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Canábis chega aos têxteis e automóveis e já movimenta 5 mil milhões ao ano

Aplicações industriais da canábis na saúde, construção civil, alimentação, mobiliário, entre outros, levam a estimativas que o mercado mundial em 2024 possa atingir os 55 mil milhões de dólares.

O setor do cânhamo, uma subespécie da canábis, movimenta globalmente cerca de 5 mil milhões de dólares por ano e compreende à volta de 25 mil aplicações industriais. Em 2024 estima-se que o mercado mundial da canábis possa atingir os 55 mil milhões de dólares. Esta é a imagem de um setor representado pela primeira vez na exposição internacional de Cânhamo e Canábis, em Lisboa, onde irão estar presentes mais de 50 empresas nacionais e internacionais.

Desde a sua legalização em 2013 no Uruguai, o movimento tem-se alastrado a países como o Canadá, México, e alguns estados dos EUA. Apesar disto, não existe um consenso a respeito do potencial da planta, nem sobre as políticas públicas destinadas à sua regulamentação. As conclusões são de Graça Castanho, professora universitária, empresária e organizadora do CannaPortugal ’22.

Esta primeira edição da CannaPortugal reúne stakeholders e intervenientes em torno das práticas e da ciência produzida na área e pretende sensibilizar, informar e dignificar a planta junto da população. Contando com especialistas de mais de dez nacionalidades, conferências e workshops, a feira irá também dar palco a uma cerimónia de prémios, um desfile de roupa e adereços de cânhamo, o Hino da Canábis, um espaço de arte, entre diversas outras iniciativas.

Potencial do setor

Para Graça Castanho, o setor da canábis tem capacidade para dar resposta à recessão económica que os países atravessam, aos “mais prementes problemas da Humanidade e do próprio planeta”. Desde a sua legalização, os países mencionados são dos mais bem posicionados no mercado da canábis estando inclusive em “franca expansão”, juntamente com a China, o maior produtor de cânhamo industrial para extração de CBD, esclarece a professora.

Ainda assim, relativamente ao mercado português, a professora universitária lamenta que o país esteja em “contraciclo com a tendência mundial” e aponta que são muitas as restrições à plantação de cânhamo industrial. Relativamente à canábis com níveis de THC mais elevados, Graça Castanho vai mais longe e considera mesmo que todo o setor está “nas mãos de interesses estrangeiros, com o principal objetivo de exportar”.

“[Portugal] devia estar a produzir em grande escala cânhamo, a processar o mesmo, a criar novas indústrias neste setor”, explica a empresária sublinhando que, o que nos diz a ciência, é que “o mundo precisa da canábis” enquanto ferramenta para a sustentabilidade, desenvolvimento económico, saúde e qualidade de vida.

Dando destaque aos investimentos na democratização do acesso à canábis, Graça Castanho aplaude medidas como a distribuição de sementes pela população ou o uso da planta para fins terapêuticos. A empresária acrescenta ainda estar previsto que as “indústrias emergentes na área do bem-estar, da saúde e do turismo canábico se consolidem”, em linha com outras áreas que se “aperfeiçoam com a ajuda da ciência e tecnologia”.

Só a subespécie da Canábis Sativa L, ou o cânhamo, explica Graça Castanho, tem um potencial “inesgotável” em indústrias do ramo agroalimentar, construção civil, automóvel e aviação, têxtil, calçado, produção de papel, turismo, saúde, entre outras. “Tudo o que tem vindo a destruir os ecossistemas e os recursos naturais é passível de ser substituído por cânhamo” esclarece, a professora, mencionando diretamente plásticos, fibras sintéticas, produtos tóxicos, tintas, mas também lítio, biocombustível e proteína vegetal. Visto que a produção da planta é rápida e exige pouco consumo de água, a sua produção regenera também os solos.

Um novo tecido empresarial

Para Sofia Fernandes, da lisboeta Greenfits, e Catarina Guimarães, da açoriana Neuron Bonus, a área têxtil é uma das mais poluentes do mundo. Precisamente por este motivo, ambas as marcas se juntaram na criação da linha de roupa Hempact, feita a partir da fibra de cânhamo. O motivo desta escolha é claro para as empresárias, deve-se ao facto de acreditarem na sustentabilidade e qualidade desta fibra, características cada vez mais valorizadas na indústria da moda. “Escolhemos este material por ser uma matéria super versátil, que consome pouca energia, pouca água, e que é completamente biodegradável”, clarificam.

Seguras de que esta planta será o futuro de muitas indústrias, as empresárias admitem estar a dar os primeiros passos com esta linha, cuja apresentação será feita na CannaPortugal. Ainda assim, garantem já ter recebido pedidos de encomendas através das redes sociais. “Ao nível do nosso negócio, estamos a trabalhar para chegarmos a novos mercados, a países que reconheçam o valor intrínseco da nossa linha”, garantem as empresárias.

As vendas da Greenfits e da Neuron Bonus chegam “ao todo nacional”, embora novas oportunidades comecem a surgir com a internacionalização para a Europa e os EUA, admitem. “Agora com a facilidade das lojas online tudo está à distância de um click”, esclarecem as empresárias. No entanto, a grande aposta para o futuro é fazer desta linha sustentável uma inspiração para outras marcas, asseguram.

Dado que “as novas gerações são mais exigentes com os processos de produção e de consumo”, as empresárias antecipam uma “forte adesão” à linha de roupa, e mostram-se recetivas a oportunidades de crescimento do projeto. Para as empresárias este cenário representa uma oportunidade já que estas admitem ter uma média de 12 colaboradores diretos, entre eles designers, gestores de redes sociais, funcionários de loja, pessoal de armazém e contabilistas.

Para Wilson Serpa, empresário no setor automóvel, também esta área tem cada vez mais uma preocupação acrescida com a sua pegada ecológica. O empresário explica que apenas este motivo já é razão suficiente para investir em cânhamo, mas “acresce que, pela sua leveza e resistência, [estas fibras] permitem uma significativa redução de peso, sem perda de solidez”, um fator que as indústrias consideram extremamente atrativo. A estas vantagens somam-se ainda a redução de custos, CO2, o facto de o cânhamo ser mais facilmente reciclável bem como proporcionar uma “maior independência face aos países exportadores de petróleo”, garante o empresário.

Concedido pela Santogal, Wilson Serpa revela que na feira estará em exposição um Mercedes-Benz Classe C com peças feitas a partir de cânhamo, uma prática já em vigor na marca desde 1994 com os modelos Classe E. Os Classe C, por sua vez, contam com “mais de 30 peças” feitas a partir desta planta, o correspondente a cerca de 20kg de cânhamo por carro, garante Wilson Serpa. A planta pode inclusivamente ser usada como combustível, explica o empresário aludindo para o “soybean car” de Henry Ford, em 1941, onde foi usado etanol de cânhamo.

Para o empresário, a planta representa uma matéria-prima sustentável e renovável, mas também com uma produção mais barata e uma maior rentabilidade para o produtor face ao algodão ou linho. Neste sentido, Wilson Serpa nota uma preocupação crescente com o aproveitamento de todas as partes da planta. “O óleo de cânhamo pode ser transformado em biocombustível, menos poluente em relação aos combustíveis fósseis”, mas a parte fibrosa pode também ser usada para fazer versões “quimicamente semelhantes às da gasolina convencional”, esclarece o empresário.

As possibilidades de utilização são extensas, além das sementes de cânhamo serem fonte de proteína e aminoácidos, o cânhamo também pode ser usado pela construção com blocos e argamassa, razão pela qual “urge mudar o paradigma”, salienta.

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