“Bravas” da Ucrânia dispensam chefes para salvar eletrodomésticos

Conheça a história da retalhista ucraniana com mais de 80 lojas que, após entrar no comércio online no início da pandemia, está a enfrentar a guerra no país com menos hierarquias e gamas mais baixas.

24 de fevereiro de 2022 levou à paragem de todos os negócios na Ucrânia por conta da invasão da Rússia. A cadeia de eletrodomésticos e de produtos eletrónicos Comfy, com 97 lojas em todo o país, ainda estava a recuperar dos impactos da Covid-19 e tinha-se transformado numa das cinco maiores empresas de comércio online.

Depois do choque do início da guerra, a retalhista tem sobrevivido no mercado apesar da saída de metade dos trabalhadores e da perda de 12 lojas, por ocupação ou destruição por parte das tropas russas. Com a t-shirt “Be Brave Like Ukraine”, as refugiadas Maria Nazarenko e Natalia Koshova contaram ao ECO a história de “bravura” da empresa.

“No primeiro dia da invasão, os negócios foram congelados e as nossas lojas foram fechadas. As vendas online também pararam”, recordam as duas trabalhadoras, especialistas na área de marketing e do comércio eletrónico. “Sem saber o que iria acontecer a seguir”, a empresa adiantou dois meses de salário a todos os funcionários.

Ao fim de algumas semanas, a Comfy conseguiu reabrir um total de 85 lojas físicas. Lá dentro, a gama de produtos encolheu porque os bens de valor superior “praticamente deixaram de ser vendidos”. O foco virou-se para categorias médias, mais acessíveis aos bolsos ucranianos. No entanto, por conta dos bombardeamentos, desapareceram mesmo as lojas que tinham em cidades como Mariupol e Butcha.

Também foram recuperadas as vendas online, depois dos problemas com os armazéns e as transportadoras, embora o stock seja mais pequeno do que antes da invasão, descreveram as duas responsáveis durante o evento “Tudo Sobre E-Commerce”, que decorreu esta semana no Porto.

A guerra mudou ainda a comunicação interna, com a criação de um “canal direto” para os mais de 2.000 funcionários falarem com o presidente da empresa. “As mensagens são transmitidas de forma muito clara para encorajar os trabalhadores”, destaca Natalia Koshova. “Se as pessoas se sentirem confiantes, as grandes ideias vão aparecer”, completa a colega.

A empresa acelerou ainda o desenvolvimento de novos projetos, uma lição que já vinha dos primeiros dois anos de pandemia.

Solidariedade entre concorrentes

Do conflito também emergiu o espírito solidário entre empresas concorrentes, num mercado que, antes da invasão, valia praticamente o mesmo que o português — cerca de quatro mil milhões de euros.

“Um voluntário do exército ucraniano veio ter connosco a dizer que precisava de 100 tablets. Nós só tínhamos 20 disponíveis e acabámos por ligar a todos os concorrentes para saber se podiam fornecer as restantes unidades. A situação foi resolvida em conjunto”, exemplifica Maria Nazarenko.

Ainda no campo solidário, praticamente todos os trabalhadores da Comfy são voluntários na ajuda ao povo local. E há cerca de 200 funcionários que estão a combater pelo exército ucraniano, que recebeu uma doação de dois milhões de euros da empresa logo no início da invasão russa.

Natalia Koshova (à esquerda) e Maria Nazarenko, da Comfy.DR

O choque covid-19

Dois anos antes de as tropas russas invadirem o país, a empresa ucraniana já tinha sofrido o choque da pandemia. “Éramos uma companhia focada em lojas físicas e não estávamos preparados para trabalhar com muitas empresas postais”, lembra Maria Nazarenko.

Com o primeiro confinamento, as vendas na internet passaram a valer mais de metade da faturação, duplicando o peso no mercado. Também foi necessário criar novos pontos para recolha das encomendas digitais. Algumas lojas físicas, pelo contrário, ficaram mais pequenas, para tentar responder aos novos hábitos do consumidor.

Apesar de ter criado uma aplicação móvel no final de 2021, o peso do online nas encomendas era inferior a 30% ao fim de dois anos da pandemia. Foi como se nada se tivesse passado.

Três meses depois do início do conflito, o lema da empresa é “sobreviver com as lojas que tem”. Só quando a paz regressar é que poderá entrar em marcha o plano para apostar mais no mercado online, que tinha sido apresentado no início de 2022.

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