Chegou o momento de fixar os juros do crédito à habitação?
Após anos em terreno negativo, o BCE já não afasta uma subida dos juros. A subida da Euribor irá refletir-se nas contas das famílias, mas fixar a taxa de juro poderá não compensar em todos os casos.
A era dos juros baixos pode ter chegado ao fim. Com o banco central dos EUA a preparar-se para subir as taxas de juro para conter a inflação, algumas famílias já se questionam: chegou a hora de fixar os juros do crédito à habitação?
Depois de meses a garantir que as taxas de juro não iriam subir em 2022, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, já assume essa possibilidade, apesar de sinalizar que não prevê subidas imediatas. Aliás, são já vários os bancos a arriscarem previsões quanto à data e acentuação dessas subidas. Mas, para Lagarde, tal só acontecerá mediante três condições: uma taxa de inflação a médio prazo nos 2%, que esse nível de inflação tenha durabilidade, e que a inflação subjacente seja “forte o suficiente” para determinar o progresso até ao objetivo.
As palavras de Lagarde surgem em resposta à inflação histórica de 5,1% registada em janeiro na Zona Euro. Mas qual a relação entre a inflação e o aumento das taxas de juro? E como pode isto influenciar as contas das famílias portuguesas?
Quando os juros estão baixos, ou em valores negativos — como se encontram desde 2015 –, os bancos centrais procuram comprar dívida, o que leva a uma maior liquidez. Juros baixos, dinheiro mais barato. Mas esta crescente procura não só estimula o consumo como faz disparar os preços médios, causando uma subida da inflação.
Quando os bancos centrais sobem as das taxas de juro, o inverso acontece. Existe uma menor procura de crédito e um incentivo aos depósitos, resultando numa menor liquidez, e subsequente descida dos preços médios (ou inflação). O dinheiro fica mais caro e a liquidez é menor. Além disso, muitas famílias veem as prestações mensais da casa subirem, levando a uma maior contenção no orçamento familiar.
Fixar ou não fixar, eis a questão
Voltemos, por isso, ao crédito à habitação. Um cenário de aumento das taxas de juro pelo BCE vai influenciar outras taxas existentes na economia. Aliás, só a expectativa já começa a puxar pelos juros da dívida pública portuguesa, por exemplo.
“Por um lado, ao nível dos juros, esperamos uma subida das Euribors, que embora deva ser moderada, será suscetível de provocar uma subida das prestações de crédito”, explica ao ECO o economista e presidente da consultora Informação de Mercados Financeiros (IMF). Contudo, alerta que a subida da inflação “afetará o poder de compra caso as fontes de rendimento não a acompanhem”, sublinhando que o aumento generalizado dos preços no consumidor e a recuperação económica devem ser vistas como uma oportunidade para recuperar rendimentos.
No final de dezembro de 2021, a taxa média de juro para novos créditos à habitação situou-se nos 0,83%, um valor acima dos 0,8% fixados no final de 2020. A subida é ligeira, mas a expectativa é para a tendência continuar nos próximos meses. Sendo que a taxa fixa não está dependente das variações no mercado, e o juro com taxa variável oscila consoante a evolução da Euribor a 3, 6 ou 12 meses, será então vantajoso fixar os juros no crédito à habitação?
A resposta não é simples. Filipe Garcia explica que embora veja com dificuldade taxas acima de 1% nos próximos anos, é necessário ter em mente que, relativamente à taxa fixa, “a penalização por amortização antecipada é quatro vezes maior e a taxa de juro é mais alta precisamente quando o capital em dívida é maior”. O economista acrescenta ainda que, a qualquer momento, é possível mudar a taxa variável para uma fixa, mas não o inverso.
João Melo, responsável de crédito à habitação do ComparaJá, diz ser “praticamente impossível” prever, a longo prazo, se a mudança pode compensar, visto que um crédito à habitação dura em média 30 a 35 anos.
Ainda assim, o especialista refere que a curto e médio prazo, esta pode ser uma boa hora para fixar os juros no crédito: “Uma boa solução pode passar por transferir um crédito habitação. Ainda assim, é possível alterar a taxa sem transferir o crédito”, refere, recordando porém que existem bancos que não oferecem taxa fixa, ou que, apesar de oferecerem uma “taxa variável boa”, podem não ter uma taxa fixa “igualmente positiva”.
É boa altura para comprar casa?
Para quem pensa em comprar casa neste início de ciclo económico, João Melo adverte para quatro coisas a ter em consideração: “Os seguros de vida e multirriscos, a Euribor, o spread e a TAEG”, sendo este último o “conceito mais determinante” e que engloba “todas as taxas, juros, comissões, despesas e encargos extra”.
É ainda importante relembrar que a taxa de juro se define pela soma da Euribor e do spread, alerta o responsável pelo crédito à habitação. O spread é, em linhas gerais, a margem de lucro do banco que concede o financiamento.
João Melo refere a existência de fatores a favorecer os jovens que desejem contratar um crédito habitação nesta fase das suas vidas, nomeadamente créditos dedicados a jovens com menos de 35 anos, spreads mais baixos e uma redução nas prestações mensais durante os primeiros anos de amortização.
Importa recordar ainda que o Banco de Portugal se prepara para puxar mais um travão no crédito. As novas normas ditam que “apenas as pessoas com menos de 30 anos poderão estender o crédito à habitação até aos 40 anos”, recorda João Melo. Em função do “quase certo” aumento da inflação em 2022, e das taxas de juro, o responsável da ComparaJá crê que “este será possivelmente uma boa altura para comprar casa a crédito”, visto considerar tratar-se de um “momento de viragem” no cenário do custo dos créditos.
E quem já tem crédito à habitação?
João Melo nota uma “especial preocupação” no comportamento dos utilizadores da plataforma de intermediação financeira: “A verdade é que têm aumentado as perguntas relacionadas com a Euribor e, principalmente, com os novos prazos máximos de crédito habitação”, uma mudança “algo significativa”, garante.
No caso das famílias com um crédito à habitação contratado há mais tempo com uma taxa variável, o responsável enfatiza que este crédito “não tem de ser para a vida toda”, sendo possível a sua transferência para outra entidade bancária.
Na ComparaJá, 20% de todos os processos de crédito à habitação destinam-se a transferências do crédito. Uma das vantagens da transferência de crédito é a possibilidade de usufruir de novos números, nomeadamente uma TAEG mais vantajosa, sendo esta a “melhor forma” de alterar o tipo de taxa do crédito. Contudo, “o tipo de taxa que mais compensa pode variar ao longo dos anos”, pelo que Melo recomenda comparar sempre as propostas existentes no mercado.
Os juros altos vieram para ficar?
A possível subida dos juros pelo BCE ameaça reverter uma tendência de juros negativos em vigor desde 2015. Contudo, Filipe Garcia adverte que estas taxas negativas, por sua vez, também geram distorções. “Em certo sentido, é positivo que os juros subam para que a política monetária ganhe alguma normalidade e tenha mais espaço de intervenção futura”, diz o economista. Isto porque subir e descer os juros é o principal instrumento de política monetária à disposição dos bancos centrais, e se os juros já estão abaixo de zero, não há muito mais por onde cortar caso seja necessário estimular a economia.
Contudo, tendo em conta os níveis de endividamento de alguns países europeus, Filipe Garcia estima que o BCE terá sempre “dificuldades em subir muito as taxas”, dado o risco de uma nova crise da dívida. Como tal, o economista avança que o BCE poderá usar esta inflação para “’resolver’ algum excesso de endividamento”.
Subir os juros pode mesmo travar a inflação?
É de salientar que o disparo da inflação se deve, em boa medida, à subida dos preços da energia, a escassez de matérias-primas e o estrangulamento das cadeias logísticas. Neste sentido, será um aumento das taxas de juro a melhor forma de encarar estas questões?
Na opinião de Filipe Garcia, este é um tema para o qual a política monetária não chega. “Subir taxas neste contexto arrisca a que, numa primeira fase, a inflação até suba, porque é mais um custo a imputar às empresas e tenderá a arrefecer a economia”, explica o economista. Sendo que a política monetária não aborda os problemas na oferta, a mesma irá tentar “deprimir a procura” e desacelerar a atividade económica, acrescenta.
Os preços da energia também têm subido à boleia da transição energética e do progressivo corte das emissões de dióxido de carbono atualmente em vigor, que tem puxado pelos preços das licenças de carbono. Além disso, a Europa arrisca perder a Rússia como um dos principais fornecedores de gás natural do continente, se continuarem a escalar as tensões militares entre a Rússia, a Ucrânia e a aliança da NATO. Em suma, com a eliminação da energia proveniente do carvão, e outros combustíveis altamente poluentes, as alternativas reduzem-se e a procura aumenta, resultando na atual crise energética em vigor.
Assim, se a transição energética, que é necessária, pode ser compensatória mediante outras vias, para Filipe Garcia, é acima de tudo uma pressão inflacionista: “A transição energética e toda a revolução ESG [vulgo investimento sustentável] são inflacionistas. Ponto final.”
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