Pré-publicação: “101 Vozes pela Sustentabilidade”. Não há futuro sem sustentabilidade

  • Trabalho
  • 10 Maio 2022

A Pessoas faz a pré-publicação de um dos 101 artigos do livro “101 Vozes pela Sustentabilidade”. Neste texto Paula Viegas aborda os desafios para que as novas gerações possam ter uma vida digna.

“Com nota introdutória de António Guterres, o novo livro do ISCTE Executive Education, coordenado por Mónica Bello, junta textos de personalidades de inúmeros setores da vida pública portuguesa sobre um dos temas que mais une – ou que mais devia unir – todos aqueles para quem não há futuro sem sustentabilidade. Este é, provavelmente, o mais completo livro sobre o tema publicado em Portugal.” É assim que a LeYa descreve o livro “101 Vozes pela Sustentabilidade – Por um Desenvolvimento Sustentável”, que acaba de chegar às livrarias.

Ao longo de quase 800 páginas, os leitores serão confrontados com realidades, termos e palavras-chave, uns que conhecem bem e outros que vão passar a fazer parte do seu léxico: da transição energética ou transição verde aos ODS das Nações Unidas, passando por Natureza Positiva, NetZero, descarbonização, ESG, desperdício, viver com menos, gestão da água, circularidade, desigualdades, os 3 P’s da sustentabilidade, e ainda Sociedade Sustentável ou Igualdade de Género.

A Pessoas faz a pré-publicação do artigo intitulado “Abraçando o velho embondeiro de Libombo”, escrito por Paula Viegas, consultora de sustentabilidade e marca e antiga diretora de marca, comunicação e sustentabilidade da Caixa Geral de Depósitos. Neste texto, Paula Viegas aborda os desafios que as pessoas e as empresas em todo o mundo enfrentam para que as novas gerações possam, no futuro, ter a vida digna que merecem e beneficiarem do melhor da Humanidade.

Abraçando o velho embondeiro de Libombo

As novas gerações aguardam uma evolução estruturante, que permita que os valores universais da Humanidade, concertados com a nova economia de mercado, se robusteçam como pilares da vida digna que cada pessoa merece ter. Novos paradigmas emergem para que indivíduos, agentes económicos, institucionais e sociais saibam estar à altura dos desafios. Há um mundo que aguarda o melhor da Humanidade.

Vivemos, efectivamente, um período desconcertante e profundamente transformador da história mundial, e também portuguesa, para o qual a importância de pensamento e a participação colectiva em proveito da sustentabilidade, em geral, e do desenvolvimento sustentável, em particular, serão críticos. Reflectir sobre as ameaças, os desafios e as oportunidades que presentemente se nos afiguram prováveis a curto prazo e necessárias a longo termo confere um exercício que terá consistência, pertinência ou validade se confrontado com outras reflexões. Por isso, definir, pensar ou abordar a sustentabilidade deverá juntar dois provérbios africanos – “a sabedoria é como o tronco de um embondeiro; uma pessoa sozinha não consegue abraçá-lo” e “se queres ir depressa, vai sozinho; se queres chegar longe, vai em grupo” – para que o sucesso da sustentabilidade resida em sermos capazes de trabalhar em conjunto para benefício da Humanidade e do planeta.

Ontem, hoje e amanhã. A transição tecnológica, a globalização e a demografia afirmam-se como vectores decisivos para as grandes tendências que estão a mudar a sociedade, a economia e o próprio planeta. Linhas de influência que consideram as alterações climáticas, o poder dos consumidores, a rápida urbanização e a evolução das tecnologias de informação – p. ex. internet of things, cloud computing e inteligência artificial – como alavancas de inovação disruptiva e variáveis críticas à nossa existência sob o espectro da paz social, da utilização responsável e preservação dos recursos naturais. Sobretudo, porque milhares de milhões de pessoas precisam de suprir necessidades fisiológicas diárias como alimentos adequados, água potável, energia eléctrica e condições de saneamento. Acresce a incerteza geopolítica e o crescimento económico desigual à escala global. Neste quadro, os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) são, desde 2015, um guia orientador e universalmente aceite para que os Estados-Nação e entidades em geral possam satisfazer os reptos vertidos na Agenda 2030. Vinculam 17 objectivos interligados e sustentados por 169 metas, concebidos como um plano para um futuro melhor e mais sustentável, permitindo que as organizações compreendam os desafios iminentes e concentrem os seus esforços em oportunidades concretas, na identificação e gestão de riscos variados. Macrosectores como a agricultura e alimentação, cidades e mobilidade, energia e recursos, saúde e bem-estar dependem da concretização das premissas afectas ao desenvolvimento sustentável, bem como da inovação tecnológica e capacidade da indústria financeira em concretizar modelos e soluções sob o desígnio das “finanças sustentáveis”. A rede blockchain, a par com a inteligência artificial, robotização e machine learning, é uma tendência reformuladora que ajuda a concretizar os ODS por via, p. ex., do sector financeiro, dos mercados globais de energia, da distribuição de alimentos e cadeias de aprovisionamento e de transacções que permitem combater a fraude, corrupção e evasão fiscal, promovendo a justiça e instituições mais fortes.

Diferentes entre iguais. A complexidade da economia global dificulta a mensuração das suas próprias externalidades, sem soluções transversais para os obstáculos enfrentados por sectores e agentes económicos. Desde os millennials, aos “novos” investidores (islâmicos) e às mulheres, os segmentos demográficos emergentes – ascendentes sobre carteiras de investimento e mercados de consumo – exigem que a inclusão sócio-financeira, alterações climáticas, governação ética e transparência sejam indicadores associados a instrumentos e modelos de financiamento. Exemplo de um indicador e acelerador de tendências, o índice de igualdade de género da Bloomberg valoriza as empresas que garantem inclusão e equilíbrio entre sexos e géneros. Organizações com programas de diversidade de género nas suas equipas executivas têm mais 15% de probabilidade de auferirem uma rendibilidade acima da média, face às suas concorrentes (McKinsey, 2018). Combater a exclusão baseada nestes atributos é um elementar exercício de respeito pelos direitos humanos, a par com a erradicação do trabalho forçado, escravidão humana, tráfico de seres humanos e eliminação de todas as formas de trabalho infantil. Nestes compromissos reside uma parte importante e transversal da evolução humana e do crescimento económico, ao elevar os padrões da força de trabalho, nas organizações e cadeias de valor, investimento ou abastecimento.

Valor(es) da sustentabilidade. Algumas indústrias serão especialmente afectadas pelas exigências da Agenda 2030, por pactos climáticos, custos associados à transição energética e descarbonização da economia, por investimentos necessários para acompanhar a Indústria 4.0 e inovação tecnológica, ameaças à paz social, mudanças nos eixos macroeconómicos, escassez de recursos, matérias-primas e expectativas dos seus stakeholders. Compreender e integrar as dinâmicas da “Década da Ação sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável” será fundamental para evitar a perda de rendibilidade e quota de mercado, ou de falta de informação necessária a investidores e stakeholders essenciais. Atributos como o rigor, transparência e percepção do desempenho ético permitirão melhorar a detecção de riscos de gestão, sociais e ambientais, de reputação e negócio. O relatório “Our Future on Earth 2020” fornece uma análise de riscos resultante do inquérito internacional realizado a 222 peritos em sustentabilidade, incluindo cientistas, que identificaram cinco riscos globais com impactos graves: (i) alterações climáticas, (ii) clima extremo, (iii) perda de biodiversidade e colapso dos ecossistemas, (iv) crises alimentares e (v) crises hídricas.

A realidade das empresas – gerida entre necessidades de tesouraria e expectativas de rendibilidade a curto prazo – alinha-se com um sistema que dificulta um foco complementar, para além dos resultados sazonais, e que tende a não ponderar outros riscos com impacto nos intangíveis da organização, seu desempenho financeiro e social, pegada ambiental e, não menos importante, nos modelos de decisão (mais pobres) e estratégias (pouco visionárias). De acordo com a iniciativa Global Compact, da ONU, “muitas empresas respondem às pressões dos contextos onde operam através da redução das despesas em I&D, renunciando a oportunidades de investimento com um valor líquido positivo a longo prazo. Como resultado, são desencorajadas de desenvolver produtos, investir em medidas operacionais de eficiência, promover o seu capital humano ou de integrar a avaliação de riscos sociais e ambientais nos seus negócios”. Novas
directivas europeias, referenciais e pactos internacionais, indicadores mais exigentes para aceder ao financiamento e outros normativos sectoriais, impelem à divulgação de informações não financeiras, verificadas, que permitam uma melhor compreensão das abordagens macro, conduzam a melhor alocação de capital e estratégias de investimento mais fortes. Esta premência “de conformidade”, ou compliance, tem efeitos positivos junto dos investidores, financiadores e stakeholders, contribuindo para um crescimento mais inclusivo e próspero. A necessidade de conciliar factores humanos e ambientais é abordada por outra iniciativa internacional, também apoiada pela ONU, Race to Resilience, que pretende “catalisar a mudança na ambição global pela resiliência climática, colocando as pessoas e a natureza em primeiro lugar na procura por um mundo resiliente onde não sobrevivamos apenas aos choques e tensões climáticas, mas consigamos prosperar apesar deles”. Sustenta a promessa associada à Agenda 2030 para os ODS – “Leave No One Behind” – através de soluções alicerçadas na natureza, acções de adaptação que coloquem mulheres, jovens, deficientes, pessoas com necessidades especiais, deslocados e povos indígenas no centro da concepção, tomada de decisões e implementação de acções necessárias para combater a pobreza extrema e apoiar comunidades vulneráveis às alterações climáticas situadas em áreas rurais, urbanas e costeiras. Assiste-se a um novo paradigma da gestão: a Governance, considerada o elemento “mais importante” do acrónimo ESG.

The Times They Are a-Changin’. Enquanto espécie, Humanidade, precisamos de sobreviver e acreditar que os nossos descendentes terão, também eles, um futuro no qual se afirmarão e construirão o seu legado. Enquanto país, há um caminho por fazer em áreas que teimam em progredir de forma tímida ou neutra. Algumas guardam importantes contributos para a prosperidade de Portugal e das suas gerações: desde os modelos de gestão à pouco expressiva educação/ formação para desenvolver o espírito empreendedor e a aptidão em formar parcerias; à desvalorização das franjas demográficas; à pouco ambiciosa capacidade inclusiva da própria sociedade, organizações e instituições públicas; até à modesta aposta na apreciação do património natural e biodiversidade, Portugal tem, ainda, muitas avenidas para percorrer. Caminhos que revelam oportunidades e forças potenciadoras do talento, das capacidades extraordinárias, meios e recursos singulares nacionais. A sustentabilidade é, pois, importante para que o nosso desenvolvimento se sintonize com o futuro que devemos ter, com a mudança que deveremos assegurar, defendendo o repto de Gro Brundtland de “não comprometermos a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas necessidades, ao preenchermos, hoje, as nossas”. Há 35 anos, a sua visão desafiava a Humanidade a “olhar” para o futuro e para a equação basilar do desenvolvimento sustentável – planeta, pessoas, prosperidade e responsabilidade, sob um manifesto que perdura: “O Nosso Futuro Comum”. Hoje, como ontem, o essencial permanece como linha condutora que define o plano de preservação da Humanidade enquanto espécie integrante da biodiversidade da Terra.

O futuro que nos desafia. Corremos contra o tempo, essa medida que também define padrões climáticos adversos à nossa sobrevivência, sendo-nos difícil aceitar que a vida que imaginámos não é sustentável, sequer para quem a vive. Não a conseguiremos sustentar num mundo onde qualquer pessoa tem igual direito a querer viver com dignidade e bem-estar, em paz e no pleno exercício dos seus direitos. Não num planeta onde 8 mil milhões de pessoas podem ter o mesmo sonho e lutar para o concretizar. Na lista de desejos para o futuro estará a transição para uma economia circular, hipocarbónica e mais eficiente quanto aos recursos (naturais) utilizados, capaz de redefinir modelos de produção, distribuição e consumo e de garantir a competitividade de economias soberanas. E da nossa, também. Neste quadro global, seis megatendências foram identificadas pela University of Sydney Business School (USBI) para a primeira metade do século xxi: (i) tecnologia de impacto; (ii) pressão e mutação demográfica; (iii) urbanização acelerada; (iv) “amplified individuals”; (v) mudança do poder económico, e (vi) segurança climática, alimentar e dos recursos naturais.

Viver a tecnologia de impacto. Estamos na quarta revolução industrial. Um ritmo de mudança acelerado pelas tecnologias que reforçam o poder computacional e o crescimento exponencial de bases de dados de informação, permitindo grandes avanços tecnológicos: inteligência artificial, computação quântica, drones e veículos autónomos, realidade virtual e aumentada, impressão 3D, robótica, blockchain e dispositivos conectados, entre outros. De acordo com a USBI, nos últimos dois anos foram produzidos 90% dos dados (data) mundiais. Nos últimos cinco anos o número de utilizadores da Internet cresceu 83% e neste momento milhares de milhões de dispositivos estão ligados, estimando-se que atinjam os 50 mil milhões em 2030. Uma rede global de dispositivos interligados junta produtos de consumo a infra-estruturas – p. ex. iluminação urbana, gestão do tráfego e recolha de resíduos. Estamos apenas no início. A aceleração e o robustecimento tecnológico sustentam programas de inteligência artificial, incitam a utilização de algoritmos, robotização de actividades e tarefas, bem como a produção de informação a distribuir por dispositivos móveis e plataformas digitais. A “internet das coisas” não trará apenas oportunidades e benefícios, mas, também, ameaças e desafios pela forte influência tecnológica no nosso quotidiano e extinção de segmentos inteiros de trabalho, incluindo empregos de alta qualificação. Subsiste, ainda, uma desigualdade que se acentua com a difusão da tecnologia à escala global: digital divide, ou a exclusão digital de camadas sociais que vão ficando à margem da integração e crescimento tecnológico. E, no entanto, poderá ser este, conforme exemplos do continente africano e Índia, o meio para a inclusão socioeconómica e financeira de comunidades carenciadas ou abaixo do limiar da pobreza, bem como de segmentos etários menos preparados para a transição digital em curso. Reptos, como a segurança e privacidade cibernética, a crescente desigualdade e automatização do trabalho, entre outros, desafiam a tecnologia a ser pensada quanto ao seu modelo de impacto, que se exige positivo, responsável, ético e inclusivo.

Urbanos sob pressão demográfica. Seremos mais, viveremos mais tempo e privilegiaremos as cidades. O mundo atingirá 8,5 mil milhões de pessoas até 2030, com um crescimento expressivo da população com idade superior a 65 anos, maioritariamente afecta às economias desenvolvidas onde o envelhecimento demográfico coloca desafios adicionais quanto à empregabilidade, saúde, reformas, etc. A Europa e Portugal, em particular, terão que revisitar a composição da sua força de trabalho, por via da igualdade de género e diversidade, aumentando a participação das mulheres e dos seniores – “Silver Economy”, a experiência de primeiro emprego, o empreendedorismo e integração dos imigrantes, para sustentar a empregabilidade. A demografia tem vindo a ser influenciada por ocorrências ligadas, também, a outra megatendência, a segurança climática, alimentar e dos recursos naturais, sob a qual as migrações se constituem como uma das consequências mais flagrantes. A mudança demográfica tem ritmos diferentes no mundo. Em 2050, África será o maior contribuinte para o crescimento da população global, através do aumento da sua população jovem. O “mundo desenvolvido” envelhece ao mesmo tempo que África enfrenta os desafios de gerir uma sociedade rejuvenescida, pulsante e exigente de políticas diferentes que firmem o desenvolvimento económico. Ainda nesta previsão temporal e de acordo com o barómetro “Ageing Europe 2021”, Portugal será o país mais envelhecido da União Europeia e um dos mais envelhecidos do mundo, atingindo 32,2% de pessoas idosas em 2100, obrigando a estratégias de adaptação a uma sociedade envelhecida. Promover a inversão do declínio da natalidade em Portugal, através de soluções que promovam o seu crescimento e reponham a substituição geracional, deverá ser um primado estratégico da governação do país. Um estímulo que poderá passar por: melhor conciliação entre as esferas da vida profissional, pessoal e familiar; incentivos fiscais e melhor acesso a condições financeiras para famílias muito jovens; maior e melhor empregabilidade das mulheres e acesso às carreiras profissionais; descentralização de residência e oferta de emprego; melhor convivência social, jurídica e fiscal com os novos paradigmas e dinâmicas familiares (p. ex. monoparentais); maior e melhor integração das comunidades imigrantes na sociedade e economia do país; melhores condições de apoio aos primeiros 10 anos de vida da criança; apoio e integração socio económica de mães e pais jovens, estudantes e ou integrados em comunidades precárias, entre outras dimensões que assumam as nossas crianças como os maiores activos para o futuro de Portugal.

A idade é apenas um número. O envelhecimento do país encerra, em contraponto, uma abordagem igualmente interessante sobre a capacidade de adultos, com mais de 65 anos, usarem os meios digitais acima dos conhecimentos básicos. Novamente, o barómetro “Ageing Europe 2021” evidencia que entre a Suécia, onde 42% dos seniores dominam as novas tecnologias, e Portugal, com uma média de 10% para o mesmo indicador, existe um desafiante caminho por fazer que representa, per si, uma oportunidade para retirar vantagens sociais, instrutivas e económicas, em benefício da capacitação de cidadãos, da governação e da paz social do país. Portugal tem sido exemplar e visionário na promoção do empreendedorismo de base tecnológica, colocando várias empresas no patamar inimaginável de “unicórnios”. Mas este sucesso deverá, também, orientar-se para um desempenho mais sustentável e estruturante, onde a inovação social inspire soluções que invertam a ameaça de exclusão sócio-económica e cultural. O stresse demográfico do país também afecta as empresas por via da força de trabalho, perfil de clientes ou mercados alvo, contribuindo para um “envelhecimento” que será rentável se a produção de bens e serviços considerar a população sénior como economicamente viável, concretamente em zonas periféricas e afastadas dos grandes centros urbanos. As mudanças demográficas e sociais impulsionarão a inovação e a gestão de desafios duais perante a coexistência das duas maiores gerações da história, millennials e baby boomers, que impulsionam a economia sob necessidades e expectativas muito diferentes. Conciliar os extremos geracionais será um requisito essencial à aplicação eficiente e eficaz, estruturante e rentável dos princípios da sustentabilidade, porquanto ambos influenciam a inovação, o conhecimento, relações e expectativas, mobilidade, serviços sociais comuns e prosperidade.

“Amplified individuals”, influenciadores de outras realidades. A realidade global integra pessoas habilitadas pelas tecnologias e pela inteligência colectiva das suas redes sociais a desenvolverem actividades anteriormente acessíveis apenas a grandes organizações. Os “amplified individuals” são pontuais “influenciadores” capazes de inquietar grandes empresas de software, organizar movimentos sociais capazes de destruir reputações, comprometer exercícios políticos ou influenciar comunidades e utilizadores digitais quanto a hábitos de consumo e causas universais. A necessidade de construírem o que sentem estar em falta no mundo, leva-os a mobilizar recursos que tenham à disposição, procurando soluções em modelo colaborativo, sem necessidade de instalações de produção em escala. São inovadores na abordagem, meios e temas que escolhem e fazem da experiência, personalização e capacidade de influência desígnios essenciais. À medida que mais indivíduos se ligam a serviços baseados na internet e que grandes plataformas inovam nas formas de atrair pessoas para os seus ecossistemas digitais, maior é o risco de desinformação, conteúdos nocivos e extremistas que se misturarão com a realidade comum. Fora dos ambientes virtuais, uma outra realidade alerta para o crescimento de taxas de depressão e ansiedade, com ênfase nos jovens, correlacionada com o aumento da utilização de meios digitais, redes sociais e adopção expressiva de smartphones. Novas formas de organização, concretamente nas “Gig economies”, também induzem reflexões à escala global sobre as responsabilidades das empresas e os direitos dos trabalhadores. Economias “gigantes”, como os EUA, China, Brasil, Japão e Índia, são mercados de trabalho globais que privilegiam a actividade “por conta própria”, temporária ou por contrato individual, contrariamente a compromissos permanentes e a tempo inteiro com entidades empregadoras. Os “Gig workers”, indivíduos que integram estas economias, trabalham para uma ou várias empresas, sem fuso horário, em actividades de curto prazo e de partilha de bens – aplicações de transporte de pessoas e mercadorias, plataformas de entrega de alimentos e aluguer de alojamentos, etc. A crise pandémica da COVID-19 colocou em evidência esta forma de organização e distribuição de serviços, promovendo o seu crescimento e outros benefícios associados à produtividade e empregabilidade. Mas expôs, também, as fragilidades de alguns modelos e relações de trabalho. Compreender esta tendência dependerá da capacidade de aprender a negociar e respeitar as fronteiras entre o acesso e a privacidade, entre a capacitação e o isolamento.

A mudança do poder económico. A economia mundial muda à medida que a Ásia se transforma na maior região comercial mundial, alimentando a ascensão de comunidades abastadas, classes médias, organizações corporativas e tecnológicas. Até 2030, China e Índia representarão 35% da população mundial e 25% do PIB global. Esta megatendência determinará que as economias não inscritas na OCDE representarão 57% do PIB mundial, no mesmo prazo temporal, prevendo-se que em 2040 as sete maiores economias emergentes (E7) duplicarão o valor económico associado, hoje, aos países do G7.

Em 2030, mais de metade da população do planeta necessitará de recursos naturais, energéticos e hídricos para suprimir as suas necessidades e ambições de desenvolvimento e o poder de compra das novas classes médias e abastadas terá impacto nos novos mercados e modelos de consumo. A globalização tem produzido retornos desiguais ao longo do tempo. E o aumento das desigualdades traz incerteza e instabilidade, conflitos sociais, comerciais e a aplicação crescente de medidas proteccionistas. Renegociar as expectativas de indivíduos, organizações e governos à escala global, será um dos maiores desafios de concertação – social, legislativa, tributária, económica, etc. – para corresponder às exigências da nova era. Internacionalizar e competir neste contexto será, também, um desafio para Portugal, que poderá aproveitar a sua influência junto dos mercados da lusofonia para se posicionar relativamente à mudança do eixo económico global, valorizando o seu papel histórico de conhecimento e intermediação, pelo idioma falado, junto, nomeadamente, das economias do Índico.

A segurança climática, alimentar e dos recursos naturais. Até 2050, a procura de alimentos e água irá colocar os recursos sob pressão: a produção de alimentos aumentará entre 60% a 100%, cerca de 5 mil milhões de pessoas enfrentarão uma crise hídrica e o aprovisionamento mundial de peixe estará em iminente colapso com 88% em sobrepesca. Esta procura e erosão sem precedentes dos recursos da Terra acontece em simultâneo com o mais acelerado registo de alterações climáticas na história do planeta. A mudança climática é uma nova “normalidade”, com o registo de eventos meteorológicos mais frequentes, secas prolongadas, aumento do nível do mar capaz de ameaçar áreas habitáveis e deslocar milhões de pessoas, aceleração da crise global da biodiversidade que colocará um milhão de espécies no limiar da extinção, entre outras previsões igualmente preocupantes. Paradoxalmente, quanto mais esgotamos os recursos do planeta e degradamos os ecossistemas, mais o bem-estar humano médio melhora a nível global. O Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas reforçou a imperiosidade de se inverter a tendência das emissões de carbono para que o aumento da temperatura global não ultrapasse 1,5 oC. Os resultados da mudança climática serão implacáveis, especialmente para a Humanidade, incapaz de se adaptar à velocidade das transformações nos ecossistemas e recursos necessários à sua (sobre) vivência. Teremos que enfrentar as limitações de recursos naturais e matérias-primas se mantivermos os volumes das mercadorias devidas à inovação e crescimento económico – p. ex. tecnologias renováveis, baterias, carros eléctricos e híbridos, smartphones e outros dispositivos digitais dependem de cerca de 60 metais raros. Urge, assim, assumir a economia circular e os seus modelos, com especial foco na redução de materiais virgens utilizados. O stresse hídrico imporá um melhor aproveitamento deste recurso essencial à vida, catalisando investimentos para a tecnologia aplicada à gestão da água, em particular à dessalinização. Neste panorama, as empresas deverão afirmar a sua missão e assegurar um contributo efectivo para o bem-estar económico, social e ambiental, à medida que o “capitalismo responsável” determina que os líderes empresariais definam propósitos orientados para a criação de valor a longo prazo junto de todos os seus stakeholders.

Abraçando a Humanidade. As novas gerações aguardam uma evolução estruturante, que permita que os valores universais da Humanidade, concertados com a nova economia de mercado, se robusteçam como pilares da vida digna que cada pessoa merece ter. Novos paradigmas emergem para que indivíduos, agentes económicos, institucionais e sociais saibam estar à altura dos desafios emergentes. E há um mundo que aguarda o melhor da Humanidade. Saibamos honrar o privilégio de cuidar de um planeta que nos foi “emprestado” pelos nossos filhos, “devolvendo-o com as condições que lhes permitirão passar igual testemunho aos seus descendentes. Saibamos celebrar a nossa Humanidade, cientes de que um ecossistema verdadeiramente extraordinário, Gaia, nos permitiu evoluir, usando os seus recursos e coabitar na sua biodiversidade. E saibamos, finalmente, (re)aprender a ser parte da comunidade que abraça o velho embondeiro.

(a autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico)

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