Como o acordo com Bruxelas vai travar a subida da luz, mas não do gás

O acordo entre Portugal e Espanha vai limitar o impacto da subida do gás na preço da eletricidade, contendo a inflação. Mas nada muda para os consumidores de gás natural.

Portugal e Espanha chegaram a acordo com a Comissão Europeia para a introdução de um limite de 50 euros por MWh para o valor do gás natural que é usado no cálculo dos preços da eletricidade. Saiba como chegará ao bolso dos consumidores e qual o impacto para as elétricas.

Porquê limitar o preço do gás natural?

O mercado de eletricidade em Portugal é marginalista, o que significa que o valor de referência é fixado com base no preço da última oferta que permite satisfazer a procura por energia. E a maior parte do tempo, são as centrais de ciclo combinado, onde a eletricidade é produzida a partir do gás natural, que em última instância satisfazem a procura. O que significa que mesmo o país tendo uma percentagem elevada de energia a partir de fontes renováveis, acaba por ser o gás natural a fixar o preço. Daí a importância deste limite. “As motivações desta medida prendem-se com o controlo a montante da inflação”, explica Jaime Braga, assessor da direção da CIP para os assuntos de Ambiente e Energia e membro do conselho tarifário da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE). O período de 12 meses permite abranger também o próximo inverno, quando a pressão sobre as cotações é ainda maior.

Qual o limite que será introduzido?

Os Governos de Portugal e Espanha pretendiam que fosse fixado um limite de 30 euros por MWh para o gás natural. As elétricas fizeram pressão para um valor maior. No fim, ficou estabelecido que numa fase inicial seria praticado um teto de 40 euros por MWh, mas o valor médio que vai vigorar durante 12 meses é de 50 euros por MWh. O último preço diário no Mibgás era esta quarta-feira de 74,50 euros o MWh em Portugal e de 82,79 euros em Espanha. O compromisso foi possível por a Península Ibérica ser quase uma ilha energética, devido à ligação limitada com França, sendo por isso mais afetada que outras regiões da Europa pelo aumento do preço do gás.

Como é que a medida afeta o preço da eletricidade?

Jaime Braga explica que são necessários 2 MWh de gás natural para produzir 1 MWh de eletricidade. Juntando outros custos do sistema, o valor máximo da eletricidade rondará os 125 MWh. O preço spot esta quarta-feira foi de 224,26 euros por MWh, segundo o OMIE. O limite imposto não significa que as tarifas da eletricidade não possam aumentar, mas travam uma subida mais agressiva. No início de Março, o secretário de Estado da Energia garantia numa conferência promovida pelo ECO que “as famílias portuguesas estão relativamente protegidas” e que, a haver aumentos nas tarifas da eletricidade, “serão sempre aumentos irrisórios”. Estes limites refletem-se nos clientes abrangidos pelas tarifas do mercado regulado, mas os preços no liberalizado não costumam ser muito diferentes.

Qual o impacto para as elétricas?

Com o limite, o preço a que as elétricas vendem a energia será mais baixo. Por exemplo, nas centrais hidroelétricas que não estão abrangidas por contratos com preço definido, a subida dos preços permitia margens muito elevadas, uma vez que o custo por MWh é muito baixo. Com o teto, também essas margens ficam limitadas. Já as centrais de ciclo combinado, que em Portugal são detidas pela EDP e a Endesa, vão vender a energia com um preço inferior ao custo que vão ter com o gás natural. Ainda não é claro como a diferença será compensada e se poderá afetar os consumidores.

Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa em Portugal, considerou, em entrevista ao Dinheiro Vivo, que este limite “não é de todo a melhor solução”. Vamos comprar, a título de imagem, a 100 [euros por megawatt hora (MWh)], mas dizemos que aqui não se cobra mais de 30 [limite máximo que consta na proposta enviada a Bruxelas]. A questão é que ficam a faltar 70 e alguém vai ter de pagar. O que inclusivamente Bruxelas tem dito é que não aceitamos que se crie défice [tarifário] que vai ter de ser imediatamente repartido pelos consumidores.

O El País escreve que em Espanha a compensação será feita aumentando o preço das outras formas de produção de energia, ainda que o consumidor acabe por beneficiar. Não haverá dinheiro do Estado, nem agravamento do défice tarifário.

O limite também se aplica ao gás natural vendido aos consumidores?

O teto acordado com Bruxelas só abrange o “efeito que o gás tem no preço da eletricidade, não no gás diretamente consumido” pela indústria e pelos consumidores particulares, explica ao ECO o secretário de Estado da Energia, João Galamba. O mercado regulado abrange apenas os pequenos consumidores domésticos, sendo as tarifas fixadas pela ERSE. Os consumidores domésticos que estão no mercado liberalizado, as empresas e a indústria ficam muito mais expostos à fortíssima subida das cotações. Para apoiar estas últimas foi criada uma subvenção de 160 milhões de euros para ajudar a compensar o impacto.

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