Previsão da inflação do Governo já está ultrapassada, diz CFP

A presidente do CFP admitiu ainda que, se os salários dos trabalhadores não subirem, "evidentemente que se traduz em perda de poder de compra".

A presidente do Conselho das Finanças Públicas, Nazaré Costa Cabral, considera que a previsão do Governo para a taxa de inflação em 2022 já foi ultrapassada pela realidade. Numa audição no Parlamento, a especialista em finanças públicas admite que “tudo aponta” para valores mais elevados do que os 4% inscritos na proposta do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).

Neste momento, tudo aponta para valores de inflação mais elevados do que esses que estão previstos na proposta de Orçamento do Estado“, afirmou Nazaré Costa Cabral, escusando-se a antecipar uma nova previsão dado que é “prematuro” e ainda há “muita incerteza e volatilidade”. A presidente do CFP remeteu números para a próxima atualização das previsões do Conselho.

A última previsão do CFP foi feita em março deste ano e apontava para um Índice Harmonizado de Preços do Consumidor (IHPC) de 3,9%. Um mês depois, o OE2022 trazia uma previsão ligeiramente acima, nos 4%. Contudo, desde então a inflação voltou a acelerar, registando-se em abril uma taxa de 7,4%, “novo valor mais elevado registado desde o início da série do IHPC, em 1996“, segundo o Instituto Nacional de Estatística.

A presidente do CFP admitiu ainda que, se os salários dos trabalhadores não subirem, “evidentemente que se traduz em perda de poder de compra”. Contudo, “o importante é que este episódio inflacionista seja contido e que não se crie fatores de pressão do lado da procura que agudizem este fenómeno“, avisou Nazaré Costa Cabral, pedindo “prudência” a todos os agentes económicos e decisores.

“É muito importante manter a inflação controlada e estabilizá-la”, reforçou a especialista em finanças públicas, admitindo que já se possa ter atingido o pico da inflação, como sugeriu o diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade, mas “não sabemos dada a incerteza”. Certo é que se houve um efeito duradouro da inflação tal poderá levar a uma “retração” do consumo privado nos próximos meses.

Reconhecendo a dificuldade e a complexidade da condução da política monetária neste particular momento — dada a conjugação de dois choques, um do lado da procura e outro do lado da oferta –, Nazaré Costa Cabral explicou que o combate à subida dos preços deve ser a prioridade uma vez que uma economia com elevada inflação é uma economia “difícil de programar” e cheia de “distorções” que dificultam o crescimento. Porém, alertou que os países têm de estar “preparados” para um cenário em que a inflação não esteja controlada “tão cedo”.

Apesar de toda a incerteza, o CFP afasta, para já, o cenário de recessão em Portugal ou na Zona Euro em 2022.

Governo deve dar atenção especial à saúde e educação nesta legislatura

Na audição sobre o OE2022, Nazaré Costa Cabral deixou também avisos à navegação para o Governo, a começar por duas áreas particularmente importantes: a saúde e a educação. “Na área da saúde e da educação, é preciso que haja nesta legislatura uma atenção muito séria porque induzem pressões sobre a despesa, sobre o esforço financeiro dos portugueses nos próximos anos“, disse aos deputados.

Esta afirmação vem na sequência de um cálculo do CFP que mostra que em 2022 a despesa primária, excluindo tudo o que são medidas one-off ou temporárias (Covid-19, efeito da guerra ou PRR), vai ficar 2,8% acima do valor registado em 2019. Isto significa que, naquilo que é mais estrutural e contínuo, a despesa engordou e tal deve-se principalmente às despesas com pessoal, via novas contratações. “Este é um aspecto que merece ser aqui acentuado”, fez questão de dizer a presidente do CFP.

Além disso, a equipa do CFP alertou para o facto de, apesar de o défice orçamental baixar, o cálculo do saldo estrutural mostrar uma deterioração, o que significa que a “postura da política orçamental é expansionista”. “Não estamos a aproveitar o momento de conjuntura económica favorável para fazer consolidação orçamental“, disse, assinalando que “não se pode perder o foco da despesa primária”.

Mas este não foi o único aviso deixado nesta audição de hora e meia. Nazaré Costa Cabral falou também da subestimação da receita fiscal e contributiva e da potencial sobrestimação da componente do investimento público não financiada pelo PRR, assim como do impacto da inflação no PRR dado que os fundos “podem não ser suficientes” para o mesmo nível de investimento previsto.

E voltou a frisar a importância do Governo fazer um planeamento plurianual, o que teria implicado a apresentação de um Programa de Estabilidade após a tomada de posse e não em março, em política invariantes, como fez. “Não se pode fazer tábua rasa como se o que estivesse na lei fosse letra morta“, criticou, referindo-se ao que dita a Lei de Enquadramento Orçamental em vigor.

Além dos alertas, a equipa do CFP também deixou uma mensagem que dá respaldo à estratégia de Fernando Medina: “A redução da dívida deve ser um desígnio nacional. Com elevada dívida, Estado não consegue cumprir as suas funções sociais“, disse Nazaré Costa Cabral, colocando ênfase naquela que tem sido a mensagem mais repetida pelo ministro das Finanças desde que tomou posse. O CFP reconhece que a política monetária teve um efeito de contenção dos spreads nestes anos e que tal pode inverter, colocando Portugal em perigo de ficar “novamente no radar dos mercados. “Não podemos correr este risco. Não nos podemos esquecer desse risco. Esse risco existe e está lá”, concluiu.

No final da audição, Nazaré Costa Cabral revelou também que o CFP faz parte das discussões técnicas sobre a reforma das regras orçamentais da União Europeia do ponto de vista técnica, através de uma rede europeia de entidades similares. O trabalho passa pela identificação dos problemas técnicos, seja na sua “aplicação” seja na “coerência técnica”, que as atuais regras têm. Mas, no final, a decisão será “política”, lembrou.

(Notícia atualizada às 13h00 com mais informação)

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