Esquerda ameaça chumbar OE2022, mas quer negociar mais

As reações ao Orçamento do Estado para 2022 não abonam a favor do Governo. O Bloco e PCP votam contra a proposta tal como está, mas querem negociar mais. PAN e PEV deixam sentido de voto em aberto.

Se até aqui as negociações do Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022) mantiveram-se no resguardo dos gabinetes, agora que a proposta do Governo foi apresentado passou para a praça pública. De um lado, as Finanças garantem que responderam a quatro anseios dos parceiros parlamentares e o PS admite que há “margem de negociação”, mas avisa que não pode ser só Governo a ceder. Do outro lado, o PCP — que salvou o Governo há um ano — e o Bloco — que votou contra o OE2021 — ameaçam chumbar a proposta tal como está, mas querem negociar mais. PAN e PEV não se comprometem.

Este é um braço de ferro que os portugueses habituaram-se a assistir desde 2016 com a constituição da geringonça, sendo que este será o sétimo Orçamento negociado à esquerda pelo Governo minoritário do PS. O primeiro a abrir as hostilidades foi o ministro das Finanças que, momentos depois de entregar o OE2022 no Parlamento, disse que não via razões para o documento não ser viabilizado. “Não vemos como é que este Orçamento não será aprovado aqui na Assembleia da República“, disse João Leão, notando que este é um “orçamento bom para o país e para os portugueses”.

Esta terça-feira de manhã na conferência de imprensa de apresentação do OE2022, Leão foi mais direto a dirigir-se aos parceiros parlamentares, dando quatro medidas de exemplo de aproximação do Governo aos “anseios” dos partidos: a melhoria do rendimento das famílias através da redução do IRS, o reforço dos abonos de família para 2022 e 2023, um novo aumento extraordinário de 10 euros das pensões a partir de agosto e a subida de 0,9% dos salários da administração pública. “É um orçamento que traz medidas bastante positivas para as famílias e as empresas e isso é mais uma razão que nos dá confiança na sua aprovação”, argumentou, mostrando abertura para mais negociações nas próximas semanas para que haja mudanças na fase de especialidade.

A resposta mais dura a estes argumentos chegou pouco tempo depois com o Bloco a dizer que sem mudanças não poderá viabilizar este Orçamento: “Não havendo aproximação e se se mantiver o estado atual, dificilmente haverá condições para viabilizar” o OE2022, disse Mariana Mortágua, assegurando que nenhuma das medidas propostas pelo BE nas últimas semanas com o Governo está no documento. Mais tarde, Catarina Martins disse que o OE é uma “enorme desilusão” e um “autêntico balde de água fria”. Porém, ainda deixou a porta aberta a mais negociações até à votação na generalidade a 27 de outubro para que os bloquistas possam reconsiderar a sua posição.

Além de faltarem as prioridades do Bloco — SNS (exclusividade e valorização das carreiras), pensões (fim do fator de sustentabilidade e recálculo de pensões atribuídas entre 2014 e 2018) e lei laboral (reversão das medidas da troika) –, este é um Orçamento que não tem de facto uma estratégia, tendo um alcance limitado e sendo um Orçamento de remendos“, criticou Mortágua, dando o exemplo da revisão dos escalões do IRS. “Até pode chegar a algumas milhares de famílias, mas o impacto em cada família será reduzido”, antecipou, mostrando preferência por um alívio dos impostos indiretos (que não são progressivos, ao contrário do IRS), em particular do IVA da eletricidade.

Após umas eleições autárquicas difíceis, o PCP também decidiu engrossar a voz perante o PS: “Na situação atual, considerando a resistência do Governo até este momento em assumir compromissos em matérias importantes além do Orçamento e também no conteúdo da proposta de Orçamento que está apresentada, ela conta hoje com a nossa oposição, com o voto contra do PCP”, disse o líder parlamentar do PCP, notando, porém, que “ainda há tempo para encontrar soluções” até à votação, sendo expectável que as próximas duas semanas sejam de difíceis negociações à esquerda sobre o que poderá mudar na fase de especialidade.

Na declaração desta tarde, os comunistas queixaram-se da proposta por dar “respostas marginais” aos problemas do país, o que atribuem à fixação pelo défice orçamental, “o condicionante maior à resposta que o país precisa”. “O Orçamento do Estado para 2022 devia estar inserido nesse sentido geral de resposta aos problemas. Não só o Orçamento não se insere nele como o Governo não dá sinais de querer assumir esse caminho”, disse João Oliveira, elencando algumas lacunas como a necessidade de aumentar os salários, mudar a lei laboral, recuperar o poder de compra dos pensionistas, garantir o acesso à habitação, recuperar o controlo dos CTT, ir mais longe no englobamento obrigatório no IRS e responder ao aumento do preço da energia, “quer por via do IVA, quer por via do controlo e regulação dos preços”.

Na reação ao OE2022, o PAN mostrou cautela, mantendo em aberto o seu sentido de voto e notando que é preciso uma maior execução do atual Orçamento. A porta-voz do partido duvida da “perspetiva otimista do crescimento económico” presente na proposta, considerando que, devido à crise socioeconómica da qual o país ainda está a sair, “poderá vir a não acontecer” e que a execução do PRR poderá falhar. Inês Sousa Real elogiou a medida do desdobramento dos escalões, mas notou que “falta ambição” na proposta do Governo. O partido notou ainda a importância do “fim das isenções sobre os produtos petrolíferos”, uma das suas bandeiras que, ao que se sabe, não tem progressos na proposta do Governo.

Os Verdes também deixam o sentido de voto em aberto, mas critica já duas ausências do Orçamento do Estado para 2022: o aumento do mínimo de existência, o qual poderá ser efetuado na fase de especialidade como aconteceu no ano passado, e a atualização dos escalões do IRS à taxa de inflação. Nos próximos dias o partido irá fazer uma reflexão maior do documento, analisando se “algumas das medidas que foram hoje anunciadas de forma avulsa representam ou não uma solução para o país, ou se são apenas paliativos”.

Perante estas exigências dos partidos — e antes do PCP se pronunciar –, o Partido Socialista reagiu pela voz do deputado João Paulo Correia: “Não pode ser só responsabilidade do PS e do Governo, tem de ser também da parte dos habituais parceiros parlamentares, porque as negociações nascem de convergências, temos de valorizar os pontos que nos aproximam“, disse, notando que há margem para negociação. Sobre o Bloco, o deputado do PS disse que todas as prioridades do partido “têm tido avanços”, como a agenda para o trabalho digno ou a “dedicação plena” dos profissionais de saúde ao SNS.

Direita afasta-se do OE2022

À direita, o PS não deverá contar com nenhuma colaboração, tal como aconteceu no ano passado, até porque o próprio primeiro-ministro disse que no momento em que dependesse da direita o seu Governo cairia. A começar pelo PSD que, apesar de não dizer já que vota contra, mostra uma “profunda preocupação” com a proposta do OE2022. A crítica mais direta foi para a promessa de aumentar o investimento público para máximos de 2010: “O Governo demonstrou sempre a sua incapacidade de realizar, de fazer, não há razão para ficarmos satisfeitos pelo facto de haver um anúncio nesse sentido“, disse Afonso Oliveira, deputado do PSD.

O CDS foi mais longe na crítica ao classificar a iniciativa privada de “parente pobre” do orçamento, acusando o Governo de não ter uma resposta para as pequenas empresas. Sobre o alívio fiscal no IRS, tanto PSD como CDS são favoráveis, mas os centristas dizem que preferiam uma descida “transversal” a todos os escalões. “Este é um continuar desse caminho, portanto, não vejo razão para alterar o sentido de voto“, concluiu Cecília Meireles, ressalvando que o sentido de voto final dependerá de uma análise que ainda está por fazer.

A Iniciativa Liberal, que já anunciou o voto contra o OE2022, diz que “faltou estratégia e faltou verdade” à proposta do Governo. “A política é feita de escolhas, às vezes escolhas difíceis, e degradar a certos setores da sociedade é quase obrigatório”, disse João Cotrim Figueiredo, acusando o PS de querer agradar a todos ao ser “habilidoso” e tentando “esconder aquilo que verdadeiramente se está a passar”. E acusou o Governo de estar dependente do PRR: “Não é verdade que Portugal esteja numa boa situação orçamental, porque sem o PRR nós não teríamos crescimento do PIB relativamente a 2019 no próximo ano, sem o PRR não teríamos um défice inferior em 2022 do que está previsto para 2021, sem o PRR teríamos ainda mais subida nominal da dívida pública do que já está prevista”.

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