Do trabalho para o teletrabalho, casos de bullying aumentam

Há indícios de que, à medida que as empresas adotaram modelos remotos e híbridos, a intimidação no trabalho não só continuou, como aumento. Agora num plano digital.

O bullying no local de trabalho não é um problema novo nas empresas e, tal como o trabalho migrou para o cenário remoto, também as situações de intimidação e os comportamentos de assédio passaram a acontecer no plano digital. Se para algumas pessoas o trabalho à distância tem diminuído a angústia quotidiana de quem lida com tais incidentes, há indícios de que, à medida que as empresas adotaram modelos remotos e híbridos, a intimidação no trabalho não só continuou, como até aumentou. Agora num plano digital.

Já estávamos a assistir a incidentes de bullying que aconteciam fora do local de trabalho físico”, começa por referir Rachel Suff, conselheira política sénior sobre relações laborais do CIPD, com sede em Londres, citada pela BBC. Agora, o grande número de canais digitais disponíveis “dá mais possibilidades às pessoas de serem intimidadas ou de se sentirem intimidadas”.

Alguns dados indicam que este era já um problema crescente antes da mudança mais generalizada para o trabalho à distância. Um estudo de janeiro de 2020 do Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD) mostrou que 10% dos trabalhadores foram intimidados por email, telefone ou meios de comunicação social.

E um inquérito de 2021, elaborado pelo The Workplace Bullying Institute, trouxe novas conclusões, e agigantadas: 43% dos 1.215 trabalhadores remotos inquiridos dos Estados Unidos da América admitem ter sido alvo de assédio moral no local de trabalho. A maioria através de videochamadas e correio eletrónico.

Além disso, um quarto dos profissionais considera que o trabalho à distância durante a Covid-19 tornava os colegas “mais suscetíveis de se maltratarem uns aos outros”.

Existem certas características do cyberbullying que podem torná-lo mais prejudicial do que o tradicional bullying, cara a cara. Especialmente a disponibilidade 24/7 e a ubiquidade da tecnologia e dos meios de comunicação social. Antes, seria possível deixar o seu local de trabalho e talvez sentir-se um pouco mais seguro, mas agora essa divisão foi-lhe retirada.

Kara Ng

Psicóloga e investigadora na University of Manchester

No Reino Unido, em 2022, o número de queixas de assédio moral apresentadas no Tribunal de Trabalho disparou 44% em relação ao ano anterior. Os incidentes mais reportados incluíram comportamentos e comentários desagradáveis e abusivos durante as videochamadas, nomeadamente deixando deliberadamente determinados colegas fora das videochamadas e utilizando aplicações de mensagens para coscuvilhices durante as apresentações dos colegas.

“Existem certas características do cyberbullying que podem torná-lo mais prejudicial do que o tradicional bullying, cara a cara”, afirma Kara Ng. “Especialmente a disponibilidade 24/7 e a ubiquidade da tecnologia e dos meios de comunicação social. Antes, seria possível deixar o seu local de trabalho e talvez sentir-se um pouco mais seguro, mas agora essa divisão foi-lhe retirada”, justifica a psicóloga e investigadora na University of Manchester.

Outro problema que os especialistas mencionam tem a ver com a dificuldade na identificação de comportamentos de risco. “Os comportamentos de bullying são menos suscetíveis de serem detetados no local de trabalho digital”, alerta Priyanka Sharma, psicóloga organizacional e fundadora da Mindtrail. “É muito mais fácil excluir intencionalmente alguém de reuniões importantes ou reter informação importante, e é mais difícil perceber quando um colega está numa situação de angústia ou sofrimento“, detalha.

Bullying. “Um problema de grupo”

Não identificar (a tempo) os casos de bullying para a consequente atuação pode ser, no entanto, “bastante prejudicial”. Priyanka Sharma considera ainda que a falta de intervenção pode deixar o trabalhador lesado a sentir que os seus colegas de equipa apoiam o comportamento de bullying, agravando também o sentimento de isolamento.

Além disso, no contexto digital, muitas vezes cabe-nos a nós interpretar o tom de voz. “E é difícil fazer isso”, refere a psicóloga especializada em empresas. “As pessoas podem começar a questionar o seu sentido de pertença, se estão a ser intimidadas e se é intencional”.

“É importante que o bullying não seja visto apenas como uma questão entre o agressor e a vítima. É um problema de grupo”, afirma Kara Ng. Há estudos que concluem que as pessoas que testemunham casos de bullying podem sofrer o mesmo impacto no seu bem-estar que os próprios visados.

“Afeta realmente o ambiente do grupo. As pessoas podem sentir medo de partilhar as suas opiniões e estar mais stressadas, e isso pode levar a um menor desempenho e envolvimento que, em última análise, afeta a empresa.”

Atuar para erradicar o bullying no trabalho

Antes da pandemia, o grupo mais provável de cometer assédio no local de trabalho era o dos gestores, responsáveis por 40% de todos os incidentes, de acordo com o mesmo estudo do CIPD. Em 2021, o inquérito do Workplace Bullying Institute descobriu que o mesmo se aplicava ao trabalho à distância, sendo os gestores responsáveis por 47% dos casos de bullying notificados.

“Uma das coisas fundamentais que a investigação sublinha é o papel do líder na modelação do bom comportamento”, diz Kara Ng. Sem um forte exemplo de liderança inclusiva, “os empregados podem sentir que podem ter comportamentos de bullying sem qualquer tipo de punição ou que os comportamentos de bullying são aceitáveis“, acrescenta Ng.

O ónus recai sobre as organizações, que devem certificar-se de que possuem estruturas eficazes para gerir o bullying remoto, incluindo caminhos claros para os empregados denunciarem incidentes e garantias de que serão tratados corretamente, especialmente quando são os gestores os bullies. “Isto requer uma abordagem proativa e, em alguns casos, uma compreensão mais profunda das formas subtis como o assédio à distância se pode manifestar.”

Para profissionais remotos que se veem a braços com situações de bullying, uma opção é levar o problema aos RH da organização. Apesar de falar exigir coragem, Priyanka Sharma aconselha as pessoas a fazê-lo o quanto antes, “para que os assuntos possam ser tratados com um sentido de urgência, e não tenham impacto no seu bem-estar mental a longo prazo”.

A boa notícia é que, ao contrário do bullying tradicional, o bullying digital deixa, normalmente, “um rasto de provas”, conclui Kara Ng.

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