor é ir de ano a ano.”

Rafael Campos Pereira

Vice-presidente executivo da AIMMAP (associação do metal)

Em relação aos prazos, Rafael Campos Pereira, porta-voz da AIMMAP, refuta a tese de Miguel Fonseca, administrador da EDP Comercial, dizendo que “não [concorda] nem [aconselha] as empresas a fazerem contratos de maior duração. Na prática, argumenta, “verificamos que as empresas que têm contratos de maior duração acabam por ficar prejudicadas e ter faturas energéticas superiores. Portanto, o melhor é ir de ano a ano”.

A próxima ação coletiva de contratação de energia elétrica está agendada apenas para abril do próximo ano, mas nem essa distância no calendário descansa o representante da indústria portuguesa do metal. “Por cada dia que passa vai aumentando a nossa preocupação porque em 2022 vamos ter de renegociar os preços, de acordo com os valores que estiverem em vigor nessa altura. À medida que o tempo vai passando, vamos ficando mais inquietos”, conclui.

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