É necessária “uma cultura de superação e prestação de contas, a começar pelo Estado”, defende CFO da Jerónimo Martins

"Em vez de se demonizar as grandes empresas, só porque são grandes e têm lucros, dever-se-ia garantir que estas fazem o que é certo", afirma Ana Luísa Virgínia.

Ana Luísa Virgínia, CFO da Jerónimo Martins.Jerónimo Martins

Ana Luísa Virgínia, administradora financeira da Jerónimo Martins, defende que é preciso caminhar crescentemente para um paradigma de circularidade, abandonando os ciclos de produção lineares. “Será uma pena se as atuais circunstâncias, em vez de constituírem uma oportunidade para mudar — nomeadamente a forma como utilizamos a energia, os materiais ou os próprios alimentos –, venham a por em risco a ambição definida”, sustenta em resposta por email a questões do ECO.

No conselho de administração do grupo desde 2019, é uma das nomeadas na categoria de melhor CFO na relação com os investidores da 34ª edição dos Investor Relations and Governance Awards (IRGAwards), uma iniciativa da consultora Deloitte. Considera que deve existir “uma cultura de superação, responsabilização e prestação de contas em todos os agentes económicos, a começar pelo Estado”.

Que desafios é que a aceleração da inflação está a criar para o negócio e de que forma é que a Jerónimo Martins está a responder a eles?

A todos os constrangimentos gerados pela pandemia nas cadeias de abastecimento internacionais, junta-se um contexto de guerra na Europa, numa região que é fonte de matérias-primas importantes, incluindo para o setor alimentar. Em resultado da experiência com outras situações no passado, as insígnias do Grupo têm trabalhado arduamente na última década para reforçar o seu posicionamento nos mercados onde operam, oferecendo qualidade a preços baixos. Esse posicionamento revelou-se crucial no período de pandemia e será certamente mais relevante no atual contexto. Um contexto que se antecipa ainda mais difícil para as famílias desfavorecidas, que vão precisar de encontrar oportunidades de poupança nas lojas alimentares. Por isso, e como referiu o presidente do conselho de administração no último comunicado ao mercado, teremos de fazer a nossa parte, no esforço coletivo, para tentar travar a inflação, principalmente nos produtos alimentares, através de preços baixos e investimento em campanhas promocionais.

A inflação trouxe também um novo ciclo de aumento das taxas de juro. Qual será a resposta da Jerónimo Martins a este novo enquadramento?

A Jerónimo Martins tem um balanço sólido. Algo que se revela fundamental em períodos de crise e que protege o Grupo de grandes oscilações nos seus resultados financeiros, permitindo tomar decisões que seriam mais difíceis se a sua posição financeira fosse diferente. Mais uma vez, e à semelhança do que aconteceu no início da pandemia, a atenção de Jerónimo Martins estará centrada nos seus colaboradores, nas famílias que são nossas clientes e que, tendo empréstimos, verão os seus rendimentos diminuir também por via de um aumento das taxas de juro, que há muito não ocorria. Temos também de reforçar a relação com os nossos fornecedores, principalmente produtores locais, para os quais o aumento das taxas de juros, a acrescer aos incrementos brutais nos preços dos fatores de produção (fertilizantes, energia, equipamentos agrícolas, etc.) tornarão mais difícil assegurar o reequilíbrio na oferta de produtos alimentares no curto/médio prazo, se não existirem apoios no imediato. No sentido de prevenir essas situações, mantemos prazos de pagamento reduzidos aos fornecedores do setor primário. Em Portugal, por exemplo, renovámos recentemente e até 2025 o protocolo com a CAP para pagar em prazos de 10 dias aos produtores nacionais.

Será uma pena se as atuais circunstâncias, em vez de constituírem uma oportunidade para mudar (nomeadamente a forma como utilizamos a energia, os materiais ou os próprios alimentos), venham a por em risco a ambição definida.

Ana Luísa Virgínia

“Shaping human lives through sustainability and technology” foi o tema escolhido para a edição deste ano dos IRGAwards, num convite à reflexão sobre a maneira como funcionamos enquanto sociedade e o legado que deixaremos às gerações futuras. O que é urgente mudar para deixarmos às próximas gerações um legado melhor?

Correndo o risco de parecer um lugar-comum, não tenho dúvidas de que é urgente mudarmos os nossos hábitos, a forma como produzimos e a forma como consumimos. Perceber o que é essencial e evitar o desperdício. Tornar os standards de produção, designadamente de alimentos, mais sustentáveis, como o Grupo Jerónimo Martins está a fazer no seu negócio agro-alimentar e em conjunto com os seus fornecedores de produtos frescos. Caminhar crescentemente para um paradigma de circularidade, abandonando os ciclos de produção lineares. A situação de crise que se vive deverá ser aproveitada como motor para essa mudança. A tecnologia deve, mais do que nunca, ser posta ao serviço da sociedade para quebrar ciclos de pobreza e assegurar que daqui a um par de décadas ainda teremos um planeta onde os humanos consigam viver. Será uma pena se as atuais circunstâncias, em vez de constituírem uma oportunidade para mudar (nomeadamente a forma como utilizamos a energia, os materiais ou os próprios alimentos), venham a por em risco a ambição definida para a Década da Ação pela ONU. Para bem das gerações futuras, espero que os líderes mundiais, a começar pelos do Ocidente, aproveitem para marcar uma posição inequívoca nesse aspeto e com isso garantir um lugar na História.

Da sua experiência como gestora, que lição considera mais valiosa para enfrentar o momento atual?

Que só em equipa se conseguem enfrentar os desafios e fazer as transformações necessárias, num esforço que terá de ser coletivo. Para enfrentar o momento atual, são cruciais a cooperação e as parcerias, nomeadamente com os fornecedores da cadeia de abastecimento alimentar, com a academia e com as entidades públicas. Em vez de se demonizar as grandes empresas, só porque são grandes e têm lucros, dever-se-ia sim garantir que estas fazem o que é certo e que o escrutínio e a prestação de contas não se limitam a elas, mas que exista uma cultura de superação, responsabilização e prestação de contas em todos os agentes económicos, a começar pelo Estado.

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