Oito polémicas que marcaram o percurso de Marta Temido no Governo

Do desmentido sobre a PPP de Braga aos telefonemas a diretores hospitalares, recorde 8 polémicas que marcaram o percurso de Marta Temido como ministra da Saúde. Pediu a demissão durante a madrugada.

A ministra da Saúde, Marta Temido, pediu a demissão a António Costa durante a madrugadaTIAGO PETINGA/LUSA

A notícia foi conhecida durante a madrugada e promete marcar este dia de terça-feira: a ministra da Saúde, Marta Temido, que estava no cargo desde 2018 e tutelou a pasta da Saúde durante a pandemia, pediu ao primeiro-ministro para sair do Governo, por entender que “deixou de ter condições para se manter no cargo”. António Costa aceitou a demissão.

Em comunicado, o Ministério da Saúde não dá mais detalhes sobre o que precipitou a opção, embora a decisão tenha sido tomada depois de ser tornado público que uma grávida morreu enquanto estava a ser transferida para outro hospital por falta de vagas no Hospital de Santa Maria. A saída da ministra acontece num momento de fortes constrangimentos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e depois de ter estado envolvida em várias polémicas no setor ao longo dos últimos anos.

Se a ministra demissionária chegou a ser vista como uma figura de relevo dentro do Partido Socialista, e até uma das possíveis sucessoras, tendo chegado a receber o cartão de militante pelas mãos de António Costa no Congresso do PS em Portimão no ano passado, os sucessivos casos que abalaram o Serviço Nacional de Saúde nos últimos meses culminaram agora na sua saída de cena.

Do desmentido sobre a PPP de Braga aos telefonemas a diretores hospitalares, recorde oito polémicas que marcaram os mandatos de Marta Temido.

Fim da PPP no Hospital de Braga

Em dezembro de 2018, a ministra da Saúde garantia que a parceria público-privada (PPP) do Hospital de Braga iria terminar por “indisponibilidade definitiva” do gestor privado, o grupo José de Mello, em prolongar o atual contrato.

“O contrato atual do Hospital de Braga termina em agosto de 2019 e o parceiro público suscitou ao parceiro privado a possibilidade, na pendência da organização do processo de um novo concurso para uma nova PPP [parceria público-privada], se prolongar o atual contrato”, disse Marta Temido, a 12 de dezembro de 2018, no final de uma audição na comissão parlamentar de Saúde. “Tanto quanto é do conhecimento, houve já uma indisponibilidade definitiva do parceiro privado para continuar a operar”, acrescentou ainda Marta Temido.

Horas depois, Marta Temido foi desmentida pelo próprio grupo José de Mello que se dizia “desde o primeiro momento disponível para o prolongamento do Contrato de Gestão da PPP do Hospital de Braga, dentro do atual modelo contratual, desde que esclarecidas as condições de execução do contrato e de sustentabilidade financeira da parceria”.

Negociar com enfermeiros seria “privilegiar o criminoso”

Poucos dias depois do caso da PPP de Braga, surgiu uma nova polémica. Numa altura em que os enfermeiros estavam em greve, a sucessora de Adalberto Campos Fernandes assegurava, em entrevista à TSF/ Diário de Notícias, que não iria negociar com os enfermeiros que estavam em greve, considerando que isso seria “privilegiar o criminoso”.

“Nem sequer isso [negociar com os sindicatos em greve] seria correto para com as estruturas que decidiram dar-nos o benefício de continuar à mesa e a negociar connosco, portanto isso estaria a privilegiar, digo eu, o criminoso, o infrator”, disse Marta Temido, a 16 de dezembro de 2018.

As palavras suscitaram incómodo dentro da classe dos enfermeiros e forçaram Marta Temido a fazer um pedido de desculpas, através de um telefonema dirigido à bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, sublinhando que não tinha intenção de chamar “criminosos” aos profissionais de saúde.

É preciso “enterrar os mortos e tratar dos vivos”

Em entrevista ao programa “Grande Entrevista”, da RTP, Marta Temido respaldou-se numa frase proferida por Marquês de Pombal, aquando do terramoto que abalou a cidade de Lisboa em 1755, para responder a uma questão sobre o facto de a penalização do erro médico ter ficado de fora da Lei de Bases da Saúde.

“Quando há problemas dessa tipologia aquilo que nos preocupa a todos é que (…) peço desculpa pela expressão… enterrar os mortos e tratar dos vivos. Não será feliz [a expressão] mas muitas das coisas que acontecem na vida do nosso Serviço Nacional de Saúde não são felizes”, afirmou Marta Temido, a 25 de dezembro de 2019.

A frase suscitou uma onda de reações nas redes sociais e chegou a ser comentada por Adolfo Mesquita Nunes, na altura deputado do CDS-PP. “A maioria das frases infelizes de um político tem um contexto, uma lógica. A afirmação da ministra da saúde sobre o erro médico também a tem, como tinha o ‘piegas’ ou o suposto ‘emigrem’ de passos. Serão frases evitáveis? Com certeza. Mas mais evitável é a indignação seletiva”, escreveu, numa publicação no Twitter.

Temido pede médicos “mais resilientes”

Depois de, em 2020 e 2021, Marta Temido ter ganhado popularidade na gestão da resposta à pandemia, e de ter, por diversas vezes, sublinhado a importância dos profissionais de saúde no combate à Covid-19, as declarações da ministra numa audição na Comissão Parlamentar de Saúde, em novembro de 2021, vieram agitar as águas.

Questionada sobre o motivo pelo qual os médicos não se fixam no SNS, Marta Temido respondeu: “É bom que todos nós, como sociedade, pensemos nas expectativas e na seleção destes profissionais, porque, por ventura, outros aspetos como a resiliência são tão importantes como as competências técnicas. Estas são profissões, de facto, que exigem uma grande capacidade de resistência, de enfrentar a pressão e o desgaste e temos que investir nisso.”

As declarações da ministra foram fortemente criticadas pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM): “É uma imperdoável ofensa que os médicos portugueses exaustos por centenas de horas extraordinárias não mais perdoarão”, escreveu em comunicado. Também o Presidente da República veio defender os médicos, referindo que, “se há característica que os profissionais de saúde demonstraram, além da devoção e competência, é a resiliência”.

Face a esta polémica, Marta Temido pediu desculpa, explicando que “não disse em momento nenhum que é preciso recrutar profissionais [de saúde] mais resilientes. Disse que é necessário que todos façamos um investimento em mais resiliência, sobretudo quem trabalha em áreas tão exigentes como a da saúde.”

Aborto como critério para os médicos de família

Já em maio deste ano, o Público noticiava que um grupo de trabalho criado para rever o modelo de organização e funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B preparava-se para apresentar uma proposta que, na prática, penalizava os médicos de família que realizassem interrupções voluntárias da gravidez (IVG).

O caso não envolvia diretamente Marta Temido, mas forçou a governante a intervir. Em comunicado, a ministra informou que o grupo de trabalho decidira deixar cair aquele critério, referindo que os indicadores “suscetíveis de leituras indesejáveis”. E ainda antes disso, questionada pelos deputados no Parlamento, a governante sinalizou que “a IVG para as mulheres que a fizeram é profundamente penalizadora para a saúde física e mental. Podemos discordar, ou concordar, mas não considerar isto é hipócrita.”

Marta Temido chegou a ser apontada como uma das possíveis sucessoras de António CostaTIAGO PETINGA/LUSA

Ministra “não perde a fé em melhorar as coisas” na saúde

Numa altura em que vários hospitais são obrigados a suspender os serviços de urgência obstétrica por falta de profissionais de saúde para assegurar as escalas, Marta Temido desdobrava-se em declarações, assegurando que o Governo está empenhado em resolver os problemas nas urgências, mas sublinhando que há problemas que “só se resolvem com soluções estruturais” que demoram tempo.

“Neste momento, aquilo que tínhamos programado realizar, temos conseguido”, disse Marta Temido, a 22 de julho, à margem da visita à obra do Novo Hospital Central do Alentejo. A ministra assegurou que já eram esperadas “contingências durante o verão” e que ultimamente estas carências têm tido “maior visibilidade”, mas até salvaguardou que este não é um problema exclusivo de Portugal.

“Os sistemas de saúde têm problemas, a vida tem problemas. A questão é: como é que nos posicionamos em relação aos problemas? Há uns que baixam os braços, outros dizem que não há nada a fazer e que está tudo mal e há uns que fazem, como nós estamos a fazer”. Não podemos perder a fé de que vamos melhorar as coisas”, resumiu Marta Temido.

Temido terá telefonado a diretores de serviços hospitalares a pedir cancelamentos de férias

Com a crise nas urgências sem solução à vista, o Governo desdobra-se em medidas para responder ao problema, que foram desde a criação de uma Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos, à criação de um regime de remuneração excecional nestes serviços ou até à criação de um motor de busca com os horários das urgências.

Além disso, a ministra da Saúde terá ligado a diretores de serviço de diversos hospitais do Serviço Nacional de Saúde sugerindo que cancelassem as férias de alguns trabalhadores, de forma a assegurar as escalas, segundo revelou o Observador.

Esta situação foi confirmada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que em comunicado intitulado “Assim não vai lá, Sr.ª Doutora”, acusa a ministra de “fazer telefonemas a diretores de serviço a questioná-los por não terem suspendido as férias dos médicos em resposta à falta de recursos agravada por abandonos em massa do SNS ou substituir diretores clínicos na esperança que sejam tirados coelhos da cartola”.

Falhas no SNS devem-se a decisões “nos anos 80”

Já na semana passada, Marta Temido atribuiu os constrangimentos atuais no SNS a decisões tomadas “há várias décadas, nos anos 80”.

“O facto de termos um número de médicos em determinadas especialidades que é insuficiente para a rede de prestação de cuidados de saúde que hoje temos — insuficiente e, em termos etários, desadequado daquilo que precisamos de garantir — não é o resultado de uma escolha de hoje, ontem ou do ano passado. É o resultado de uma escolha que foi feita há várias décadas, nos anos 80, quando o acesso aos cursos de medicina estava altamente limitado, o que levou a que tivéssemos agora o reflexo dessa escolha”, justificou Marta Temido, em conferência de imprensa, após o Conselho de Ministros, a 25 de agosto.

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