O que explica a diferença da previsão de inflação entre Leão e Centeno?

O Ministério das Finanças reviu em alta a taxa de inflação de 2022, mas menos do que o Banco de Portugal. A diferença é técnica, mas também está relacionada com expectativas.

O Governo reviu em alta a taxa de inflação de 2022 de 0,9% (Orçamento do Estado para 2022) para 2,9% (Programa de Estabilidade 2022-2026), três vezes mais. Na semana passada tinha sido o Banco de Portugal a rever “em alta muito significativamente”, como disse o próprio governador Mário Centeno, com a taxa de inflação a passar para o dobro. As duas previsões foram divulgadas quase em simultâneo, mas têm uma diferença relevante. O que a explica?

O número do Governo refere-se ao Índice de Preços no Consumidor, ao qual o Instituto Nacional de Estatística (INE) também dá mais destaque. Mas para comparar com o Banco de Portugal é preciso utilizar o IHPC (Índice Harmonizado de Preços do Consumidor), que também serve para comparações europeias. Nesta ótica, o Executivo prevê uma taxa de inflação de 3,3% e não apresenta um cenário adverso (o qual contempla apenas o IPC, que passaria para 4,2%). O BdP aponta para um IHPC de 4% no cenário central e de 5,9% no cenário adverso.

Apesar de a diferença encurtar do que quando a comparação é feita com o IHPC em vez do IPC, a previsão do Governo continua a uma distância considerável das outras previsões divulgadas quase ao mesmo tempo. Há duas semanas, o Conselho das Finanças Públicas previa para Portugal um IHPC de 3,9% em 2022, alinhando com o número avançado pelo banco central.

O que justifica então esta diferença? Questionado pelo ECO, o Ministério das Finanças começa por dizer que “por trás da estimativa de 2,9% está uma inflação superior a 4% no primeiro semestre, em linha com o observado até fevereiro, e uma desaceleração para valores inferiores a 2% no final do ano (devido ao efeito base relacionado com a inflação já muito elevada no final de 2021)”. Ou seja, o Governo estará mais confiante na travagem dos preços no segundo semestre do que o BdP e o CFP.

Além disso, “esta estimativa considera também o efeito das medidas de política que atenuam o efeito dos preços (em particular na área da energia e dos transportes) e que explicam que Portugal já tenha das taxas de inflação mais baixas da União Europeia e que vá continuar a ter“.

Isto é, o Governo conta que as suas medidas — nomeadamente a injeção de dinheiro do Fundo Ambiental no sistema elétrico nacional para baixar a tarifa de acesso às redes, “que é responsável, por vezes, por metade do que é pago pelas famílias e pelas empresas”, segundo o Executivo, a redução do ISP e a eventual descida do IVA dos combustíveis — contribuam para travar os preços.

Na sua resposta, o Ministério das Finanças explica ainda que o IHPC “deverá este ano registar aumentos maiores do que o IPC devido à recuperação do turismo” uma vez que essa componente pesa mais no índice harmonizado.

Outra das explicações não avançadas pelo gabinete de João Leão são os diferentes pressupostos sobre a evolução de determinadas matérias-primas à luz da guerra na Ucrânia. No caso da cotação do petróleo, o Governo prevê que fique em 92,6 dólares (preço médio) em 2022 ao passo que o Banco de Portugal aponta para 103,6 dólares.

Quando apresentou o boletim económico de março, Mário Centeno admitiu que tem sido “surpreendido mês após mês” com a evolução dos preços, assumindo que a subida da componente energética está a propagar-se a todos os setores. “As pressões externas fazem crer que o risco é em alta para a inflação”, rematou, referindo que mesmo nos anos seguintes, o nível dos preços energéticos regista “alguma persistência”.

Há uma coisa que o Governo e o Banco de Portugal têm em comum: ambos acreditam que a taxa de inflação vai desacelerar significativamente em 2023, com o IHPC a situar-se em 1,7% e 1,6%, respetivamente — além disso, ambos assumem que não haverá aumentos salariais muito expressivos. Aqui quem destoa é o CFP que aponta para 2,2%, ainda acima do objetivo de 2% do Banco Central Europeu para o conjunto da Zona Euro.

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