Edifícios reabilitados em Portugal “falham” inspeção de risco sísmico
Falta de verificação técnica ao nível das estruturas agrava vulnerabilidade das casas portuguesas. Resistência a sismos deve ser critério para valorizar casas e tão “sexy” como o conforto ou ambiente.
O sistema de licenciamento de estruturas em Portugal, onde se inclui a resistência à ação sísmica, não obriga a uma verificação técnica independente, baseando-se apenas num termo de responsabilidade assinado pelo projetista, que declara o cumprimento das regras. Essa ausência de inspeção é denunciada pelos especialistas ouvidos pelo ECO, em particular nas obras de reabilitação, já que agrava o diagnóstico de vulnerabilidade dos edifícios portugueses no caso de fortes abalos, como os que aconteceram esta semana na Turquia e na Síria.
“Se houver um sismo em Lisboa será catastrófico porque os edifícios não estão preparados. Ou são já muito antigos e não cobertos pela legislação mais exigente; ou foram sofrendo intervenções amadoras ou ilegais que os fragilizaram as estruturas, com a eliminação de paredes e pilares, ou o corte de barras de madeira nas construções em gaiola, da época pombalina. E, basicamente, ninguém sabe o que foi lá feito porque isso nem sequer passa pelo licenciamento dos municípios – ou, quando passa, os técnicos nas câmaras não fazem uma revisão. Se um projetista assina por baixo, o projeto de estruturas passa”, explica Bruno de Carvalho Matos, especialista em Engenharia Civil.
Outros investigadores em engenharia sísmica alertam igualmente para a monitorização insuficiente. Mas enquanto Luís Guerreiro, professor no Instituto Superior Técnico (IST), privilegia a tese do erro à da falsa declaração, João Appleton, especialista em sistemas construtivos, numa intervenção feita na CNN Portugal, disse não ter “grande confiança na qualidade do ato de engenharia” e fala mesmo num “problema generalizado, incluindo nos edifícios acabados de projetar e de construir”.
“Parte-se do princípio de que quem escreve uma coisa dessas [declaração do projetista] não mente. Mas os portugueses não são diferentes dos outros: mentem e mentem muito. Os engenheiros portugueses são muito razoavelmente mentirosos. Assinam esses termos de responsabilidade e violam de forma metódica os regulamentos em vigor. Fazem batota sem que isso tenha consequências”, referiu o engenheiro civil da A2P Consult, empresa especializada em Engenharia de Estruturas.
A maior preocupação em Portugal passa pelo desconhecimento do estado dos edifícios mais antigos e também das reabilitações ou remodelações a que estes são sujeitos, sem que haja o necessário acompanhamento técnico.
João Poças Martins, professor na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), reconhece este mesmo problema e dramatiza igualmente a falta de um “registo fidedigno daquilo que é o estado atual dos edifícios”, nomeadamente nos centros históricos, pois essas alterações profundas nem sempre estão bem documentadas. Tal como existe o certificado energético para as habitações, defende a introdução de um instrumento equivalente para a área da segurança sísmica.
Elad Dror, CEO do grupo Fortera, reconhece ao ECO que “a maior preocupação em Portugal passa pelo desconhecimento do estado dos edifícios mais antigos e também das reabilitações ou remodelações a que estes são sujeitos, sem que haja o necessário acompanhamento técnico”.
O líder desta empresa de desenvolvimento e gestão imobiliária, com mais de 700 milhões de euros de projetos em curso para os próximos cinco anos, lembra o risco sísmico no país e sustenta que “não [pode] descurar estas exigências na execução dos projetos” e deve “apostar cada vez mais na prevenção e no acompanhamento técnico da construção”.
Resistência a sismos não valoriza casas
As imagens que chegam por estes dias da Turquia e da Síria, com mais de 11.200 vítimas mortais já confirmadas, trazem renovados receios sobre a elevada vulnerabilidade da capital portuguesa ao risco sísmico. De acordo com o Público, dos 452.582 edifícios existentes na Área Metropolitana de Lisboa, quase 68% foram construídos antes de existir legislação de proteção sísmica eficaz, ou seja, até ao início da década de 1990.
Em entrevista ao ECO, José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores, adiantou que só 15% das habitações do país têm risco sísmico no seguro e calculou que um novo terramoto com as características do de 1755, que teve uma magnitude de 8,75 na escala de Richter, teria um impacto económico equivalente à perda de 20% do PIB.
Tal como se valoriza o conforto térmico, a poupança energética, as questões estéticas e da qualidade do projeto, deve haver uma valorização justa daquilo que é a segurança das estruturas e das construções, particularmente nos sismos.
Humberto Varum, especialista na área da engenharia sísmica e das estruturas, alinha com a estimativa de que “mais de metade” das construções portuguesas estariam em risco em caso de um sismo mais forte. Incluindo “estruturas que deviam estar a funcionar após um evento sísmico”, dando o exemplo de hospitais e quartéis de bombeiros.
Admite que “é utópico pensar que teremos condições para fazer uma avaliação extensiva a todo o património edificado e um eventual reforço”. Porém, nas intervenções que vão acontecendo no edificado público e privado, deve aproveitar-se para “colocar em cima da mesa também a questão da segurança sísmica”.
No caso da reabilitação, o professor da FEUP alude a um decreto de lei recente, de 2019, que obriga a uma avaliação da vulnerabilidade sísmica em intervenções a partir de determinados valores, quer de área de intervenção, quer de investimento. Nota que “a legislação não é perfeita, mas incentiva a reabilitação sísmica” quando há uma intervenção no património.
“Tal como hoje a sociedade, como um todo, valoriza bastante o conforto térmico, a poupança energética, as questões estéticas e da qualidade do projeto, deve haver uma valorização justa daquilo que é a segurança das estruturas e das construções, particularmente nos sismos”.
Investir num bom projeto de estruturas, com a devida resistência ao sismo, não é um assunto sexy e um investimento que tenha retorno.
“Está muito na moda investir na sustentabilidade ambiental e o dono de obra está disposto a [pagar] mais 3% ou 4% do valor total para ter um edifício mais sustentável. Fica bem visto no mercado e, quando estiver concluído, já sabe que vai ter maior retorno do investimento: consegue vender os apartamentos por mais dinheiro ou cobrar rendas mais altas pelos escritórios”, concorda Bruno de Carvalho Matos, contrapondo que “investir num bom projeto de estruturas, com a devida resistência ao sismo, não é um assunto sexy e um investimento que tenha retorno”.
É que, tal como é um tema ausente do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) português, pois “não é aquilo que vende na opinião pública”, reclama que “ninguém vai pagar mais ao dono de obra por ter resistência a sismos, ninguém tem sensibilidade para isso”.
“As pessoas nem sequer percebem a importância. Dão valor aos acabamentos, se é ambientalmente sustentável ou não. A resistência à ação sísmica não é um assunto que seja atrativo, embora seja muito relevante porque se o edifício cair, as pessoas morrem. É simples”, completa este engenheiro civil.
Despesa limitada no reforço anti-sismo
E isto não acontece por uma questão de custo, reclamam os especialistas. Bruno de Carvalho Matos contabiliza que o acréscimo de custo de um edifício construído com a adequada resistência sísmica normalmente não ultrapassa 3% do valor da obra, sendo mais variável no caso das obras de reabilitação, em função da vulnerabilidade sísmica e das necessidades de reforço.
Humberto Varum corrobora que “não é a adequação sísmica dos edifícios que torna a construção significativamente mais cara”. “Por vezes falamos de intervenções pontuais, da adição de alguns elementos estruturais, que não são proibitivas do ponto de vista económico.
“Os acréscimos de custos na componente estrutural de edifícios são alterações modestas no custo total do edifício. A maior parte do custo de um edifício não está na sua estrutura. Qualquer alteração que se faça para melhorar as condições estruturais não vai levar a que sejam muito mais caros do que hoje. Tenho a certeza de que, para o consumidor final, são muitíssimo modestas. Para efeitos de segurança sísmica não é muito mais caro construir bem do que construir mal”, resume João Poças Martins.
Os acréscimos de custos na componente estrutural de edifícios são alterações modestas no custo total do edifício. (…) Para efeitos de segurança sísmica não é muito mais caro construir bem do que construir mal.
O investigador e diretor de investigação e desenvolvimento do Built Colab, laboratório colaborativo na área da construção, defende a obrigatoriedade da adoção da tecnologia BIM (Building Information Modeling), como já acontece em Espanha ou no Reino Unido, que permitiria às autarquias ter um cadastro detalhado do tipo de construção em cada zona e fazer simulações sobre o comportamento dos edifícios e acautelar a evacuação em caso de sismo severo.
“No imediato isso se calhar não salva pessoas. Para as casas de hoje não posso fazer muito. Agora, a acumulação de informação é muito importante. Na engenharia, as coisas levam décadas e medidas como esta, no sentido da digitalização na construção, têm um efeito benéfico a médio e longo prazo, que é o tempo de vida das nossas edificações. O que posso fazer hoje é para as casas daqui a 20 ou 30 anos”, conclui João Poças Martins.
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