Pandemia acelera negócio do autocaravanismo em Portugal
O autocaravanismo é um setor em expansão na era Covid, com a oferta empresarial a multiplicar-se para dar resposta ao maior interesse dos portugueses. Veja a reportagem do ECO na Nauticampo.
O crescimento do autocaravanismo em Portugal tem sido “consistente”, mas a pandemia de Covid-19 acabou por dar um novo impulso à atividade. O que explica este maior interesse por parte dos portugueses? Como tem evoluído o perfil dos praticantes? E quais são os entraves à progressão desta tendência? O ECO foi conhecer alguns dos profissionais deste setor na feira Nauticampo, que decorre na FIL, em Lisboa, até 20 de fevereiro.
A Yescapa, uma intermediária entre proprietários e viajantes para o aluguer de autocaravanas entre particulares, é resultado deste aumento da atratividade, como relata a country manager, Maria Liquito. Viu disparar a procura em 2020 e atesta que o crescimento se manteve “estável em 2021, mesmo com a retoma do turismo”. Diz que a pandemia “despertou” mais gente para esta forma de viajar, à boleia de um desejo de “segurança, distanciamento e liberdade”. Para 2022, prevê um novo crescimento de 40%, em relação ao ano passado.
Horácio Ribeiro, da Associação Caravanismo de Portugal (CDP), descreve um crescimento “exponencial” no setor nos últimos 10 a 15 anos, notando que “a própria pandemia também veio ajudar porque optou-se por um turismo de ar livre”. Alude igualmente a um aumento da procura por parques de campismo, mesmo entre os utilizadores de autocaravanas, sobretudo por uma questão de segurança. E vê este mercado a crescer também pelo surgimento de “muitos investidores estrangeiros” a apostar no setor, nomeadamente holandeses, ingleses e franceses.

O crescimento do autocaravanismo tem sido constante desde que surgiu em território nacional. Quem o garante é Maria Teresa Paiva, vice-presidente da Associação Autocaravanista de Portugal (CPA). Criada em 1990, acompanha o setor “praticamente desde o início do autocaravanismo em Portugal”. Vê-o a evoluir positivamente e, refere, “tem cada vez mais tendência a crescer”. “E agora com o aluguer das autocaravanas haverá não propriamente mais autocaravanistas, mas mais praticantes”, acrescenta.
A visão é partilhada por Filipe Sobreira, gerente da plataforma de aluguer e venda de autocaravanas Têdêrent, que fala até de uma fase “anormal” motivada pelo desejo dos consumidores, em função da pandemia, preferirem opções mais isoladas e seguras. “As pessoas prefiram estar dentro de uma autocaravana do que estar num hotel com centenas de pessoas à sua volta”, concretiza. Além disso, refere que a pandemia veio “potenciar” o gosto pelo “turismo de ar livre”, que já se vinha sentindo antes do surgimento do coronavírus.

Já Maria Isabel Mesquita, gerente da concessionária Go Caravaning, contrapõe o crescimento da procura por autocaravanas à redução nas caravanas. Na origem desta assimetria estão dois fatores: o facto de a autocaravana ser um veículo “muito mais portátil do que a caravana e não precisar legalmente do parque de campismo”. Contudo, lembra que estes veículos precisam de parar nos locais de estacionamentos específicos.

Esta empresária acredita que, se fosse possível realizar um test drive às caravanas, a popularidade iria crescer novamente. Já para a Susana Couto, gerente do concessionário Campo Calmo, a principal razão para o crescimento do setor é que “as pessoas estão carentes de sair” de casa devido à pandemia. Nas caravanas aponta como vantagem a possibilidade de parar e viajar localmente de carro, mas nota outra tendência: “vários casais começaram a preparar as caravanas de maneira diferente, para serem um bocadinho mais autónomos e terem menos custos”.
Um setor de nichos?
Sendo o setor dispendioso, quer no aluguer, quer na venda, quem é, afinal, o público-alvo? Filipe Sobreira responde que “até há meia dúzia de anos, o autocaravanismo era um turismo mais sénior”, vocacionado para reformados ou amantes desta prática. À semelhança de Susana Couto, o gerente da Têdêrent acredita que, graças ao surgimento das campers (carrinhas adaptadas para o autocaravanismo), há um “público mais jovem” a apreciar este modo de férias, sendo que as marcas já começaram a adaptar a sua oferta para estes utilizadores.
Também pelo fator do preço e do tempo, as viagens realizadas tendem a cingir-se ao circuito nacional. “Em teoria, pegar numa autocaravana e ir a Itália parece um bom plano. Mas até chegar lá demora-se três ou quatro dias para ir e são outros tantos para voltar”, relata Filipe Sobreira, para quem “o conceito nacional funciona melhor, pois num espaço de tempo mais diminuto pode-se conhecer algumas terras, sem usar muitos dias”.

Já ao nível da experiência, Isabel Mesquita, da Go Caravaning, admite “não haver uma regra”. Isto é, “há pessoas que veem do caravanismo e depois passam para uma autocaravana”, mas também quem faça o movimento oposto. Contudo, Susana Couto (Campo Calmo) esboça as diferenças entre as duas modalidades: “o cliente com caravana, por norma, desloca-se em família para parques de campismo e viaja no seu automóvel para conhecer as localidades; o cliente com autocaravana tem mais a intenção de viajar”.
Quais os entraves ao crescimento?
Apesar deste crescimento, os empresários alertam que nem tudo anda sobre rodas neste setor. Para a vice-presidente da CPA, Teresa Paiva, é preciso dar mais atenção ao autocaravanismo e, em particular, ao “correto despejo das águas residuais e recarga com águas limpas nas estações de serviço. Admite que tem havido alguns esforços por iniciativa das associações, mas acrescenta que “neste momento estão-se a fazer coisas com o apoio do Turismo de Portugal — e estão-se a fazer mal”, nomeadamente na localização das estações de serviço.
Para Teresa Paiva, o dinheiro investido pelo Turismo de Portugal nesta área está a ser “mal gasto”, sendo que “enquanto associação, e juntamente com outras, já [alertaram] para esta situação, mas o erro continua”. “O Turismo Portugal não ouve a parte dos autocaravanistas”, acusa a vice-presidente da CPA. A responsável explica que no inverno existe um fluxo de autocaravanistas europeus em busca de climas amenos, mas “isto trouxe problemas porque não havia infraestrutura para os receber”. O resultado? “Agora entra-se no exagero de tudo proibir”, diz Teresa Paiva, aludindo às polémicas limitações à pernoita fora dos locais designados.

A vice-presidente defende ainda um investimento em estações de serviço mais próximas das localidades e com capacidade para um maior número de utilizadores, de modo a incentivar o consumo local. Um espelho das palavras da Yescapa, que aponta para as limitações de infraestruturas e a falta de lugares autorizados e equipados para autocaravanas como obstáculo a um crescimento ainda mais significativo do volume de negócios.
Filipe Sobreira, da Têdêrent, sustenta, por outro lado, que o autocaravanismo não está mais acessível. “Pelo contrário, acho que está a ficar mais caro. E este ano, em particular, nota-se imenso a inflação nos preços”. Para o gestor, “este é um produto caro para a realidade nacional” e essa é a razão, a par da reduzida dimensão do mercado português, pela qual julga não haver margem para o setor “crescer muito”. Ainda assim, aponta baterias à melhoria do serviço de acompanhamento aos autocaravanistas e ao maior esclarecimento público em relação às regras relativas às pernoitas e ao despejo das águas.
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