O que são armas nucleares, que países as detêm e quais as consequências? 8 respostas

A invasão russa à Ucrânia reacendeu os receios relativos ao uso de armas nucleares. Mas, afinal, o que são armas nucleares, que países as detêm e quais as suas consequências? O ECO preparou um guia.

Há pouco mais de três semanas o mundo mudou com a invasão russa à Ucrânia. O conflito veio abalar a paz conhecida no “Velho Continente” desde a guerra da ex-Jugoslávia, que terminou em 2001, com o Kremlin a ameaçar reagir a qualquer tentativa de interferência dos países pertencentes à NATO, em declarações que foram interpretadas como uma potencial ameaça de recurso ao uso de armas nucleares.

O desfecho de uma eventual escalada do conflito é ainda incerto. Contudo, a invasão russa à Ucrânia tem sido generalizadamente condenada a nível internacional, inclusivamente no âmbito da Assembleia Geral extraordinária das Nações Unidas, e levando à imposição de pesadas sanções económico-financeiras por parte dos países ocidentais e a outras tantas retaliações por parte de Moscovo. Além disso, o regresso da guerra na Europa reacendeu o debate sobre a despesa dos Estados da NATO na defesa, pelo que, por exemplo, a Alemanha já veio sinalizar que vai reforçar de forma significativa o orçamento militar.

À luz da informação atualmente disponível, ainda que não seja impossível, parece improvável que a situação na Ucrânia resulte num ataque nuclear, dado que o anúncio de alerta de prontidão máxima das forças de dissuasão nuclear da Rússia ainda não teve um correspondente eco a nível internacional, designadamente por parte dos EUA. Mas, afinal, o que são armas nucleares, que países as detêm e quais as suas consequências? O ECO preparou um conjunto de oito perguntas e respostas sobre o tema.

  1. O que são armas nucleares e que tipos de armas existem?

Uma arma nuclear é um dispositivo projetado para libertar energia sob a forma de uma explosão através de reações nucleares de fissão, de fusão ou de reações combinadas dos dois processos. De uma forma simplista, a fissão nuclear corresponde à divisão do núcleo de um átomo instável e pesado em dois núcleos atómicos mais leves, sendo libertada no processo uma enorme quantidade de energia. O elemento mais utilizado na fissão é o urânio. A fissão nuclear é geralmente aplicada aos processos de produção de energia e de bombas atómicas.

Já a fusão nuclear é um processo que consiste na união de dois átomos mais leves que formam um terceiro mais pesado. As armas que usam fusão nuclear são designadas bombas de hidrogénio ou bombas termonucleares.

Ao ECO, Maria Francisca Saraiva, investigadora do Instituto de Defesa Nacional, aponta que as armas nucleares “são armas de destruição massiva (a par das armas químicas, biológicas e radiológicas), bastante diferentes da generalidade das armas convencionais, tendo em conta “a sua capacidade devastadora de dizimar populações”. Assim, a também professora do ISCSP, sinaliza que existem “armas nucleares estratégicas e armas nucleares táticas”.

O arsenal nuclear estratégico é “constituído por mísseis balísticos intercontinentais lançados de terra (ICBM), mísseis balísticos lançados por submarinos (SLBM) e aviões bombardeiros estratégicos“, explica a investigadora, sublinhando que estes “mísseis atingem alvos a grandes distâncias”, cujo poder de alcance oscila entre “pelo menos 5. 500 quilómetros” e até aos 13.000 quilómetros de distância.

Por outro lado, armas táticas “são destinadas principalmente para emprego no teatro de operações, contra as forças armadas do adversário” dado que “têm uma reduzida potência e um alcance pequeno, afirma Francisca Saraiva.

2. Quais as suas consequências e porque são tão temidas?

As armas nucleares possuem um enorme poder destrutivo. Quando uma arma nuclear é utilizada liberta quatro tipos de energia: uma onda de choque, luz intensa, calor e radiação. Esta radiação pode facilmente alastrar e disseminar-se muito para muito para além do local da explosão, podendo causar fortes lesões ou até a morte por queimaduras, bem como levar ao desenvolvimento de doenças a longo prazo, como, por exemplo, o cancro.

De acordo com o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), quando uma arma nuclear explode, é criada uma grande bola de fogo. Tudo dentro desta esfera evapora e é levado para cima. Isto cria uma nuvem em forma de cogumelo. O material contido na nuvem esfria em partículas semelhantes a poeira, a qual regressa à terra sob a forma de precipitação. A poeira radioativa pode ser transportada e disseminada pelo vento até centenas de quilómetros do local da explosão, nomeadamente pelas chamadas correntes de jato da atmosfera terrestre, podendo contaminar qualquer coisa em que pouse.

O potencial de destruição e o seu raio de alcance depende do tipo de arma utilizada (ogivas simples ou múltiplas, acopladas a mísseis balísticos de alcance intermédio ou inclusivamente intercontinentais), mas vai desde a destruição de pequenas e médias cidades até à destruição completa de grandes metrópoles, como Nova Iorque. Segundo a BBC, estima-se que até hoje nenhuma explosão em ensaios nucleares tenha superado a potência da “Bomba Czar”, lançada pela União Soviética em 1961, que tinha uma potência equivalente a 50 milhões de toneladas de dinamite (50 megatons). Esta bomba de hidrogénio foi considerada 3.000 vezes mais poderosa do que a lançada em Hiroshima pelos EUA. “As armas de hoje ultrapassam muito, em potência, as lançadas sobre o Japão, durante a Segunda Guerra Mundial”, assinala Francisca Saraiva.

Além do impacto destrutivo imediato e dos efeitos radioativos a médio e longo prazo para as populações afetadas, as armas nucleares podem inclusivamente levar à cegueira de pessoas próximas do local da explosão (efeito colateral do clarão de luz) e contaminar alimentos e fontes de água.

3. Quando é que foi realizado o primeiro teste com armas nucleares?

O armamento nuclear começou a ser desenvolvido no contexto da II Guerra Mundial. A 2 de agosto de 1939, Albert Einstein enviou uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, alertando-o para o facto de a Alemanha poder estar a desenvolver uma bomba atómica. Face a este aviso, os Estados Unidos decidiram criar o projeto Manhattan, com o apoio do Reino Unido e Canadá, envolvendo mais de 100 mil pessoas, segundo a Euro News.

O projeto foi dirigido pelo físico Julius Robert Oppenheimer e começou a ganhar força na década de 40, sendo que a 16 de julho de 1945, os Estados Unidos levaram a cabo o primeiro ensaio nuclear da História. Pelas 5h30, as montanhas em torno do campo de mísseis de Whitesands, no estado do Novo México, acolhiam um impacto impressionante. A explosão provocou um clarão de luz em tons de laranja, verde e roxo e o “cogumelo” de fogo elevou-se a 12 quilómetros de altitude. O epicentro da explosão provocou uma cratera com três metros de profundidade e 300 metros de diâmetro, segundo o Diário de Notícias. Era então realizado o primeiro teste nuclear, tendo ficado conhecida como Experiência Trinity.

4. Quantos países têm armas nucleares e quantas?

O número exato de armas nucleares que cada país detém é um segredo de segurança nacional, pelo que os dados existentes são baseados em estimativas. Segundo os dados mais recentes do Stockholm International Peace Research Institute, referentes ao início de 2021, há nove países com armamento nuclear: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Israel e a Coreia do Norte.

a Rússia e os EUA detêm, entre si, 90% das cerca de 13.080 ogivas nucleares existentes. O país liderado por Vladimir Putin é a nação com o maior armamento nuclear: tem 6.255 armas nucleares, das quais 1.625 estão prontas a usar ou acopladas a mísseis e as restantes 4.630 estão armazenadas, de reserva, ou aguardam desmantelamento. Recorde-se que com o fim da União Soviética, a Rússia manteve o seu arsenal e ainda ficou com as armas das antigas repúblicas soviéticas da Bielorrússia, do Cazaquistão e da Ucrânia.

Estimativas de ogivas nucleares realizadas pelo Stockholm International Peace Research Institute.Fonte: Stockholm International Peace Research Institute

Já os EUA deverão ter 5.550 armas nucleares, das quais 1.800 prontas a usar e as restantes 3.750 a aguardarem desmantelamento. Em terceiro lugar, surge a China que, segundo as estimativas, tem 350 ogivas nucleares, todas estas armazenadas em reserva ou a aguardar desmantelamento. Não obstante, o Departamento de Defesa norte-americano acredita que o regime chinês pode duplicar, ao longo da próxima década, o seu arsenal, podendo chegar a ter até 700 armas nucleares em 2027 e cerca de mil, em 2030.

Seguem-se Reino Unido e França, os únicos países europeus com armamento nuclear próprio. Os britânicos que começaram o seu desenvolvimento em 1952, detêm 225 ogivas nucleares, das quais 20 estão prontas a usar e 105 estão armazenadas, ao passo que a França, que só arrancou com o desenvolvimento próprio na década de 60, tem atualmente 290 ogivas nucleares, das quais 280 prontas a usar e 10 armazenadas.

Em sétimo lugar surge o Paquistão, com 165 ogivas nucleares, seguindo pela Índia com 156 ogivas nucleares, Israel com 90 e a Coreia do Norte com entre 40 a 50 ogivas. Destes países, Paquistão, Índia e Coreia do Norte assumiram nas últimas décadas a produção de armamento nuclear, ao passo que Israel nunca assumiu publicamente que detém armas nucleares.

Os arsenais nucleares, nomeadamente dos EUA e da Rússia, são atualmente “substancialmente menores do que eram na Guerra Fria, em virtude de sucessivos tratados de desarmamento nuclear assinados bilateralmente ao longo das últimas décadas”, destaca a investigadora do Instituto de Defesa Nacional, ao ECO. Contudo, as estimativas do Stockholm International Peace Research Institute indicam que as armas nucleares prontas a usar aumentaram para 3.825 em 2021 face às 3.720 estimadas no ano anterior. O organismo nota ainda que cerca de 2 mil destas – quase todas detidas pela Rússia ou pelos EUA – foram mantidas em estado de alerta operacional elevado.

“O número total de ogivas nas reservas militares globais parece estar a aumentar, o que é um sinal preocupante perante a tendência de declínio que caracterizou os arsenais nucleares globais desde o fim da Guerra Fria“, assinalou Hans M. Kristensen, membro do programa de desarmamento nuclear, controlo de Armas e não-proliferação do SIPRI e diretor do projeto de informação nuclear da Federação de Cientistas Americanos.

5. Alguma vez algum país utilizou uma arma nuclear contra outra nação?

Até hoje, os Estados Unidos foram o único país a utilizar armas nucleares numa situação de conflito. Na manhã de 6 de agosto de 1945, um bombardeiro B.52 com o nome Enola Gay largava a primeira bomba em Hiroshima, no Japão, estimando-se que a explosão tenha matado imediatamente entre 50 mil a 100 mil pessoas, segundo a BBC. O engenho de urânio foi batizado com o nome de “Little Boy”. Três dias depois, mais precisamente a 9 de agosto de 1945, outra bomba, desta vez feita de plutónio, explodiu em Nagasaki, provocando a morte imediata de entre 28 mil a 49 mil pessoas.

Na altura, as tropas norte-americanas justificaram o ataque referindo que isso economizaria dinheiro e pouparia a vida a dezenas de milhares de militares norte-americanos, bem como de soldados e civis japoneses, dado que continuar com a guerra durante semanas ou meses com recurso a bombardeamentos convencionais e uma invasão terrestre do Japão por parte dos EUA poderia ter causado a morte a milhões de japoneses. Além disso, segundo a BBC, o presidente Truman justificou ainda a decisão como resposta ao brutal ataque aéreo do Japão à frota americana do Pacífico estacionada em Pearl Harbor a 7 de dezembro de 1941 e o assassinato de prisioneiros americanos. Um mês depois o Japão anunciava a sua rendição pondo fim à II Guerra Mundial.

6. A Ucrânia já teve armamento nuclear?

Sim. Durante a Guerra Fria, a Ucrânia detinha um gigantesco arsenal nuclear, sendo considerada a terceira maior potência nuclear do mundo. Com o colapso da União Soviética em 1991 e a subsequente criação da Comunidade de Estados Independentes (CEI), a Ucrânia herdou cerca de 3.000 armas nucleares deixadas por Moscovo no seu território, segundo a BBC. Contudo, a 5 de dezembro de 1994, a Ucrânia assinou o Memorando de Budapeste, na Hungria, abrindo mão do armamento nuclear em troca de segurança e reconhecimento como país independente.

O acordo foi assinado entre a Ucrânia, Rússia, Estados Unidos e Reino Unido sendo que em troca da aceitação de desnuclearização por parte de Kiev, estes países comprometiam-se a “respeitar a independência, a soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia” e a “abster-se da ameaça ou do uso da força” contra o país. Estas prerrogativas eram importantes, dado que a Ucrânia só conquistou a sua independência definitiva em 1991 e ainda lutava por um reconhecimento internacional, após a era soviética. Este memorando foi também assinado pela Bielorrússia e pelo Cazaquistão, com as mesmas condições conferidas ao governo de Kiev.

7. Ataque nuclear da Rússia é mesmo possível?

Quando Vladimir Putin anunciou a “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia, a 24 de fevereiro, garantiu que quem tentasse travar o país ou criasse “ameaças” enfrentaria “consequências nunca antes vistas na sua história”. As declarações foram interpretadas como uma ameaça de eventual recurso ao uso de armas nucleares. Além disso, três dias depois, Putin colocou em alerta máximo as forças de dissuasão nucleares russas, um dos passos prévios ao acionamento de uma arma nuclear.

O desfecho dessa eventual escalada do conflito é incerto e as opiniões dos especialistas divergem, havendo, por isso, quem interprete a declaração do presidente russo apenas como uma ameaça verbal que não será efetivada pelo receio da retaliação do Ocidente. Ao ECO, Francisca Saraiva considera que a Rússia não “equaciona usar armas estratégicas, porque não se adequam ao conflito territorialmente localizado na Ucrânia”.

Além disso, a investigadora relembra que um qualquer ataque nuclear russo seria imediatamente retaliado por uma das três potências nucleares da aliança NATO, e vice-versa, um equilíbrio de efeito reciprocamente dissuasor conhecido pela sigla MAD — que significa, em inglês, mutual assured destruction. Assim, Francisca Saraiva sinaliza que a ameaça nuclear de Putin “serve os propósitos da guerra permitindo-lhe projetar poder militar e condiciona o curso das negociações de paz no sentido de serem aceites as suas exigências“, tendo já sido utilizada por Nixon e Henry Kissinger, em 1969, quando tentaram intimidar o Vietname do Norte e a URSS para cederem às negociações, ainda que sem sucesso.

Certo é que a decisão do Kremlin de acionar as forças nucleares russas não teve eco proporcional nos EUA, a segunda maior potência nuclear do mundo, que decidiu não elevar o estado de alerta das suas próprias forças para evitar uma escalada desnecessária, tal como referiu o The New York Times. O próprio Presidente dos EUA também já reiterou publicamente que os cidadãos não devem temer um ataque nuclear, quando questionado por jornalistas nesse sentido. Também o secretário de Defesa do Reino Unido, Ben Wallace, sinalizou que o anúncio feito pelo presidente da Rússia foi puramente “teórico”.

8. Que tratados existem para dissuadir o uso de armas nucleares?

As armas nucleares começaram a ser utilizadas no fim da II Guerra Mundial. Além disso, o período subsequente que ficou conhecido como “Guerra Fria” — marcado pela tensão geopolítica entre a União Soviética e os Estados Unidos e os seus respetivos aliados –, levou as duas superpotências a uma corrida ao desenvolvimento do armamento nuclear, fazendo aumentar os receios relativos ao uso de energia nuclear para fins militares.

Exemplo disso, foi o episódio que ficou conhecido como “crise dos mísseis de Cuba” em 1962, que resultou num impasse de 13 dias entre os EUA e a União Soviética devido à instalação de mísseis nucleares soviéticos na ilha caribenha de Cuba, demonstrando a forte polarização existente entre os blocos comunista e capitalista. Este episódio colocou as duas potências à beira de uma guerra com efeitos imprevisíveis e acelerou a necessidade de criar um compromisso global de contenção e controlo destas armas.

Nesse contexto, em 1968, foi assinado o tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, ambos entre EUA, União Soviética e o Reino Unido, as principais potências nucleares na altura. O documento só entrou em vigor no ano seguinte, sendo que assentou em três conceitos essenciais: a não-proliferação, o desarmamento e a canalização da energia nuclear para fins pacíficos. Este tratado tem sido periodicamente renovado e foi gradualmente subscrito por quase todas as nações do mundo, pelo que atualmente conta com o “carimbo” de mais de 180 países.

Neste âmbito, um dos casos que suscita maior preocupação junto da comunidade internacional é o da Coreia do Norte, que aderiu a este tratado em 1985 mas retirou-se em 2003 e desde então tem seguido uma política intermitente de avanço e recuo.

Não obstante, nas últimas décadas têm sido assinados vários tratados tendo em vista a proibição de utilização de armas nucleares. É o caso do Tratado sobre Reduções de Ofensiva Estratégica ((SORT na sigla em inglês) assinado em 2002 entre a Rússia e os EUA, que impõe um limite máximo dos arsenais nucleares em 2.200 ogivas operacionais para cada um destes países. Mais recentemente, em 2021, entrou em vigor o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPAN), tendo sido assinado por mais de 86 países, bem como foi prorrogado por mais cinco anos o “Novo Tratado START”, impõe limites a armas nucleares estratégicas dos EUA e Rússia.

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