“Era de ouro do gás está a terminar”, diz AIE. 2030 marca declínio em todos os combustíveis fósseis
AIE acredita que a guerra na Ucrânia veio antecipar o pico no consumo de gás, carvão e petróleo já para 2030, abrindo caminho para o crescimento da energia "verde".
Já não existem margens para dúvidas: a crise energética mundial espoletada pela invasão russa da Ucrânia está a causar “alterações profundas e de longo prazo”, que, entre elas, irá resultar num “pico na procura mundial de combustíveis fósseis”, como o gás, petróleo e ao carvão, já em 20230. Segundo o World Energy Outlook, divulgado esta quinta-feira, pela Agência Internacional de Energia (AIE), “um dos efeitos das ações da Rússia, é que a era de rápido crescimento da procura de gás natural está a chegar ao fim“.
“Após um rápido crescimento do consumo de gás nos últimos 10 anos, achamos que a era de ouro do gás está terminar”, afirma Faith Birol, diretor-geral da AIE em entrevista ao Financial Times. “Além do declínio do consumo de carvão e petróleo que já esperávamos, agora vemos um pico [no consumo] por volta de 2030 para todos os combustíveis fósseis”, frisa.
Segundo o relatório anual divulgado pela agência com sede em Paris, é estimado que o consumo do carvão recue nos próximos anos, a procura de gás natural estabilize até ao final desta década, e, que com o aumento das vendas de veículos elétricos, a procura de petróleo se mantenha inalterada em meados da década de 2030 antes de diminuir ligeiramente em 2050. “Isto significa que a procura global por combustíveis fósseis vai reduzir progressivamente entre 2020 a 2050″, conclui a AIE, revelando que a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética global vai cair de 80% atualmente — “um nível que se mantém constante há décadas” — para menos de 75% até 2030 e para pouco mais de 60% em meados do século.
Com este abrandamento das energias mais poluentes, o setor da energia “verde” prepara-se para dar um grande salto, um período que a AIE considera ser “um ponto de viragem histórico e definitivo em direção a um sistema energético mais limpo, mais acessível e mais seguro”. Assim, a AIE estima que o investimento global em energia limpa aumente mais de 50% para mais de dois biliões de dólares (cerca de 1,99 biliões de euros) por ano até 2030. “Os mercados e as políticas de energia sofreram alterações como resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia, não apenas por agora, mas por muitas décadas“, referiu Fatih Birol, diretor-geral da AIE, no relatório.
Mesmo com as configurações de políticas atuais, o mundo da energia está a mudar drasticamente diante dos nossos olhos. As respostas governamentais em todo o mundo prometem tornar este momento num ponto de viragem histórico e definitivo em direção a um sistema de energia mais limpo, mais acessível e mais seguro”
Apesar deste valor avultado, a AIE alerta que mesmo assim não será suficiente e que será preciso investir quatro biliões de dólares (cerca de 3,98 biliões de euros) por ano até 2030, num cenário em que as economias mundiais consigam concretizar o objetivo do Acordo de Paris de emissões zero carbono até 2050. Para isso, será necessário “atrair mais investidores para o setor das energias limpas” e reduzir “a preocupante divisão” que se verifica nos níveis de investimento em energia limpa nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.
“É essencial trazer todos a bordo, especialmente num momento em que as fraturas geopolíticas na energia e no clima são ainda mais visíveis”, apela Faith Birol. “Isso significa redobrar os esforços para garantir que uma ampla coligação de países detenha uma participação na nova economia energética. A jornada para um sistema de energia mais seguro e sustentável pode não ser tranquila. Mas a crise de hoje deixa bem claro por que precisamos seguir em frente”, defende.
Mas a guerra na Ucrânia também trouxe consequências para a Rússia. Desde várias décadas que o país tem sido, “de longe”, o maior exportador mundial de combustíveis fósseis, mas com a invasão a 24 de fevereiro assistiu-se a uma “reorientação total do comércio global de energia”, deixando Moscovo com uma posição no mercado muito reduzida que, provavelmente, nunca irá recuperar, prevê a AIE. “A participação da Rússia na energia comercializada internacionalmente, que estava perto de 20% em 2021, vai cair para 13% em 2030”, de acordo com o World Energy Outlook da Agência Internacional de Energia, “enquanto as participações dos Estados Unidos e do Oriente Médio vão aumentar”.
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