Proprietários avisam que englobamento obrigatório no IRS vai aumentar rendas e tirar casas do mercado

Governo está a ponderar tornar o englobamento de rendimentos no IRS obrigatório. Proprietários dizem que isso "mais do duplica" a carga fiscal e trará consequências para os inquilinos.

Se até aqui os proprietários podiam optar por tributar os rendimentos de capitais, prediais (rendas) e as mais-valias de forma separada dos rendimentos de trabalho, a partir do próximo ano isso poderá deixar de ser uma opção. O ECO sabe que o Governo está a negociar com a esquerda, no âmbito do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), o englobamento obrigatório de rendimentos no IRS, o que poderá trazer um agravamento fiscal para muitos proprietários. Ao ECO, as associações representativas do setor alertam para isso mesmo, o aumento da carga fiscal, e para as consequências para inquilinos: subida das rendas para compensar o aumento do imposto e a retirada de casas do mercado de arrendamento.

Atualmente, os rendimentos de capitais, prediais e as mais-valias podem ser tributados de forma separada (normalmente a uma taxa liberatória de 28%), mas também podem ser englobados juntamente com os rendimentos de trabalho (aqui, aplicam-se as taxas de IRS que variam dos 14,5% aos 48%, sem contar com o adicional do IRS). Os contribuintes escolhem o que for mais vantajoso, consoante os rendimentos que tenham.

Na discussão dos Orçamentos do Estado para 2020 e 2021, o PCP propôs acabar com estas alternativas e tornar obrigatório o englobamento dos rendimentos, mas o PS chumbou as propostas nos dois anos. Contudo, o ECO sabe que o tema voltou a estar em cima da mesa nas negociações do OE2022, embora se desconheçam os detalhes da proposta.

Em declarações ao ECO, o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP) diz que esta proposta tem por trás dois interesses. “Do lado do Governo é aumentar a receita fiscal (haverá uma quebra muito grande de rendimentos prediais), enquanto do lado dos partidos de esquerda — que são os compagnons de route –, o interesse único é a extinção dos pequenos proprietários“, diz António Frias Marques.

E porque, diz, “nunca se fazem as coisas só por fazer”, o responsável questiona-se quanto à lei criada em 2019, que previa uma taxa de apenas 10% para os proprietários que assinassem contratos de arrendamento por mais de 20 anos. “Vão dar um pontapé na lei recente? É uma incógnita”, nota, ressalvando não saber o que acontecerá se esta proposta vier efetivamente a ser aprovada.

“Mais de metade da renda vai para o Estado sob forma de impostos”

Por outro lado, o presidente da Associação Portuguesa de Proprietários (APPROP) antecipa duas consequências futuras. Notando que é “relativamente fácil ultrapassar esses 28%”, uma vez que “os escalões [de IRS] em Portugal são baixíssimos“, João Caiado Guerreiro não tem dúvidas que “ao aumentar a pressão fiscal, vai-se reduzir o investimento em casas novas e na reabilitação e, claro, vai-se aumentar as rendas”.

Além disso, o responsável, que é também advogado, acredita que “haverá, certamente, proprietários a desistir do mercado de arrendamento”, dado que “podem preferir vender ou manter as casas vazias até encontrarem um preço que lhes interesse”.

“A proposta não faz sentido, porque não traz benefícios nenhuns” para os proprietários, afirma João Caiado Guerreiro, detalhando que “as casas já são brutalmente tributadas”, desde o IMI, ao IMT, ao IVA, às diferentes taxas aplicadas pelas câmaras, etc. “Hoje em dia, mais de metade da renda vai para o Estado sob forma de impostos. Se calhar só 30% ou 40% da renda é que é líquida”, afirma.

Diana Ralha, diretora da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), diz ao ECO que “não existe estabilidade legislativa nem fiscal” e que Portugal vive um “maremoto de legislação”. “Estamos numa situação em que quando um inquilino paga uma renda de mercado de 1.000 euros em Lisboa, três meses são para pagar 28% de taxa liberatória de IRS ao Estado“, nota.

Assim, a responsável nota que “só proprietários com rendas congeladas e miseráveis é que optam” pelo englobamento dos rendimentos. “Não é preciso ser rico para o Estado levar 40% dos rendimentos”, afirma, antecipando que, com a aprovação desta medida, “os proprietários vão mais do que duplicar a fatura fiscal que têm, que neste momento é absurda”.

Benefícios para rendas acessíveis? “Proprietários não cedem a chantagens”

Embora os detalhes da proposta não sejam conhecidos, o Governo tem aprovado várias medidas no sentido de incentivar os proprietários a praticarem rendas acessíveis em troca de benefícios fiscais. Desde logo com a criação do Programa de Arrendamento Acessível (PAA), lançado em julho de 2019, que prevê a disponibilização de casas de privados a preços abaixo do valor de mercado. Contudo, nestes dois anos, o falhanço é notório quando comparado o número de candidaturas de arrendatários e o escasso número de candidaturas de proprietários.

“O Governo tem atualmente um programa de renda acessível que falhou todos os seus objetivos por uma única razão: a falta de confiança que os proprietários têm no Estado“, diz Diana Ralha, sublinhando que esta proposta “é mais gasolina na fogueira”.

Entre os benefícios fiscais oferecidos aos proprietários que entrem no mercado de arrendamento acessível estão, por exemplo, isenções de IMI. “Em matéria de rendimentos prediais, isentamos a tributação para quem coloque os imóveis em regime de arrendamento acessível ou faça contratos sem precariedade“, disse o primeiro-ministro, durante o debate do Programa do Governo, em 2019. “Para quem não o faz — e tem direito a não o fazer — é provável que o englobamento venha a traduzir-se num agravamento de impostos”, admitiu.

Mas a diretora da ALP afirma: “Nenhum proprietário, a não ser que seja por chantagem, irá aceitar isto. Os proprietários não cedem a chantagens”. Diana Ralha afirma que é “necessário começar a pensar na habitação de outra forma e perceber que o congelamento das rendas é errado e que cabe ao Estado subsidiar os inquilinos”. “Isto é mais uma machadada na confiança dos proprietários”, afirma.

Com tudo isto, a responsável acredita que irá resultar na “extinção da profissão de senhorio”, algo que “o Governo está a fazer muito rapidamente”. E, relembrando que “os senhorios são pessoas e não escritórios de advogados”, afirma que o mercado poderá ficar “completamente entregue a fundos internacionais e proprietários sem rosto” e que, nessa altura, as consequências serão bem piores.

Como afirma João Caiado Guerreiro, presidente da APPROP, a ser aprovada, esta medida “é má para os proprietários e reflexamente má para os inquilinos”. “No fundo, é mais um aumento dos custos da habitação”, afirma.

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