Na saída de Marta Temido, partidos exigem reformas no SNS

Ministra da Saúde de saída do Governo com coro de críticas da esquerda à direita e partidos a exigirem transformações profundas no Serviço Nacional de Saúde.

A ministra da Saúde apresentou a demissão na madrugada desta terça-feira, “por entender que deixou de ter condições para se manter no cargo”. O primeiro-ministro já aceitou o pedido, e, da esquerda à direita, os partidos reagem à decisão, depois dos comentários de figuras do setor.

Marta Temido “deu muito ao país” e ficará “na memória de todos”, diz PS

Em reação à demissão da ministra da Saúde, do lado do PS, Porfírio Silva agradece a Marta Temido pelo “excelente trabalho” executado, nomeadamente durante “anos da pandemia”, em “que a pudémos ver todos os dias, todas as horas” como uma “trabalhadora essencial”.

“Sabemos como foi duro para cada um de nós e sabemos como terá sido duro, mas cumpriu”, disse o deputado socialista, acrescentando que Marta Temido ficará também “na memória de todos” por ter pertencido aos “governos do Partido Socialista que inverteram o ciclo de investimento do SNS”. “Temos hoje mais, muito mais profissionais no SNS, temos hoje muito mais investimento e a Dra. Marta Temido esteve lá”, enalteceu Porfírio Silva, em declarações transmitidas pela RTP3.

“Obrigada, Dra. Marta Temido”, disse o deputado socialista, referindo que a governante demissionária “deu muito ao país”. Questionado sobre quem irá suceder a Marta Temido, o socialista remeteu os esclarecimentos para o primeiro-ministro.

PSD acusa Temido de ter posto “ideologia à frente da saúde dos portugueses”

À direita, o vice-presidente do PSD diz que o pedido de demissão de Marta Temido “peca por tardio” e que a ministra “está longe de ficar na boa memória dos portugueses”, mas que, “infelizmente, as suas políticas terão impacto no curto, no médio e no longo prazo”.

Em declarações transmitidas pela RTP3, Miguel Pinto Luz acusa o Governo socialista de desenvolver uma “política de saúde em que o custo cresceu”, mas que a “qualidade do serviço diminuiu”, com “urgências fechadas, consultas, exames e operações adiadas e com profissionais a debandarem do SNS”. “O Governo pela mão de Marta Temido, mas sempre com a concordância do senhor primeiro-ministro, criou um caos nas urgências de obstétrica numa situação absolutamente vergonhosa”, acrescentou.

O vice-presidente dos sociais-democratas acusa a ministra de não ter sabido “dialogar com médicos e enfermeiros” e de ter posto “as suas convicções pessoais” e a sua “ideologia à frente do que era mais importante, a saúde dos portugueses”.

Questionado sobre o sucessor de Marta Temido, Miguel Pinto Luz sinaliza que “o timing e a escolha do tempo caberá ao primeiro-ministro, mas avisa que “para o PSD é urgente que se mude a politica de saúde em Portugal”, e sublinha que o partido “está disponível” para “contribuir com uma visão do SNS para 30 anos”.

Chega desafia Costa a assumir pasta da Saúde

O Chega considera que a demissão de Marta Temido “era uma situação absolutamente evitável, não fosse a degradação permanente, consecutiva, a que o Chega chamou a atenção, dos serviços de saúde, dos cuidados de saúde e da situação política da própria ministra da Saúde”. André Ventura entende também que a saída “é o símbolo e o desgaste de uma maioria absoluta. A teimosia do primeiro-ministro em manter a ministra e a linha, mesmo quando os serviços não estavam a responder”.

Sobre o perfil da nova pessoa na pasta, o partido entende que o futuro ministro “tem de ter experiência na área da saúde, tem de ser capaz de ouvir os profissionais de saúde e não estar em guerrilha com os profissionais de saúde. Não pode ter cegueira ideológica”.

No entanto, como o Governo admite que a sucessão “não será rápida”, o Chega desafia Antónia Costa a assumir temporariamente a pasta da Saúde “tal como fez com os Assuntos Europeus na constituição do atual Governo. André Ventura afasta que o secretário de Estado António Lacerda Sales assuma o lugar e entende mesmo que este deveria “colocar o lugar à disposição”.

Iniciativa liberal exige “reforma profunda do sistema”

A par do PSD, também a Iniciativa Liberal (IL) sublinha que será importante perceber se a saída de Marta Temido representa ou não uma mudança de políticas na área da Saúde. “Ficamos sem saber se se demite uma ministra ou se se acaba uma política”, aponta o partido liderado por João Cotrim Figueiredo, em comunicado.

Além disso, os liberais sinalizam que é “fundamental perceber os motivos invocados pela ministra no momento da demissão”. “Que condições deixaram de existir esta madrugada? Que dado novo ou evolução recente levaram a esta decisão que, em face do estado de degradação do sistema de saúde ou mesmo dos casos particularmente trágicos que todas as semanas se sucedem, já poderia ter acontecido há meses?”, questiona o partido.

Nesse contexto, a IL insta o primeiro-ministro a dar “explicações ao país” com “clareza”, nomeadamente no que respeita às “orientações políticas” que vai dar ao novo titular da pasta. “Só uma reforma profunda do sistema”, baseada “na concorrência entre prestadores e na liberdade de escolha dos doentes, poderá dar aos portugueses cuidados de saúde com a qualidade e celeridade que merecem”, conclui o partido.

Mais do que um novo nome, BE pede nova política

O Bloco de Esquerda aproveitou a saída de Marta Temido para recordar que há um contexto de “falta de capacidade do SNS” e uma “falta crescente de cuidados de saúde. É uma situação que não é nova e que tem vindo a degradar-se rapidamente”, salientou Catarina Martins. A coordenadora do partido lembrou também a “enorme divergência” entre o BE e o PS na área da Saúde.

“Neste momento desejamos que não se continuem a adiar as decisões fundamentais para que SNS funcione e garanta o acesso à saúde de toda a população nas melhores condições. O Governo tem vindo a adiar sistematicamente todas as condições para o SNS trabalhar. Não tem feito investimentos no SNS e tem perdido profissionais a cada dia que passa. Essa é a situação que tem de ser travada já”, exigiu Catarina Martins, em declarações difundidas pela RTP3.

A coordenadora do BE destacou ainda que “a passividade de um Governo cuja política de saúde não é definida apenas pela ministra da Saúde mas sim por todo o Governo — e bem sabemos como decisões quotidianas do SNS são tomadas no Ministério das Finanças – esse Governo tem assistido, de braços cruzados à degradação do SNS. Não tem de ser assim”.

Sobre a substituição de Marta Temido, Catarina Martins considerou que “uma linha de continuidade da saúde é um desastre. Mudar a ministra sem mudar a política não vale de nada“, concluiu.

“SNS não se reforça com política de privatização”, defende PCP

Do lado do PCP, Ana Paula Santos assinala que “mais do que os rostos do Governo”, o fundamental “é uma mudança de políticas”, de forma a “fortalecer o SNS”. “Perante a situação em que se encontra o SNS, o que se exige ao Governo é a resposta para saber se vai tomar as medidas que são necessárias para fortalecer o SNS“, afirmou a líder parlamentar dos comunistas, em declarações transmitidas pela RTP3, dando como exemplo “a necessidade de reforço ao nível dos profissionais” de saúde, bem como melhorar a “capacidade “de assegurar os serviços”.

Segundo os comunistas são necessárias “medidas para salvar o SNS”, que passam pela valorização das carreiras, bem como ao nível dos salários trabalhadores e de um “reforço do investimento”. “O SNS não se reforça numa lógica e com uma opção política de privatização, mas com a valorização dos trabalhadores”, avisa a deputada.

“Não trata da mudança do titular da pasta, mas sim das políticas públicas, diz PAN

A par do PCP, também o PAN sinaliza que mais do que uma mudança na pasta da Saúde, são necessárias mudanças nas políticas públicas nesta área. “Nessa medida, mesmo com esta demissão, aquilo que nos preocupa é se vamos ter uma continuidade das politicas, nomeadamente de desinvestimento sucessivo do SNS e de falta de valorização dos seus profissionais”, afirmou Inês Sousa Real, em declarações à RTP3.

Nesse sentido, a líder do PAN pede ao Governo que se sente “à mesa com as ordens profissionais e sindicatos e que daqui saia uma consequente valorização dos profissionais com a exclusividade dos médicos, a valorização das carreiras e com a resolução de um problema que se acaba por agudizar no verão que é a contratação [médicos] tarefeiros ao invés da contratação de pessoal”, especificou. Nesse sentido, Inês Sousa Real espera que o sucessor/a de Marta Temido “tenha capacidade de diálogo e investimento no SNS”.

“Nem tudo se resolve com mais orçamento”, diz Rui Tavares

Pela voz do Livre, Rui Tavares considera que é preciso ter “consciência” de que as falhas no Serviço Nacional de Saúde não são uma situação que “tenha que ver com uma pessoa em particular ou com a substituição de uma pessoa por outra”, mas “com problemas estruturais que o SNS está a enfrentar que são muito graves e que precisam de uma ação decisiva por parte do Governo que não tem acontecido”.

“Há até o risco de se olhar para este pedido de demissão aceite pelo primeiro-ministro como uma espécie de de desistência de se resolver estes problemas quando aquilo que precisamos é de um grito de alerta”, avisa o deputado único, em declarações à RTP3, acrescentando que “sistemas muito complexos como é o do SNS podem entrar numa situação de crise depois de num declínio muito acentuado”.

Nesse contexto, Rui Tavares sublinha que o SNS “é um pilar essencial do Portugal democrático”, pelo que defende que é necessário recuperar os laços de confiança com os profissionais de saúde em termos de carreiras“, mas também ao nível dos salários, bem como encontrar estratégias para captar profissionais de saúde que optaram por emigrar. Por isso, o Livre insta o Executivo a adotar o programa Regressar Saúde. “Nem tudo se resolve com mais orçamento”, diz Rui Tavares, sinalizando que o sucessor de Marta Temido “precisa de ter respaldo político do primeiro-ministro”, bem como do ministro das Finanças.

Presidente da República informado da demissão de Marta Temido

Marcelo Rebelo de Sousa confirmou que foi informado da demissão de Marta Temido. “O Presidente da República foi informado pelo Primeiro-Ministro, no início do dia de hoje [terça-feira, dia 30 de agosto], da intenção da Ministra da Saúde, Marta Temido, de cessar as suas funções, posição essa que aceitava”, lê-se numa nota publicada na página da Presidência.

O Presidente da República “aguarda a formalização do pedido de exoneração, bem como da proposta de nomeação de novo titular, nos termos do artigo 133.º, alínea h), da Constituição”, conclui a nota publicada nesta terça-feira de manhã.

(Notícia atualizada às 13h06 com declarações do Chega)

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