Regulador sugere que motoristas possam trabalhar diretamente para a Uber

Regulador dos transportes propôs "reflexão" sobre a possibilidade de os motoristas, querendo, poderem trabalhar diretamente para as plataformas como a Uber e a Bolt.

O regulador dos transportes quer ver discutida a possibilidade de os motoristas de “Ubers” poderem trabalhar diretamente para as plataformas eletrónicas, se assim o pretenderem. Neste cenário, não desapareceria a figura do intermediário, vulgarmente chamado de “parceiro”, algo que, no passado, chegou a ser posto em cima da mesa.

A proposta de “reflexão” surge numa altura em que a chamada “Lei da Uber”, que veio legalizar em 2019 este tipo de aplicações em Portugal, vai regressar à discussão pública. O diploma previa que o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) elaborasse um relatório sobre a aplicação da lei no terreno, cabendo à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que regula o setor, a emissão de um parecer. Esse parecer, assinado pela presidente da AMT, Ana Paula Vitorino, acaba de ser tornado público (o relatório, em si, ainda foi divulgado pelo IMT).

Na ótica da AMT, o desaparecimento da figura do intermediário – tipicamente, as empresas que gerem as frotas de automóveis e empregam os motoristas – provocaria “disrupção económica e social”. Assim, o regulador liderado por Ana Paula Vitorino propõe “consagrar a possibilidade de, querendo, os motoristas poderem estabelecer uma relação direta” com as empresas como a Uber e a Bolt, algo que só poderia avançar após “análise aprofundada, em sede própria”, defende.

Nesses casos, segundo a AMT, “deveriam ser consideradas as especificidades dessa relação”, designadamente a “presunção de laboralidade”. Ou seja, estes profissionais poderiam ser considerados, de facto, trabalhadores da própria plataforma. Para a autoridade, a medida permitiria “evitar a ‘cristalização’ do modelo tripartido”, composto pelas figuras da plataforma, do “parceiro” e do motorista.

Ao abrigo desta proposta, o regulador admite, em simultâneo, a “manutenção da figura” do intermediário, que, “caso se queira assumir como agente (operador) de transportes”, passaria a estar sujeito à “obrigatoriedade de celebração de contrato de trabalho com os motoristas”, com tudo o que isso implicaria do ponto de vista da relação de trabalho.

A proposta da AMT representa, desta forma, uma espécie de meio-termo, ao permitir a desintermediação no negócio dos “Ubers” (tecnicamente designado TVDE, ou Transporte Individual e Remunerado de Passageiros em Veículos Descaracterizados a partir de Plataforma Eletrónica), ao mesmo tempo que manteria a figura do Operador de TVDE, o referido “parceiro”. A proposta de “reflexão genérica” tenta “conjugar os vários interesses públicos em presença”, nomeadamente “as questões sociais e laborais, por um lado, e as questões relacionadas com a operação específica de transporte de passageiros”, por outro, escreve Ana Paula Vitorino.

Mas a medida é ambiciosa. A própria AMT alerta que, avançando, seria disruptiva para o setor: “Nota-se, no entanto, que esta solução implicaria alterações em todo o Regime TVDE”, lê-se no documento, assinado pela própria presidente, com a data de 10 de fevereiro de 2022.

Atualmente, segundo o mesmo documento, existem, “pelo menos, quatro tipos de contratos escritos” assinados entre os motoristas e as empresas “parceiras” das plataformas, desde contrato de prestação de serviços, contrato de aluguer, contrato de consórcio e contrato de trabalho.

Assim, os motoristas podem estar em situações laborais muito distintas. Quanto à forma de remuneração, “esta varia de operador para operador”: “Nuns casos, enquanto funcionário da empresa, têm um vencimento definido. Noutros casos, auferem a percentagem devida pelas viagens. Existem caso em que os motoristas são remunerados, exclusivamente, pela receita do tarifário, deduzido do valor correspondente ao ‘aluguer’ semanal do veículo (ao Operador de TVDE”).”

A AMT dá ainda como exemplo os pagamentos de contribuições: “Quanto às obrigações decorrentes da Segurança Social, constata-se que estas são cumpridas de duas formas. Há Operadores de TVDE que não têm qualquer responsabilidade para com os motoristas; outros limitam-se a pagar o montante mínimo devido à Segurança Social, de acordo com o valor anualmente faturado pelo motorista.”

Governo recua na Agenda do Trabalho Digno

Importa notar, porém, que o parecer da AMT é anterior à nova proposta de alteração à legislação laboral que foi entregue pelo atual Governo à Assembleia da República, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, sem acordo na Concertação Social. Também aqui houve um recuo notório por parte do Executivo.

O diploma que esteve em cima da mesa antes das eleições antecipadas previa a presunção de contrato de trabalho entre os motoristas e as plataformas. O objetivo era o de estabelecer indícios que permitissem o reconhecimento em tribunal de que os motoristas são trabalhadores dependentes das plataformas.

Ora, no caso concreto do setor do TVDE, existe uma terceira figura, a do “parceiro” ou Operador de TVDE, que é a entidade que contrata os motoristas. Em alguns casos, são mesmo empresas constituídas pelos próprios motoristas para irem ao encontro do que é determinado na lei.

No novo diploma agora entregue no Parlamento, pelo contrário, o Governo escreve que o contrato de trabalho pode ser presumido com a plataforma, mas também com “outra pessoa singular ou coletiva” – permitindo, por exemplo, que a presunção laboral aconteça entre o motorista e o intermediário.

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