Negócio ruinoso no Brasil deixa de afundar a TAP ao fim de 15 anos
A M&E Brasil foi um sorvedouro de dinheiro para a companhia área durante década em meia. As contas ficaram saldadas em 2021, com a contabilização de mais de mil milhões em imparidades.
A expectativa de uma melhoria dos resultados da TAP em 2021, acompanhando a recuperação do transporte aéreo, saiu gorada. O ano terminou afinal com um prejuízo recorde de 1.600 milhões de euros. A principal responsável por tão negro número chama-se M&E Brasil.
A companhia área portuguesa decidiu no final de dezembro encerrar aquela operação depois de não ter conseguido encontrar um comprador viável. Com o fecho, foi preciso saldar uma conta que é tão antiga quanto o negócio de compra da Manutenção e Engenharia da Varig, em 2006, decidida pelo então presidente da TAP Fernando Pinto.
A M&E Brasil é detida pela TAP SGPS, mas quem foi tapando os prejuízos foi a TAP SA, dona da companhia área. Como? Fazendo empréstimos à holding para esta injetar na companhia de manutenção brasileira. No final do ano passado, as contas a receber da TAP SA pela TAP SGPS totalizavam 884,7 milhões (a quase totalidade devido à M&E Brasil), segundo o relatório e contas.
Uma vez que a holding não tem como pagar, foi constituída uma imparidade nas contas de 2021 naquele montante. A fatura da M&E Brasil não fica por aqui. O mesmo relatório informa que foi ainda necessário proceder ao “registo de uma provisão no montante de 140,3 milhões referente à estimativa de encargos adicionais que a TAP terá que suportar relacionados com a referida reorganização societária, incluindo os decorrentes do processo de liquidação da TAP ME Brasil”.
A auditora, a PwC, considerou adequados os pressupostos usados pela companhia na contabilização destes valores, incluindo os encargos que possam resultar de ações a decorrer em tribunal.
Tudo somado, fazer a reestruturação societária da TAP SGPS e fechar o negócio da manutenção no Brasil custará 1.024,9 milhões. Valor já integralmente reconhecido nas contas de 2021 e que contribuiu de forma decisiva para o prejuízo de 1.600 milhões da TAP no ano passado.
Gonçalo Pires, administrador financeiro, garantiu na conferência de apresentação de resultados realizada esta segunda-feira que a companhia aérea não terá mais custos com a M&E Brasil, ainda que o processo de encerramento ainda esteja a decorrer.
A decisão de fechar aquela operação foi tomada pelo conselho de administração da TAP SGPS a 29 de dezembro de 2021, indica o relatório e contas, e comunicada em janeiro. Na mesma data, a TAP SA assumiu a responsabilidade de financiar a holding para fazer “face às contingências e responsabilidades que possam resultar do processo de liquidação”, em cumprimento do previsto no plano de restruturação aprovado em dezembro pela Comissão Europeia.
Christine Ourmières-Widener esteve no Brasil em novembro, em visita à operação naquele que é o principal mercado da companhia aérea no estrangeiro. A venda ou liquidação da TAP ME Brasil foi um dos temas na agenda, mas segundo a CEO nunca apareceu um comprador viável.
Segundo números recolhidos pela Lusa, a empresa de manutenção brasileira recebeu 538 milhões de euros em injeções financeiras do grupo entre 2010 e 2017. A CEO afirmou na altura à agência que a empresa tem atualmente 500 trabalhadores, estando no ativo pouco menos de 400.
A aquisição da antiga Varig Manutenção e Engenharia (VEM) foi fechada por Fernando Pinto em 2006, por 24 milhões de dólares, no estertor da companhia aérea brasileira. Além da VEM, foi também adquirida a Varig Logística, no âmbito de um plano que era suposto levar à aquisição da própria Varig, onde o então presidente da TAP trabalhara anos a fio.
A compra, que ficaria por 24 milhões de dólares, envolveu também o advogado Diogo Lacerda Machado, então administrador da Geocapital, que numa fase inicial entrou com a TAP no capital da VEM. “O preço da VEM foi imensamente baixo porque resultou de uma circunstância muito adversa da Varig, que precisava desesperadamente de meios financeiros, e a única hipótese foi oferecer [as empresas] a um preço escandalosamente baixo porque a sua necessidade [de dinheiro] era para o dia seguinte”, afirmou, em 2016, numa audição no Parlamento. “A VEM tem um potencial extraordinário, e um valor muitíssimo interessante”, acrescentou o futuro administrador não executivo da TAP.
Apesar de sucessivas reestruturações que foram emagrecendo o quadro de pessoal que chegou a ter mais de 4.000 trabalhadores, o potencial nunca se realizou. A TAP ME Brasil teve prejuízos de 31,9 milhões em 2016, de 50,1 milhões em 2017, de 51,6 milhões em 2018, de 14,7 milhões em 2019 e de 31,3 milhões em 2020. Nunca chegou a ter um ano positivo desde que foi adquirida.
A compra seria objeto de uma investigação judicial, iniciada em 2010, visando Fernando Pinto e mais quatro ex-administradores, por suspeita de administração danosa, tráfico de influência, branqueamento, corrupção passiva, corrupção ativa, participação económica em negócio, burla, prevaricação e abuso de poder. O Ministério Público absolveu, em outubro, todos os arguidos, arquivando o processo.
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