Empresários querem plantar eucaliptos em matos para reduzir risco de incêndio

  • Lusa
  • 16 Julho 2022

Proprietários florestais e indústria da celulose alertam que restrições ao aumento da área desta espécie têm causado “prejuízos económicos” ao país. Eucalipto representa 26% da floresta nacional.

Proprietários florestais e indústrias da celulose pedem o aumento da área de eucalipto e de outras espécies de árvores de crescimento rápido em zonas de mato abandonadas para reduzir o risco de incêndio e desenvolver o setor.

“A área devia ser aumentada e não reduzida”, afirmou Luís Damas, presidente da Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais (FNAPF), para quem as condicionantes à plantação ou replantação de eucaliptos têm vindo a contribuir para o abandono de anteriores povoamentos, após o corte da madeira.

O dirigente explicou à agência Lusa que “esta proibição provocou desinteresse e abandono por parte de muitos proprietários, que deixaram de cuidar daquilo que é seu”. E notou que essas “são áreas de floresta sem produção onde têm custos de manutenção” e, por falta de limpeza por não serem áreas produtivas, é por aí que entram os fogos.

“Guardiões da floresta”, por serem os primeiros a querer proteger o seu negócio, os proprietários florestais querem transformar matos em floresta, para estas áreas passarem a ter uma gestão profissional, minimizando o risco de incêndio. “Temos muitas áreas que são matos e nestes dias estão a ser tomadas pelos fogos porque não têm gestão”, justificou a FNAPF.

A área devia ser aumentada e não reduzida. Esta proibição provocou desinteresse e abandono por parte de muitos proprietários, que deixaram de cuidar daquilo que é seu.

Luís Damas

Presidente da Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais

Na mesma perspetiva, o diretor-geral da Associação das Indústrias Papeleiras – Celpa, Francisco Gomes da Silva, lembrou à Lusa que “quase metade da área ardida corresponde a matos e pastagens, seguindo-se o pinheiro-bravo e só depois o eucalipto”, concluindo que os incêndios ocorrem sobretudo em áreas de “ausência generalizada de práticas de silvicultura”.

Para a FNAPF, a proposta poderia ser uma solução para resolver os problemas do minifúndio. “Posso ter dois hectares e geri-los bem, mas, se os meus vizinhos não fizerem nada à volta, o incêndio vem e eu com dois hectares não os consigo salvaguardar”, advertiu Luís Damas.

As duas associações alertaram também que as restrições ao aumento da área de eucalipto, uma das espécies onde há maior investimento por ser de crescimento rápido, têm causado “prejuízos económicos” ao país. Desde logo, restringem o potencial de produção e de exportação e contribuem para o aumento das importações de madeira (25% da madeira transformada pelas indústrias), para a escassez de produtos e para o aumento dos preços. “O aumento de produção nacional só não se concretiza por existir uma clara ‘perseguição’ a esta espécie”, apontou a FNAPF.

Quase metade da área ardida corresponde a matos e pastagens, seguindo-se o pinheiro-bravo e só depois o eucalipto.

Francisco Gomes da Silva

Ciretor-geral da Associação das Indústrias Papeleiras - Celpa

Para o aumento da área, a associação defendeu a existência de “áreas de compensação”, que ainda não estão regulamentadas, exemplificando que, num projeto de 100 hectares, 50 seriam de espécies de crescimento rápido e os restantes de espécies autóctones.

A área de eucalipto passou de 810 mil hectares, em 2010, para 845 mil hectares, em 2015, de acordo com os últimos dados, dos quais cerca de 300 mil são certificados. Contudo, as associações estimam que esta área tem vindo a reduzir desde 2017, em resultado dos incêndios de 2017 e 2018 e das condicionantes impostas.

O eucalipto representa 26% da floresta portuguesa.O setor da produção possui um potencial de produção de 340 milhões de euros por ano em valor de madeira de eucalipto e emprega 100 mil trabalhadores.

A indústria da pasta e do papel produz por ano 1,9 milhões de toneladas de papel e cartão, possui cerca de 4.500 postos de trabalho e um volume de negócios de 2,9 mil milhões de euros, dos quais 2,3 mil milhões ao exportar metade da sua produção. Portugal é o terceiro maior produtor europeu de pastas e o segundo de papel.

O país é um dos cinco principais produtores mundiais da espécie de eucalipto Eucalyptus globulus, de onde é extraída a melhor fibra para o fabrico de papel, a par da Espanha, Austrália, Chile e Uruguai, o que torna a indústria da celulose competitiva a nível mundial e constitui uma enorme oportunidade para o crescimento de todo o setor.

Ambientalistas pedem gestão do eucalipto para ordenar floresta

As associações ambientalistas defendem, por outro lado, uma gestão mais integrada da produção de eucalipto com vista a um melhor ordenamento da floresta portuguesa contra incêndios, para se conseguir conciliar com os interesses deste setor económico.

“Temos uma indústria em Portugal instalada, temos eucaliptos na paisagem, temos necessidade da matéria-prima que produz valor e cria emprego, por isso não queremos a erradicação das plantações e da indústria do eucalipto. Agora, temos de ter uma gestão equilibrada do território que possibilite que também existam outras espécies e isso não está a acontecer”, afirmou Paulo Lucas, da Associação Zero, à agência Lusa.

Considerando que “há um certo descontrolo da plantação do eucalipto”, com a espécie a crescer em áreas “pouco produtivas” de minifúndio e sem qualquer gestão, o ambientalista defendeu que os limites legais à plantação ou replantação desta espécie “não devem ser ultrapassados”.

“Nos casos em que o eucalipto está abandonado e não tem uso produtivo, tem de ser forçado a deixar de existir com o Governo a promover a reflorestação com espécies autóctones”, preconizou por seu turno à Lusa Miguel Jerónimo, do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).

Para o coordenador de projetos de reflorestação em Monchique e Leiria, é preciso “evitar ter dezenas de quilómetros de uma só espécie, intercalar o eucalipto com bosques de espécies autóctones para promover o ordenamento e proibi-lo em zonas de alta perigosidade de incêndio”.

Tendo o eucaliptal um ambiente mais seco do que o de outras espécies arbóreas, o que propicia uma maior propagação e projeção do fogo, o dirigente alertou que, para haver essa descontinuidade da mancha florestal, a área de eucalipto tem de ser reduzida.

Encontrar forma de gestão mais eficiente

Já o especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos defende um diálogo sério entre Governo e produtores para uma gestão eficiente da floresta e considerou que é essencial conseguir-se finalmente um cadastro dos terrenos.

Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), destacou que o eucalipto, especialmente da espécie globulus, prolifera em Portugal essencialmente porque é lucrativo e fácil de manter com as condições de solo e climáticas portuguesas, além de produzir uma pasta de papel “de alta qualidade, a nível mundial”.

“A venda da madeira de eucalipto é a forma de dar o melhor rendimento aos proprietários de terrenos”, disse, salientando que manter um terreno, que muitas vezes é pequeno, custa dinheiro e o proprietário, “em lugar de ter algum lucro, só tem gastos”.

O especialista destaca que “as pessoas vão plantando eucaliptos sempre que podem”, o que leva à proliferação descontrolada destas árvores, e as leis que determinam áreas máximas para a plantação desta árvore nem sempre são cumpridas.

“Para que isto, de facto, não seja só escrito no papel, é preciso que haja uma monitorização, ou seja, uma fiscalização, verificar se, de facto, essa área está a aumentar ou não”, disse, destacando que cabe ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática, através do Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta, (ICNF) fazer esse inventário.

A venda da madeira de eucalipto é a forma de dar o melhor rendimento aos proprietários de terrenos.

Filipe Duarte Santos

Presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS)

O relatório mais recente sobre a presença de eucalipto em Portugal foi divulgado pelo ICNF em 2019, baseado em observações até anteriores à tragédia de Pedrógão Grande, em 2017, o que Filipe Duarte Santos considerou “surpreendente”, sobretudo num contexto em que “o risco de incêndio florestal tem estado a aumentar, em parte devido às alterações climáticas”.

O especialista salientou que existem empresas que “gerem excelentemente” áreas de monocultura de eucalipto, onde mantêm “um nível de eficiência em toda a cadeia de valor da produção de pasta de papel” e “algumas preocupações de sustentabilidade”.

No entanto, existe depois o resto e que é a generalidade da floresta portuguesa: “Áreas em que houve incêndios florestais e que, depois dos incêndios, não se fez praticamente mais a gestão da floresta, que cresceu de uma forma espontânea, desordenada”.

“Isso é uma coisa que não tem valor económico, ou tem um valor económico muito baixo, e é uma coisa que, de certo modo, é perigosa, porque a disponibilidade para proteger esse tipo de áreas do risco de incêndio é menor do que numa floresta que está bem gerida. Portanto, esse é talvez o problema principal. É isto que importa tentar evitar”, considerou.

Para isso, defendeu “um diálogo muito mais próximo entre o Governo e as entidades governamentais”, como o ICNF e as associações de proprietários florestais, “no sentido de tentar chegar a formas de melhor gerir a floresta”, de chegar a “incentivos para que haja melhor gestão” florestal.

Num território com mais de 90% da propriedade florestal privada, onde o Governo não pode intervir diretamente, falta ainda um cadastro da propriedade de todas as parcelas onde há mato e floresta em Portugal.

Filipe Duarte Santos destaca que muitos dos proprietários das parcelas de propriedade florestal que existem em Portugal resultam de heranças indivisas, por vezes, “há várias gerações”, pelo que muitas pessoas são proprietárias de menos de um metro quadrado de floresta e nem sequer sabem exatamente qual é esse metro quadrado, nem o conseguem gerir.

“É muito difícil gerir a floresta nessas circunstâncias, até porque os proprietários estão desvinculados da sua propriedade. A propriedade no fundo está abandonada. As pessoas já não se lembram que têm aquela propriedade, mas o facto é que, de acordo com os registos, são proprietários, o que é um problema que não está resolvido, que os nossos Governos, no plural, não conseguiram ainda resolver”, sublinhou.

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